Com 1.252 km e R$ 2 bilhões aplicados, obra no Nordeste garante segurança hídrica no Ceará com vazão de 30 mil litros/segundo
O semiárido brasileiro é, há séculos, cenário de resistência e escassez. O Ceará, em especial, sempre foi um retrato emblemático dessa realidade, marcada por longos períodos de estiagem, reservatórios em colapso e uma rotina que dependia, quase religiosamente, dos carros-pipa. Mas esse enredo começou a mudar com a chegada de uma obra monumental que promete reescrever o futuro hídrico do estado: o Cinturão das Águas do Ceará (CAC).
A monumental obra que desafia o clima e a geografia
O projeto, que integra um complexo sistema de canais, túneis e sifões, tem como missão redistribuir, com precisão e eficiência, as águas do Rio São Francisco por todo o território cearense. Com mais de 1.250 quilômetros de extensão planejada e operando em sua maior parte por gravidade, o CAC se impõe como uma das maiores obras de infraestrutura hídrica do Brasil, com um impacto regional comparável a sistemas internacionais como o National Water Carrier, em Israel, e o projeto Sul-Norte da China.
Da Barragem de Jati ao coração do Ceará
A captação da água ocorre na Barragem de Jati, no sul do estado, ponto de entrada das águas do São Francisco, desviadas pelo Eixo Norte da transposição federal. A partir daí, a água segue seu curso por canais abertos, túneis escavados e sifões invertidos, superando serras, vales e solos instáveis até alcançar dezenas de municípios e grandes reservatórios.
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Etapas que avançam e garantem resultados
O Cinturão foi dividido estrategicamente em três trechos principais. O Trecho 1, o mais avançado, se estende por 145,3 km entre a Barragem de Jati e o rio Cariús. Atualmente, cerca de 83,5% dessa fase já está concluída, segundo dados do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. Quando finalizado, este trecho terá capacidade de atender diretamente 24 municípios e mais de cinco milhões de pessoas, especialmente na Região Metropolitana de Fortaleza. O Trecho 2, com 271 km, levará água até o divisor das bacias dos rios Jaguaribe e Poti, enquanto o Trecho 3, com 137 km, deve alcançar as cabeceiras dos rios Acaraú e Banabuiú. Há ainda os ramais secundários em planejamento, que devem atingir áreas mais remotas e necessitadas.
Engenharia pensada para durar e se adaptar
A estrutura do CAC é resultado de uma engenharia de adaptação ao semiárido. No Trecho 1, mais de 119 km são compostos por canais abertos revestidos com geomembrana plástica e concreto, desenhados em formato trapezoidal para evitar perdas e facilitar o transporte da água. Os sifões invertidos — tubos de aço carbono com 2,8 metros de diâmetro — garantem a travessia subterrânea em regiões de relevo acidentado. Além disso, foram construídos nove túneis, totalizando 5,7 km de extensão, com destaque para o túnel Veneza, com quase 2,8 km, perfurado na Serra do Araripe.
Todas essas estruturas operam com controle automatizado. O sistema conta com comportas metálicas, boeiros de drenagem, pontilhões e passarelas, desenhados para se adaptar ao ambiente rural e às comunidades vizinhas. O objetivo é garantir não apenas o fornecimento de água, mas também a segurança e a funcionalidade em todas as etapas do trajeto.
Água para irrigar desenvolvimento e mover a economia
A importância estratégica do Cinturão das Águas não se restringe ao abastecimento doméstico. O projeto também fortalece a agricultura irrigada e o setor industrial. Segundo a Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece), o crescimento da indústria cearense no primeiro trimestre de 2025 foi de 3,5%, o maior do país, resultado que se deve, em parte, à estabilidade hídrica proporcionada pelo CAC.
Um compromisso de governo com o futuro
O governador Elmano de Freitas tem defendido a obra como uma das prioridades da gestão. Em visita recente ao canteiro de obras, afirmou que “a atenção não é só para o Sertão do Cariri, mas para toda a grande Fortaleza futuramente… os investimentos são altos e estão garantidos”. Já o ministro Waldez Góes destacou que o projeto está entre os mais importantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com investimentos superiores a R$ 2 bilhões, dos quais R$ 1,7 bilhão já foram aplicados.
A expectativa é que os lotes 3 e 4 do Trecho 1 sejam entregues até meados de 2026, totalizando cerca de 600 trabalhadores e 200 máquinas mobilizadas nas frentes de trabalho. Com isso, mais 800 mil pessoas devem ser beneficiadas diretamente.
Uma resposta definitiva à crise hídrica
Mesmo sem a notoriedade da transposição do Rio São Francisco, o Cinturão das Águas do Ceará já se firmou como um divisor de águas — literalmente — no cenário do semiárido. Ele não apenas assegura a chegada da água em pontos críticos, como estabelece as bases para uma nova etapa de desenvolvimento sustentável, onde a seca não dita mais o destino de quem vive no sertão.