Pesquisadores desenvolveram um concreto que substitui a areia por grafeno, resultando em material mais leve, resistente e ambientalmente vantajoso. A descoberta pode transformar práticas da construção civil e abrir caminho para novos padrões sustentáveis.
Pesquisadores da Universidade Rice, no Texas, desenvolveram um compósito cimentício que substitui a areia por grafeno obtido de coque metalúrgico.
Em testes, o material apresentou redução de 25% no peso e manteve ou superou o desempenho mecânico do concreto convencional, apontando uma rota possível para aliviar a pressão sobre a extração de areia e reduzir emissões associadas ao setor.
Como funciona a troca da areia por grafeno
O estudo aplica a técnica de aquecimento Joule instantâneo para converter o coque em flocos de grafeno, que passam a cumprir o papel do agregado miúdo.
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Ao usar esse “agregado de grafeno” no lugar da areia, as amostras ficaram 25% mais leves, com aumento de 32% na tenacidade, 33% na deformação de pico e 21% na resistência à compressão específica.
Houve, em contrapartida, queda de 11% no módulo de Young específico, indicando menor rigidez relativa.
Os autores destacam que o ganho de desempenho por unidade de massa melhora a razão resistência/peso do compósito.
Legenda (138 caracteres): Concrete sustentável com grafeno reforçado substituindo areia, mais leve e resistente para inovação na construção civil. (Imagem: GCO Portal)
Impacto ambiental: menos extração e emissões
Além do efeito direto na demanda por areia, cuja exploração cresce e pressiona rios e áreas costeiras, a substituição favorece uma estratégia de menor emissão.
Materiais mais leves exigem menos cimento para alcançar o mesmo desempenho estrutural, e o grafeno produzido a partir de resíduos de carbono pode capturar parte dos gases que seriam liberados na decomposição desses resíduos.
Em comunicado anterior, o professor James Tour afirmou que quantidades pequenas do material na pasta de cimento podem reduzir a pegada de carbono do concreto em cerca de um terço, ao permitir menos consumo e transporte de matéria-prima.
Por outro lado, os próprios autores admitem que a adoção depende da escala e do custo.
A tecnologia tem potencial para reduzir a dependência de recursos naturais e, ao mesmo tempo, melhorar a performance, mas ainda precisa atravessar etapas de padronização, comprovação de durabilidade e viabilidade econômica para migrar do laboratório aos canteiros.
Legenda (131 caracteres): Blocos de concreto moderno reforçado com grafeno, mais durável e sustentável para o futuro da construção civil. (Imagem: The Realty Today)
Custos do grafeno e desafios econômicos
O preço do grafeno varia conforme qualidade e método de produção. Referências de mercado citadas por Rice indicam faixa de US$ 67 mil a US$ 200 mil por tonelada para materiais de alta qualidade — não por quilo.
A própria equipe reconhece que “levará algum tempo para que o preço do grafeno fique baixo o suficiente” para viabilizar a solução em larga escala.
Já o coque metalúrgico, insumo de partida, tem custo comparável ao da areia e responde por cerca de 10% do custo total do concreto, o que pode ajudar na equação quando a produção de grafeno ganhar escala.
Enquanto isso, estudos paralelos vêm testando doses muito baixas de grafeno ou de óxido de grafeno como aditivo (e não substituto de areia) para reforçar matrizes cimentícias com ganhos de resistência e durabilidade, reforçando a tendência de incorporar materiais bidimensionais à construção.
Esses ganhos, porém, dependem da formulação e da dosagem, variando conforme o tipo de grafeno, o teor e a compatibilização com a pasta de cimento.
Legenda (140 caracteres): Processo flash graphene transforma pneus ou resíduos em grafeno para substituir areia no concreto, promovendo sustentabilidade. (Imagem: Innovations-Report)
O que dizem os autores
Em declaração recente, Tour sintetizou a lógica por trás da proposta:
“Ao fortalecer o concreto com grafeno, podemos usar menos concreto para a construção e ele custará menos para fabricar e transportar”, além de converter carbono de resíduos em grafeno que retorna ao ciclo como insumo de alto valor na construção.
A equipe ressalta que o próximo passo passa por escalar a produção, ajustar métodos de mistura e avaliar o desempenho a longo prazo em cenários reais de obra.
Limites e pontos de atenção
Embora os resultados mecânicos sejam promissores, a redução no módulo de Young específico sugere que o composto pode responder de forma diferente sob certas solicitações, exigindo engenharia de projeto adequada.
Além disso, a homogeneidade da distribuição dos flocos, a aderência na zona de transição pasta-agregado e questões de trabalhabilidade precisam de protocolos industriais para garantir repetibilidade e segurança, especialmente em estruturas armadas e em produção em grande volume.
Essas são frentes de pesquisa típicas quando se introduz um novo agregado ou aditivo em matrizes cimentícias.
Perspectivas para a construção civil
Se a produção de grafeno por aquecimento Joule instantâneo ganhar eficiência e custo competitivo, o alívio sobre jazidas de areia, somado à redução de carga estrutural e de consumo de cimento, pode reconfigurar práticas de projeto e logística no setor.
Na ponta, isso significaria menos material por metro quadrado executado, transporte mais leve e potencial de redução de emissões em toda a cadeia.
Contudo, a normalização por entidades técnicas, a aceitação regulatória e a prova de campo em diferentes climas e tipologias construtivas serão determinantes para a adoção.
Diante desse cenário, a pergunta que fica para construtoras, projetistas e órgãos públicos é direta: o mercado brasileiro está pronto para testar, certificar e escalar um concreto sem areia baseado em grafeno, caso os custos fechem a conta?