Vendedora promete carta contemplada, oculta cláusulas do contrato e cliente fica no prejuízo; entenda o passo a passo do golpe e como se proteger.
A promessa de carta contemplada continua fisgando vítimas em todo o país. No caso que veio à tona, um trabalhador autônomo pagou R$ 33.300 acreditando que receberia rapidamente uma van via consórcio e descobriu, tarde demais, que assinara um pré-contrato com respostas preenchidas pela vendedora e cláusulas essenciais escondidas.
Como reforça Celso Russomanno, que acompanha o caso e gravou as conversas com a vendedora, “não existe carta contemplada à venda”: contemplações ocorrem por sorteio ou lance, e quem já foi contemplado não entrega o crédito a um desconhecido.
O consumidor, no entanto, foi induzido a erro com áudios, fotos de veículos e prazos irreais.
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O caso: como a venda foi montada
A negociação começou com a oferta de uma Sprinter 19+1 lugares por cerca de R$ 205 mil. A vendedora disse trabalhar com consórcio e “cartas já contempladas”, afirmando ter “parceria com montadoras” e que a fábrica “só vende à vista” daí a necessidade da tal carta contemplada.
Esse discurso técnico dá verniz de credibilidade, mas não se sustenta: é ilegal prometer contemplação.
Depois de pedir R$ 33.300, a vendedora apresentou um pré-contrato e, segundo o cliente, sobrepôs folhas para que ele apenas assinasse, sem leitura integral.
As respostas foram preenchidas por ela, inclusive no campo em que o consumidor “declara estar ciente de que não recebeu promessa de contemplação”. É o chamado ‘contrato armadilha’, em que o papel diz o oposto do que o vendedor prometeu.
Onde o golpe se sustenta e por que é crime
Prometer “carta contemplada” é prática enganosa. O artigo 66 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) tipifica afirmação falsa ou enganosa como crime (pena de 3 meses a 1 ano).
A conduta também pode configurar estelionato (art. 171 do Código Penal) quando há indução em erro para obter vantagem econômica.
Outro ponto central é a responsabilidade solidária. Pelo artigo 34 do CDC, o fornecedor responde pelos atos de seus prepostos e representantes.
Ou seja, a administradora do consórcio não pode “lavar as mãos” dizendo que foi culpa da consultora: é responsável por prevenir, fiscalizar e reparar o dano. Esse detalhe jurídico muda o jogo quando a vítima busca reaver o valor.
A escalada de pressão e a oferta “mais rápida”
Passados os dias, o veículo não saiu. A vendedora então ofereceu outro carro “já pronto” e tentou mais R$ 25 mil para “agilizar a entrega em três dias”.
É uma tática clássica de escalada: o golpe inicial cria urgência, e a nova proposta promete solução instantânea mediante novo pagamento. Quando a vítima recua, vêm o silêncio e a demora.
Outro sinal vermelho apareceu no endereço comercial: o atendimento ocorria em coworking, sem estrutura fixa.
Espaços compartilhados são legítimos, mas golpistas se valem da passagem de pessoas e da falta de identificação permanente. Sempre confirme CNPJ, administradora autorizada pelo Banco Central e canais oficiais antes de assinar.
O que diz a empresa e o acordo firmado
Acionada por Celso Russomanno, a administradora reconheceu que a “venda está irregular” e negociou devolução em três parcelas de R$ 11.100 (com possibilidade de antecipação), em 15/09, 15/10 e 15/11. É uma vitória parcial do consumidor e um recado ao mercado: quando há prova de promessa enganosa, a empresa precisa reparar.
Atenção: mesmo com acordo, o caso pode seguir nas esferas cível e criminal. Boletim de ocorrência, registro no Procon e guarda de provas (áudios, prints, contratos) são essenciais para pressionar pela restituição integral e coibir a reincidência.
Como identificar armadilhas com “carta contemplada”
Desconfie de urgência e prazos milagrosos. Golpistas criam janelas de 3 a 7 dias para reduzir seu tempo de checagem. Promessa de entrega “certa” é incompatível com a lógica do consórcio, que depende de sorteio ou lance.
Contrato sem leitura é contrato sem defesa. Nunca assine páginas soltas ou “marcadores de assinatura”. Exija o PDF completo, confira campos já preenchidos e não aceite formulários com declarações falsas (ex.: “não houve promessa”).
Uma consulta jurídica barata hoje evita um prejuízo caro amanhã.
Se já caiu, o que fazer agora
- Colete e salve as provas: áudios, prints, comprovantes, cartões, CNPJ, endereço, nomes (consultora, supervisor). Organize por data.
- Registre o BO (estelionato/CDC), abra reclamação no Procon e notifique a administradora por escrito citando o art. 34 do CDC e pedindo devolução imediata.
- Procure o Juizado Especial Cível (quando couber) ou advogado de confiança para pedir restituição e danos. Não aceite acordos leoninos (muitas parcelas, renúncia de direitos).
- Comunique o Banco Central se houver indício de intermediação irregular. Consumidor que denuncia ajuda a evitar novas vítimas.
Golpistas sofisticaram o roteiro, mas o enredo é o mesmo: “carta contemplada” não se vende. Celso Russomanno reforça: promessa verbal não vale contra a letra fria do contrato e contrato com respostas “fabricadas” é armadilha. Se a proposta depende de pressa, segredo e dinheiro adiantado, o certo é dizer “não” e sair pela porta.
Você ou alguém que você conhece já recebeu oferta de “carta contemplada”? Qual foi o discurso usado (prazo, “parceria com montadora”, “cota já aprovada”)? E que cláusula escondida quase passou batido no seu contrato? Relate nos comentários — sua história pode evitar que outro consumidor perca economias de uma vida.