De província esquecida à potência econômica: entenda como São Paulo virou o estado mais rico do Brasil graças ao café, à imigração em massa e ao poder das ferrovias.
Hoje, São Paulo é sinônimo de riqueza, modernidade e potência econômica. Mas nem sempre foi assim. Há pouco mais de 200 anos, o estado mal figurava entre as regiões mais importantes do Brasil. Em 1872, a capital tinha apenas 30 mil habitantes e era a nona maior cidade do país — menor que Belém e quase dez vezes menor que o Rio de Janeiro. Então, como essa antiga província periférica se transformou no estado mais rico do Brasil?
Quando São Paulo era apenas um coadjuvante
Durante boa parte da era colonial e do início do Império, São Paulo não tinha grande expressão econômica ou política. No século XIX, era uma província modesta, enquanto Bahia, Pernambuco e Maranhão lideravam a economia nacional com exportações de açúcar e algodão. São Paulo até produzia açúcar, mas em menor escala e com dificuldades logísticas severas.
O obstáculo da Serra do Mar
A topografia foi uma das primeiras grandes barreiras. A serra entre o interior paulista e o litoral era um verdadeiro paredão. O transporte de mercadorias era feito por trilhas indígenas estreitas e, mesmo com a construção de estradas no século XVIII, o caminho seguia tortuoso — com 133 curvas perigosas entre o planalto e o porto de Santos.
-
Após BYD, GWM e outras, Brasil se prepara para receber mais uma marca chinesa com SUVs robustos, motor de Tiggo 7 e visual estilo Land Rover
-
Opções de crédito alternativas ganham espaço entre empreendedores com baixo score e dificuldade de aprovação em instituições financeiras comuns
-
Regras da aposentadoria que impedem você de trabalhar são aplicadas pelo INSS e podem cortar pagamentos sem aviso prévio
-
Brasil, Rússia e China se unem nos bastidores do BRICS e acendem alerta global com acordos bilionários para dominar infraestrutura, controlar o meio ambiente e desafiar a hegemonia dos EUA
Essa dificuldade logística limitava a capacidade de São Paulo de integrar-se ao comércio externo. Mas foi justamente ao resolver esse entrave que o estado começou sua escalada.
Café, mulas e pedágios: os primeiros passos rumo ao crescimento
Na primeira metade do século XIX, o café passou a se tornar o motor da economia brasileira. Em São Paulo, o cultivo só era viável nas regiões mais próximas ao litoral, por causa do alto custo do transporte por mulas. O “combustível” das tropas era o milho, que era caro e limitava as distâncias viáveis economicamente.
Em 1831, após a abdicação de Dom Pedro I, as províncias ganharam mais autonomia. Uma das primeiras medidas da Assembleia Provincial de São Paulo foi instituir pedágios sobre mulas. O dinheiro arrecadado financiou melhorias nas estradas, o que permitiu que o café começasse a ser plantado mais longe do litoral. Esse movimento abriria caminho para a expansão agroexportadora.
A revolução da ferrovia
O segundo grande salto veio com a chegada das ferrovias, financiadas principalmente pelos próprios produtores de café. O transporte ferroviário encurtou distâncias, barateou custos e permitiu que o café de regiões mais distantes do interior paulista chegasse com rapidez ao porto de Santos — e de lá, ao mundo.
Na mesma época, os Estados Unidos e países europeus aumentavam sua demanda por café, o que impulsionou ainda mais o cultivo. As estações ferroviárias deram origem a novas cidades e a economia do interior paulista floresceu.
A mão de obra que mudou tudo: do fim da escravidão à imigração em massa
O crescimento do café exigia muita mão de obra. Inicialmente, houve uma migração interna de escravizados do Nordeste para o Sudeste. Mas com o avanço do movimento abolicionista e a proibição do tráfico transatlântico, o sistema escravocrata tornou-se insustentável.
Diante disso, a elite paulista decidiu incentivar a imigração europeia. Milhões de italianos, espanhóis, portugueses, japoneses, sírios e libaneses vieram trabalhar nas lavouras. Só na antiga hospedaria de imigrantes de São Paulo passaram mais de 3 milhões de pessoas em menos de um século.
Esses imigrantes formaram uma nova classe trabalhadora assalariada, que, ao contrário dos escravizados, recebia salários e consumia bens. Isso criou uma demanda interna que serviu de base para a futura industrialização de São Paulo.
O nascimento da indústria paulista
No final do século XIX e início do século XX, São Paulo começou a substituir produtos antes importados por itens fabricados localmente — como tecidos e alimentos processados. Com infraestrutura de transporte moderna, capital oriundo do café e mão de obra disponível, a cidade se tornou o principal polo industrial do país.
Esse avanço econômico logo se refletiu na política. Junto com Minas Gerais, São Paulo passou a dominar a política nacional, no que ficou conhecido como a “República do Café com Leite”. O estado havia, enfim, deixado de ser periferia e se tornado o centro das decisões.
A revolução de 1932 e a criação da USP
A crise mundial de 1929 derrubou os preços do café, afetando gravemente São Paulo. Quando Getúlio Vargas assumiu o poder em 1930, reduziu a autonomia dos estados e nomeou interventores federais. A elite paulista reagiu com a Revolução Constitucionalista de 1932 — e perdeu.
Mas a derrota militar levou a uma resposta simbólica e estratégica: em vez de lamentar, São Paulo investiu em conhecimento. Nascia, em 1934, a Universidade de São Paulo (USP), que consolidaria o estado como centro de produção científica e cultural.
A proteção à indústria e o crescimento urbano
Durante o governo Vargas, políticas de substituição de importações fortaleceram ainda mais a indústria nacional. São Paulo, que já tinha estrutura produtiva e mão de obra especializada, se beneficiou amplamente dessas medidas.
Ao longo do século XX, a cidade de São Paulo atraiu milhões de migrantes — especialmente nordestinos — que contribuíram para a expansão da construção civil, das fábricas e da urbanização acelerada. Em 2022, mais de 5 milhões de moradores do estado nasceram no Nordeste, representando mais de 11% da população.
A herança que moldou o presente
A combinação de infraestrutura, políticas públicas, imigração, industrialização e mercado interno consolidou São Paulo como a locomotiva do Brasil. A partir da década de 1950, a capital já era a maior cidade do país — economicamente, demograficamente e culturalmente.
Mas especialistas alertam para os perigos de interpretar esse sucesso como uma “superioridade natural”. Para o sociólogo Gessé Souza, a elite paulista se aproveitou do poder simbólico da imigração europeia para tentar legitimar uma liderança sobre o restante do país. “Você precisa do poder simbólico para convencer os outros de que você é superior”, afirma.
A resposta curta: por que São Paulo ficou tão rico?
Porque resolveu um problema logístico (a serra), investiu em ferrovias, aproveitou a alta demanda por café, incentivou a imigração em massa, industrializou-se rapidamente e, mais tarde, se beneficiou de políticas federais de proteção à indústria. Ou seja, porque combinou geografia, economia, política e instituições de forma eficiente.
Hoje, São Paulo concentra mais de 30% do PIB brasileiro e, se fosse um país, teria uma das maiores economias da América Latina. Uma trajetória que impressiona — e que começou com mulas, trilhas e muito café.