A Vale avança para operar com tecnologia de processamento seco em Carajás até 2027, apostando em investimentos bilionários e projetos pioneiros para minimizar riscos ambientais e transformar o cenário da mineração nacional.
A Vale anunciou que irá eliminar completamente o uso de água no processamento de minério de ferro em Carajás, no Pará, até 2027, como parte de um amplo esforço para modernizar e tornar mais sustentável sua operação mineral no Brasil.
A decisão foi apresentada durante visita de jornalistas à unidade da empresa em Parauapebas, quando executivos detalharam o cronograma para substituir os últimos 10% das operações ainda dependentes de água por processos totalmente secos.
A iniciativa ganhou força nos últimos anos, impulsionada por acidentes ambientais graves envolvendo barragens, como os de Brumadinho e Mariana, ambos em Minas Gerais.
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De acordo com a Vale, aproximadamente 90% do chamado Sistema Norte já adota métodos secos no beneficiamento do minério de ferro.
Das 17 linhas de peneiramento existentes na usina 1 da Serra Norte, seis ainda utilizam água.
Por outro lado, as atividades nas serras Sul e Leste já ocorrem integralmente por meio de processos a seco.
“Ao final de 2027 já estarão 100% a seco, aí todo o Sistema Norte será 100% umidade natural”, afirmou Gildiney Sales, diretor do Corredor Norte da Vale.
O Sistema Norte produziu 177,5 milhões de toneladas de minério de ferro em 2024, superando metade do total produzido pela mineradora no ano, que somou 327,7 milhões de toneladas.
Investimento bilionário e tecnologia viabilizam o processamento seco
A transição para o processamento a seco tornou-se viável em Carajás devido às características únicas das reservas da região e ao investimento maciço realizado pela empresa nos últimos 15 anos.
Segundo Tiago Leite, gerente de mina da Vale, o alto teor de ferro presente no minério local — entre 62% e 68% — permite adoção de rotas tecnológicas mais avançadas, que dispensam o uso intensivo de água.
“Carajás tem um teor metálico de reserva que permite uma rota tecnológica que poucos lugares permitem”, explicou Leite.
Embora a mineradora não tenha revelado o valor exato dos recursos aplicados, informou que foram investidas “dezenas de bilhões de reais” no desenvolvimento dessas soluções.
A eliminação do uso de água, de acordo com a Vale, traz ganhos ambientais expressivos ao evitar a geração de rejeitos no processo produtivo.
Isso elimina a necessidade de construção de novas barragens de rejeitos para armazenamento e contribui para uma operação mais sustentável e segura.
Outro ponto destacado pela companhia é a simplificação dos processos industriais, fator que pode reduzir custos e aumentar a competitividade, embora Gildiney Sales tenha preferido não detalhar o impacto econômico direto da medida, mantendo esses dados sob sigilo empresarial.
Regras mais rígidas após acidentes e o papel das barragens
O contexto em que a Vale promove essa mudança é marcado por um ambiente regulatório cada vez mais rigoroso para a mineração brasileira.
Após as tragédias de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), que envolveram barragens da própria Vale, órgãos como o Ministério Público Federal e a Agência Nacional de Mineração (ANM) intensificaram a fiscalização e impuseram regras mais estritas para o setor.
A Política Nacional de Segurança de Barragens, revisada em 2020, estabeleceu novos padrões técnicos e de monitoramento, elevando os custos de manutenção e operação dessas estruturas.
Neste cenário, eliminar barragens passa a ser também uma resposta estratégica às cobranças regulatórias e sociais por maior segurança nas operações.
Apesar do avanço em Carajás, a transição para o processamento seco ainda não resolve integralmente o passivo ambiental da mineradora.
A Vale mantém dezenas de barragens em operação em outros complexos minerários, algumas classificadas como de alto risco pelos órgãos de fiscalização, o que segue demandando vigilância e investimento contínuos.
Projeto Gelado reaproveita rejeitos e amplia produção sustentável
Além da mudança no beneficiamento, a Vale executa o Projeto Gelado, iniciativa voltada ao reaproveitamento de rejeitos acumulados desde 1985 na barragem de mesmo nome, situada na Serra Norte.
O projeto emprega dragas elétricas para extrair cerca de 120 milhões de toneladas de material depositado, com teor de ferro entre 62% e 64,5%.
O objetivo é transformar esse material em “pellet feed” — produto utilizado na fabricação de pelotas de minério —, ampliando o aproveitamento dos recursos minerais e reduzindo o impacto ambiental.
Em 2024, a produção de “pellet feed” proveniente do Gelado alcançou 2,5 milhões de toneladas, com previsão de crescimento para 5 milhões de toneladas em 2026 e 6 milhões em 2027.
Gildiney Sales avaliou o andamento do projeto como positivo, mas mencionou que “algumas adequações” foram necessárias após o início da operação, destacando o caráter inédito da iniciativa em escala industrial no Brasil.
Desafios de resultados econômicos e ambientais ainda em avaliação
A Vale argumenta que a eliminação do uso de água e de barragens para armazenamento de rejeitos representa um marco para a mineração nacional, sobretudo em relação à redução de riscos ambientais e operacionais.
No entanto, a companhia ainda não divulga informações detalhadas sobre os ganhos econômicos associados a essa transição.
Especialistas apontam que, sem dados abertos sobre margens de lucro ou competitividade do produto oriundo de rejeitos, não é possível mensurar integralmente os resultados econômicos do investimento.
A experiência recente do Projeto Gelado também evidencia que a adoção de tecnologias inovadoras pode enfrentar desafios inesperados, exigindo ajustes após a implementação inicial.
A capacidade da Vale em cumprir o cronograma de transição até 2027 dependerá, principalmente, do sucesso na conversão das últimas linhas que ainda utilizam água e da superação de obstáculos técnicos inerentes à escala industrial.