Expansão do Bolsa Família desde a pandemia fez o número de beneficiários disparar e reduziu a busca por emprego formal, especialmente entre homens jovens do Norte e Nordeste
Um estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), divulgado recentemente, revelou que para cada duas famílias que recebem o Bolsa Família, uma deixa a força de trabalho, indicando que a expansão do programa passou a desestimular a busca por emprego formal no Brasil.
Desde a pandemia de Covid-19, o Bolsa Família passou por uma transformação significativa: o valor médio do benefício mais que triplicou e o número de famílias atendidas cresceu consideravelmente. Em 2019, o auxílio era de cerca de R$ 190 por família. Em 2025, esse valor chegou a R$ 670 — um aumento de 253%.
O número de famílias atendidas também subiu de 14 milhões em 2017 para 21 milhões em 2025. Com isso, o orçamento do programa saltou de R$ 35 bilhões para R$ 170 bilhões anuais, consolidando o Bolsa Família como a principal política de transferência de renda do país.
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No entanto, o crescimento trouxe efeitos colaterais. O principal deles é a redução na oferta de mão de obra, especialmente entre homens jovens, que passaram a ver o benefício como alternativa ao trabalho com carteira assinada.
Participação na força de trabalho ainda é menor que antes da pandemia
Segundo o IBGE, a taxa de desemprego em junho de 2025 foi de 5,8%, a menor da série histórica. Porém, a taxa de participação na força de trabalho — que mede a parcela da população com 14 anos ou mais trabalhando ou procurando emprego — ainda está abaixo dos níveis pré-pandemia.
Em dezembro de 2019, essa taxa era de 63,4%. Já em junho de 2025, caiu para 62,4%. A maior queda foi registrada nas regiões Norte e Nordeste. No Nordeste, por exemplo, a taxa de participação caiu de 56% em 2019 para 54,1% em 2025.
No Sul, houve leve melhora: a taxa subiu de 66,8% para 66,9%. Apesar disso, o estudo indica que a redução da força de trabalho é nacional e preocupante, pois reflete mudanças estruturais no comportamento dos beneficiários.
Estudo aponta impacto direto na formalização
O economista Daniel Duque, do FGV Ibre, afirmou que o valor médio do Bolsa Família hoje corresponde a 35% da renda mediana do trabalho no Brasil — antes da pandemia, essa proporção era de 15%.
Segundo a pesquisa, famílias que se tornaram elegíveis ao programa em 2023 reduziram em 11% sua taxa de participação no mercado de trabalho, comparadas a famílias semelhantes não elegíveis.
Além disso, a probabilidade de uma pessoa ocupada que recebe o Bolsa Família ter emprego formal caiu 13%. Já a chance de estar ocupada, em geral, caiu 12%. Esses dados evidenciam um desestímulo claro ao ingresso no mercado formal.
Jovens do Norte e Nordeste são os mais afetados
O estudo mostra que os efeitos negativos se concentram nos jovens entre 14 e 30 anos do sexo masculino, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Nesses grupos, houve forte retração na busca por emprego e ocupação.
O desestímulo ao emprego formal ocorre, segundo os pesquisadores, por razões econômicas. Para muitos beneficiários, o valor garantido do Bolsa Família supera o que conseguiriam com um trabalho formal de baixa remuneração.
Mesmo com a chamada “regra de proteção” — que permite manter 50% do benefício por dois anos após conseguir emprego formal —, muitos preferem permanecer na informalidade ou fora do mercado de trabalho.
Longo prazo pode comprometer o capital humano
Economistas da FGV alertam para o risco de comprometimento do capital humano no longo prazo, especialmente entre jovens que deixam de acumular experiência profissional.
Fernando de Holanda Barbosa Filho, também da FGV Ibre, afirmou que o programa “mudou muito desde sua origem” e que as preocupações sobre seus efeitos no mercado de trabalho, antes consideradas resolvidas, voltaram ao centro do debate nacional.
No entanto, o estudo aponta uma possível solução no campo da educação: jovens com maior escolaridade que recebem o benefício têm maior propensão a se matricular em instituições de ensino.
Educação pode ser chave para reverter os efeitos negativos
O pesquisador Flávio Ataliba, do Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste, defende que a saída de jovens do mercado de trabalho não é necessariamente negativa se eles estiverem investindo em qualificação profissional.
Combinado com programas de educação técnica, estímulo ao empreendedorismo e apoio à formalização de pequenos negócios, o Bolsa Família poderia ser reformulado como um trampolim para a autonomia financeira, não uma âncora de dependência.
Esse redirecionamento exigiria planejamento e integração com outras políticas públicas, como saúde, educação e mercado de trabalho.
Proposta de redesenho do Bolsa Família está em debate
Como alternativa, Daniel Duque propõe reduzir o valor base do benefício, atualmente em R$ 600, para desestimular a ociosidade entre jovens sem vínculo educacional.
Os recursos economizados seriam aplicados em grupos mais vulneráveis, como mães com filhos pequenos e jovens que deixaram os estudos por falta de renda. O modelo poderia ser acoplado a programas como o Pé-de-Meia, que visa estimular a permanência na escola.
A reformulação teria como objetivo estimular a produtividade e a mobilidade social no longo prazo, mantendo o caráter de proteção social sem desincentivar a formalização.
As informações foram divulgadas em reportagem da Gazeta do Povo, com base em estudo conduzido pelo economista Daniel Duque e outros especialistas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), publicado nesta terça-feira (19).
Você acredita que o Bolsa Família, da forma como está estruturado hoje, estimula a autonomia ou gera dependência de seus beneficiários?