Com origem humilde, Antônio Francisquini enfrentou geadas, dívidas e preconceito — e hoje lidera o maior conglomerado de café do planeta
O título de rei do café já foi usado para descrever escravistas do século XIX, industriais do ciclo da borracha ou figuras folclóricas do interior paulista. Mas talvez nenhum nome represente esse trono com tanta legitimidade quanto o do paranaense Antônio Francisquini. Começou como cobrador de ônibus e hoje comanda a maior área plantada de café do mundo.
A trajetória de Francisquini não é apenas a história de um empresário. É o retrato brutal e inspirador de como o Brasil rural se reinventa com suor, estratégia e obstinação. De São José do Rio Preto às fazendas monumentais no Cerrado Mineiro, sua história mistura colheitas recordes, geadas devastadoras, alta tecnologia e lições duras sobre previsibilidade — ou a falta dela — no agronegócio.
A infância pobre, a vida como cobrador e a primeira fazenda
Nascido em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, Francisquini enfrentou a miséria logo cedo. “Minha mãe lavava roupa para fora. Um pãozinho era dividido entre oito irmãos”, relembra. Ainda criança, carregava malas na rua para ajudar no sustento da casa. Aos 15 anos, foi para o Paraná, onde começou a trabalhar com café — primeiro como cobrador e depois como motorista de ônibus.
-
Brasil perde mais de R$ 1 bilhão com atrasos nos portos: exportação de café colapsa em meio ao caos logístico
-
Novo salário mínimo de R$ 1.518 dá reajuste de R$ 106, mas deixa trabalhador com só R$ 1.401 líquidos
-
De volta à era dos trens de passageiros? Setor ferroviário brasileiro vive expansão inédita com PPPs, fábricas reativadas e projetos bilionários em todo o país
-
Importante rodovia federal recebe 600 placas de concreto e novos radares em trechos com alto índice de incidentes
Foi nesse período que ele comprou seu primeiro sítio em Ivatuba (PR). Com apenas seis alqueires divididos entre os irmãos, recebeu 1.500 cruzeiros — e decidiu investir. Em 1959, comprou nove alqueires em Cianorte, pouco antes da geada de 1963. Essa geada, que arrasou plantações em diversas regiões, foi sua oportunidade: “Eu vendi o café por 3 mil contos e saí comprando fazendinha.”
As geadas que quebraram uns… e enriqueceram outros
Enquanto muitos produtores quebraram nas geadas de 63 e 69, Francisquini prosperou. Comprou uma fazenda por 45 mil cruzeiros, que em um único ano deu retorno de 215 mil em café. O ciclo se repetiu várias vezes: “O que eu tenho hoje, eu ganhei com geada”, afirma com firmeza.
Seu modelo de expansão era simples e agressivo: comprar terras afetadas por crises climáticas, recuperar a produtividade e reinvestir no negócio. Quando o Paraná começou a sofrer com nematoides e perda de vigor das lavouras, ele migrou para Minas Gerais. Em 1987, comprou sua primeira fazenda no Cerrado Mineiro. Hoje, controla sete polos de produção no Brasil.
O império atual: 18 mil hectares, milhares de funcionários e gestão profissional
Atualmente, Francisquini cultiva mais de 18 mil hectares de café, com polos na Bahia, Minas Gerais e outras regiões. Em sua gestão, ele já chegou a contratar 3.400 trabalhadores avulsos, além de 500 funcionários fixos. Mesmo com toda a escala, o empresário rejeita sistemas complexos e preza pelo controle direto dos custos: “Eu olho o que sobra no bolso. Produtividade alta não significa lucro.”
A operação é dividida em sete polos, cada um com seu gerente. A coordenação é feita por WhatsApp, visitas presenciais e uso moderado de tecnologias. “É uma estrutura enxuta, mas que funciona”, diz o consultor técnico Sérgio, braço direito do empresário. Há competição entre polos, mas sempre de forma saudável, com foco em eficiência e troca de experiências.
Previsões erradas, mão de obra escassa e o futuro da cafeicultura
Mesmo com décadas de experiência, Francisquini reconhece: prever a safra é um desafio constante. Em 2025, esperava colher 600 mil sacas. “Hoje, acho que vou colher 150 mil. Cada dia que passa a gente vê que vai dar menos”, afirma. Ele critica analistas que projetam altas irreais e alerta: quem apostou errado pode não ter como pagar as contas.
A maior dor de cabeça atual não é o clima — é a mão de obra escassa. Muitos trabalhadores não querem registro formal para não perder o auxílio do governo. “Se deixar, não aparece ninguém para colher. Café pequeno, então, é um drama. Tem que passar a colheitadeira mesmo.”
Mesmo com todas as dificuldades, o grupo ainda cresce. Só no último ano, compraram duas novas fazendas. “É um prazer comprar terra. Até hoje, graças a Deus, não devo quase nada.”
De ex-cobrador a referência mundial: o novo rei do café é real
Diferente dos barões do passado, Franceschini construiu sua coroa com suor, austeridade e olhos clínicos para oportunidade em meio ao caos. Foi pobre, foi rejeitado, foi desacreditado. Mas sua história o levou ao topo da cafeicultura global — sem dívidas, sem herança, e sem medo de perder tudo.
E você? Acredita que o Brasil valoriza histórias como essa? O trono do rei do café foi bem conquistado? Queremos saber sua opinião sobre essa trajetória rara — comente abaixo com sua visão.