Cientistas da Johns Hopkins alcançam marco inédito: robô treinado por IA realiza colecistectomia laparoscópica em animal vivo sem intervenção humana
A fronteira entre homem e máquina foi oficialmente cruzada. O que antes parecia roteiro de ficção científica começa a ganhar espaço dentro de laboratórios de ponta, salas cirúrgicas experimentais e publicações científicas renomadas. Um robô treinado por inteligência artificial realizou, de forma totalmente autônoma, a remoção de um órgão de um animal vivo — sem toque humano, sem joystick, sem bisturi empunhado por cirurgião. Apenas comandos de voz e aprendizado por tentativa e erro.
O início da revolução: o primeiro corte feito por um robô cirurgião
A jornada rumo ao “ponto de não retorno” começou em janeiro de 2022, quando o STAR (Smart Tissue Autonomous Robot), criado por uma equipe do Children’s National Hospital e da Universidade Johns Hopkins, realizou sua primeira operação minimamente invasiva: uma anastomose intestinal em um porco. O procedimento foi um marco. Apesar de contar com supervisão humana e seguir um plano cirúrgico rígido, o robô conseguiu costurar tecido com uma precisão difícil de replicar até por médicos experientes.
Na época, os cientistas compararam o desafio ao de “ensinar um robô a dirigir em uma estrada sem sinalização, mas com faixas desenhadas no chão”. STAR conseguia operar apenas em ambientes controlados, com tecidos demarcados, iluminação padronizada e sem surpresas.
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A cirurgia que mudou tudo: robô remove vesícula biliar sem ajuda humana
Avançamos para 2024. Em um novo experimento publicado pela Science Robotics, os pesquisadores da Universidade Johns Hopkins apresentaram o Surgical Robot Transformer-H (SRT-H), um robô cirurgião com uma diferença fundamental: ele não precisa mais de controle humano direto. Alimentado por dados semelhantes aos usados para treinar modelos como o ChatGPT — vídeos de cirurgias reais, imagens anatômicas e feedback de voz — o SRT-H removeu a vesícula biliar de um porco vivo de forma totalmente autônoma.
O porco foi escolhido por sua anatomia interna similar à humana, o que o torna padrão em testes cirúrgicos. Durante a operação, os cientistas simularam situações imprevisíveis: encheram a cavidade abdominal com sangue, mudaram o ângulo das câmeras, distorceram imagens. Ainda assim, o robô reagiu em tempo real. Corrigiu trajetórias, ajustou movimentos e respondeu a comandos simples como “levante o braço” ou “segure pelo meio” — tudo sem intervenção direta dos pesquisadores.
“Ele se adapta à anatomia única de cada paciente e toma decisões em frações de segundo quando o plano inicial falha”, explicou o professor Axel Krieger, líder do projeto, em entrevista à Science Robotics.
Como funciona o cérebro cirúrgico dessa IA
O SRT-H foi treinado com base em aprendizado por reforço e grandes volumes de dados clínicos, incluindo gravações de cirurgias humanas e testes com animais. A IA desenvolveu uma espécie de “intuição cirúrgica” — um sistema de tomada de decisões baseado em padrões visuais, textura dos tecidos e respostas motoras.
Ao contrário de sistemas tradicionais de robótica médica, como o Da Vinci (que depende do controle manual do cirurgião), o SRT-H funciona de forma interativa e adaptativa. Ele aprende com os comandos, reage ao ambiente e atualiza sua conduta cirúrgica em tempo real.
O avanço que deixa médicos e bioeticistas em alerta
Apesar do entusiasmo no meio acadêmico, o experimento acendeu luzes vermelhas na comunidade médica e bioética. Pela primeira vez, um robô controlado por IA executou a extração de um órgão de um ser vivo sem qualquer interferência humana — e isso levanta uma série de questões morais e jurídicas.
Será que estamos prontos para permitir que máquinas tomem decisões médicas críticas? Quem é o responsável se algo der errado? O robô? O programador? O hospital? Essas perguntas ainda não têm resposta.
A preocupação não é infundada. Em artigo recente publicado pela MIT Technology Review, especialistas alertaram para o risco de automatização precoce em ambientes com vidas humanas em jogo, especialmente em países onde a regulação médica é mais frágil.
A era dos robôs-cirurgiões começou
Embora o uso clínico em humanos ainda esteja distante, os desenvolvedores acreditam que o caminho já está traçado. O objetivo é criar robôs-cirurgiões confiáveis e acessíveis, capazes de operar em locais remotos, campos de batalha ou zonas de desastre — onde não há médicos disponíveis, mas vidas precisam ser salvas.
Além disso, o SRT-H se une a uma lista crescente de aplicações médicas baseadas em IA:
- Ambience, o assistente médico da Microsoft que automatiza registros clínicos;
- Algoritmos capazes de prever mutações genéticas associadas ao câncer com altíssima precisão;
- Sistemas que já conseguem estimar a expectativa de vida de um paciente com base em históricos médicos e padrões comportamentais.
Um futuro inevitável?
Para muitos, o uso de robôs em medicina é apenas uma questão de tempo. Para outros, representa o risco de substituir o julgamento humano por decisões de máquinas que, por mais treinadas que estejam, não compreendem a complexidade ética da vida.
O fato é que já permitimos que um robô retirasse um órgão de um ser vivo sem qualquer ajuda de um ser humano — e isso, queira ou não, muda tudo.