Pesquisadores da Alemanha confirmam a “cidade submersa” com métodos geofísicos avançados e reconstroem parte do assentamento medieval que afundou durante a Grote Mandrenke.
Quase sete séculos após ser varrida por uma tempestade histórica, a cidade medieval de Rungholt, na costa norte alemã, deixou de ser lenda. O nome sobreviveu ao folclore, mas os vestígios ficaram sob marés e lamas do Mar de Wadden.
Em 2023 e 2024, uma equipe interdisciplinar trouxe de volta o desenho urbano perdido. Igreja principal, diques, muralhas de drenagem e morrarias habitacionais (terps) voltaram ao mapa científico.
A tragédia que enterrou Rungholt ocorreu em janeiro de 1362, durante a chamada Segunda Enchente de São Marcelo (Grote Mandrenke), quando um maré de tempestade remodelou trechos inteiros do litoral do Mar do Norte. Museus e cronistas alemães registram o evento como um divisor de águas para comunidades costeiras medievais.
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Os novos levantamentos validam o que documentos tardios sugeriam: Rungholt era um assentamento portuário próspero, com papel regional no comércio eclesiástico e agrícola. A confirmação veio de medições no campo e análises laboratoriais que fecharam um enigma debatido por mais de um século.
A partir de dados inéditos, os cientistas conectaram peças dispersas do quebra-cabeça: localizaram a base de uma igreja de cerca de 40 x 15 metros, retificaram dezenas de terps e alinharam essas estruturas a canais e diques que protegiam a planície cultivada.
O resultado é um retrato coerente de uma paisagem cultural medieval submersa.
Onde fica Rungholt e o que, afinal, foi comprovado
Rungholt se situava no atual Patrimônio Mundial da UNESCO Mar de Wadden, um mosaico de bancos de areia e lodaçais intertidais entre Países Baixos, Alemanha e Dinamarca. A região é dinâmica, de marés fortes e ecossistemas sensíveis, o que complica e valoriza cada achado arqueológico.
De acordo com artigo Scientific Reports (Nature) e notas técnicas da Universidade de Kiel, os pesquisadores reconstruíram um conjunto que se estende por ao menos 10 km², com 64 terps, rede densa de drenagem, um dique marítimo e um sítio portuário associado.
No centro, a assinatura geofísica da igreja principal guiou perfurações e pequenas escavações de verificação.
Com base nas estruturas mapeadas e em comparações históricas, a equipe estima 1.000–1.300 habitantes no auge do povoamento, reforçando a leitura de porto medieval ativo e território intensamente reclamado ao mar por meio de diques e canais. Não é “Atlântida”: é arqueologia costeira em alta resolução.
Como a cidade submersa foi mapeada: gradiometria magnética, EMI e sísmica rasa
Para “enxergar” sob o lodo, a equipe aplicou gradiometria magnética multicanal durante a maré baixa, gerando mapas de anomalias que desenham ruas, terps e fundações. Os pontos-chave receberam medições de indução eletromagnética (EMI) e perfis de sísmica de reflexão em águas rasas. O pacote geofísico reduziu incertezas e guiou o trabalho de campo fino.
Depois, vieram as vibro-sondagens (vibracoring) e análises geoarqueológicas. Os testemunhos de sedimento amarraram datas, ambientes e fases de ocupação, revelando como o uso humano transformou o pântano em campo e, mais tarde, rebaixou o terreno pela drenagem e extração de turfa.
A leitura integrada permitiu retificar estruturas antigas já registradas e descobrir novas. Em 2024, uma campanha de oito dias acrescentou 19 terps ao inventário e testou, com poços de 1 m², trechos da fundação da igreja para validar as formas vistas no magnetômetro.
Há pressa. A erosão costeira já desfaz partes dessas evidências, muitas vezes preservadas apenas como “negativos” no substrato. Os próprios autores pedem intensificação das investigações enquanto a janela de preservação natural permite.
Ao final, a metodologia criou um modelo replicável para outros sítios submersos do Mar de Wadden, em que processos naturais e ações humanas se entrlaçam há milênios. Tecnologia e arqueologia caminham juntas no limite entre terra e mar.
O que os achados revelam sobre comércio e cotidiano
Os mapas e achados apontam bens importados e materiais de alto valor, como cerâmica vidrada, panelas de bronze e até faiança hispano-mourisca dispersas por diferentes áreas do assentamento. Isso indica redes de troca transregionais e capacidade econômica incomum para um povoado costeiro.
Os comunicados de 2023–2024 também registram tijolos moldados, objetos metálicos e cerâmicas medievais recuperados em maré baixa, reforçando uma vida urbana estruturada ao redor da grande igreja e do porto com eclusa (sluice-gate).
Sobre alimentação, evidências arqueozoológicas da região do Mar de Wadden mostram consumo combinado de frutos do mar e de carnes de ovinos e bovinos em sítios costeiros medievais. É uma referência regional útil para interpretar Rungholt, embora as amostras específicas da cidade ainda estejam em análise.
Por que Rungholt importa para o debate sobre clima, uso da terra e risco costeiro
Os dados reforçam um paradoxo recorrente: a mesma engenharia que permitiu produzir em solo úmido — diques, drenagem e corte de turfa — rebaixou o terreno e aumentou a vulnerabilidade a marés de tempestade. Em 1362, o sistema falhou catastroficamente.
O Mar de Wadden é Patrimônio Mundial e alvo de gestão climática trilateral; o comitê da UNESCO cobra avaliação de impactos cumulativos de portos, extração e energia, agora sob o pano de fundo de elevação do nível do mar. Estudar Rungholt ajuda a calibrar adaptação costeira moderna com lições do passado.
O que você acha mais decisivo no colapso de Rungholt, ganância ao avançar sobre áreas de risco ou uma tempestade excepcional que teria vencido qualquer dique medieval? Deixe seu comentário.



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