Mesmo separados por milhões de anos de evolução, peixes que vivem nas maiores profundidades do oceano desenvolveram a mesma mutação genética. Um novo estudo também mostra que poluentes industriais já atingiram até os pontos mais remotos do fundo do mar.
A região mais profunda dos oceanos, a Fossa das Marianas, abriga peixes abissais com aparências bizarras e adaptações genéticas surpreendentes.
Um novo estudo genético revelou que diferentes espécies de peixes abissais — mesmo tendo evoluído separadamente — desenvolveram a mesma mutação genética para sobreviver a ambientes extremos nas profundezas do oceano.
Os resultados impressionam pela semelhança entre espécies que vivem a mais de 3.000 metros abaixo da superfície, em locais como a Fossa das Marianas, no Oceano Pacífico.
-
Elon Musk lança uma nova empresa para desafiar Bill Gates: startup de IA para desafiar a Microsoft
-
China revela rede militar hipersônica 100 vezes mais rápida que a da OTAN
-
EUA alertam: Rússia estaria desenvolvendo arma nuclear orbital capaz de desativar satélites e afetar GPS e comunicações
-
Empresa desenvolve motor elétrico com torque V8, eficiência de 97% e redução de custos de 35%
A pesquisa, publicada no dia 6 de março na revista Cell, envolveu a análise de DNA de 11 espécies, entre elas peixes-caracol, enguias-de-crista e peixes-lagarto.
Eeles habitam a zona hadal, uma das regiões mais inóspitas do planeta, localizada a cerca de 6.000 metros de profundidade ou mais.
Mesmo gene, diferentes histórias evolutivas
O dado curioso do estudo foi a identificação de uma mutação idêntica no gene Rtf1, em todas as espécies que vivem abaixo dos 3.000 metros.
Esse gene é responsável por controlar a codificação e expressão do DNA.
Segundo o autor do estudo, Kun Wang, da Universidade Politécnica do Noroeste, a mutação apareceu ao menos nove vezes em diferentes linhagens de peixes, todas adaptadas ao fundo do mar.
Apesar de essas espécies terem ingressado nas profundezas em períodos distintos — desde o Cretáceo (cerca de 145 milhões de anos atrás) até o Neógeno (há apenas 2,6 milhões de anos) — elas adquiriram a mesma mutação, de forma independente.
Isso mostra o quanto as condições ambientais extremas do fundo do mar podem moldar a evolução de forma semelhante em organismos diferentes.
O que é evolução convergente
O estudo é um caso clássico de evolução convergente, quando espécies diferentes, sem relação direta entre si, acabam desenvolvendo características semelhantes por viverem em ambientes parecidos.
É o que explica o ictiólogo Ricardo Betancur, da Universidade da Califórnia em San Diego, que não participou do estudo. “É um lembrete poderoso de que a evolução frequentemente reutiliza o mesmo conjunto limitado de soluções quando confrontada com desafios semelhantes”, disse ele em entrevista à Live Science.
Segundo os cientistas, essas adaptações envolvem não só mudanças genéticas, mas também estruturas ósseas específicas, alteração dos ritmos circadianos e formas especializadas de percepção — seja por meio de visão altamente sensível à luz ou por outros sentidos não visuais.
Tecnologia para alcançar os abismos
As amostras analisadas foram coletadas em profundidades que variam de 1.200 a 7.700 metros, com a ajuda de veículos operados remotamente e submarinos tripulados.
A coleta ocorreu tanto na Fossa das Marianas como em outras fossas oceânicas do Oceano Índico.
Essas regiões representam alguns dos locais mais extremos e inacessíveis do planeta, com altíssimas pressões, temperaturas próximas ao congelamento e escuridão total.
Ainda assim, a vida floresce ali, e agora os cientistas sabem um pouco mais sobre como isso é possível.
Poluição nas maiores profundezas da Terra
Além das descobertas genéticas, os pesquisadores também encontraram algo preocupante.
Foram detectadas substâncias químicas industriais nos peixes e nos sedimentos marinhos da Fossa das Marianas.
Isso inclui compostos como os bifenilos policlorados (PCBs), proibidos desde os anos 1970, e éteres difenílicos polibromados (PBDEs), usados como retardantes de chamas.
Os PCBs foram identificados nos tecidos hepáticos de peixes-caracol hadais.
Já os PBDEs apareceram em amostras de sedimentos coletadas a mais de 10.000 metros de profundidade. Essas substâncias são conhecidas por seus efeitos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente.
Impacto humano atinge até a Fossa das Marianas
As descobertas confirmam que a poluição gerada por atividades humanas alcança até os ambientes mais remotos do planeta. Estudos anteriores já haviam identificado microplásticos e poluentes químicos nas regiões abissais, mas este novo levantamento mostra o alcance ainda mais profundo desses contaminantes.
A presença de resíduos industriais a tais profundidades é um alerta sobre como os impactos da civilização se estendem muito além da superfície. Mesmo nos pontos mais isolados da Terra, a marca da atividade humana está presente — uma realidade difícil de ignorar.
Enquanto os ciientistas comemoaram o avanço no entendimento da evolução em ambientes extremos, o estudo também reforça um paradoxo inquietante.
As mesmas tecnologias que permitem explorar as regiões mais profundas do oceano também revelam o quanto esses locais já foram afetados pela ação humana.
Em meio ao frio, à escuridão e à alta pressão, a vida resiste — mas carrega as marcas de um mundo cada vez mais poluído.