Como uma cidade se tornou dependente do combustível mais poluente do mundo e agora enfrenta um futuro incerto com a pressão para reduzir emissões de carbono.
“Não somos más pessoas por não querer que fechem a usina e nem defendemos que o planeta se exploda. Não somos contra o planeta.” Assim, Gil Melo, uma empresária e cozinheira de 34 anos, defende o que muitos consideram indefensável: o uso do carvão mineral.
Este é o combustível fóssil que mais emite gases do efeito estufa, sendo um dos principais vilões das mudanças climáticas, que têm causado desastres naturais devastadores, como as chuvas extremas que recentemente atingiram o Rio Grande do Sul.
Candiota, um município gaúcho com 10,7 mil habitantes, localizado a quase 400 km de Porto Alegre, tem sua economia fortemente atrelada ao carvão. “Cerca de 80% da nossa economia gira em torno do carvão mineral,” diz o prefeito Luiz Carlos Folador em entrevista ao portal BBC Brasil que pode ser lida na íntegra clicando aqui.
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A cidade abriga a maior mina de carvão mineral a céu aberto do Brasil, com reservas estimadas em 1 bilhão de toneladas, além de duas usinas termelétricas movidas a carvão. Durante décadas, essas reservas foram motivo de orgulho e motor econômico para a cidade.
Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), elas poderiam abastecer o Brasil por cerca de cem anos. No entanto, o futuro parece incerto. A pressão global por cortes nas emissões de gases do efeito estufa coloca Candiota em uma posição vulnerável.
A Pressão Internacional e os Desastres Climáticos
Relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) pedem reduções drásticas nas emissões de gases do efeito estufa. Em maio de 2022, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, apelou para que o mundo abandone seu “vício” em combustíveis fósseis, começando com o carvão, para limitar o aquecimento global a 1,5ºC até 2100, conforme estabelecido pelo Acordo de Paris. O Brasil se comprometeu a zerar suas emissões líquidas até 2050.
O temor em Candiota é que a transição energética ocorra antes que a cidade encontre uma nova fonte de sobrevivência. Recentemente, o Rio Grande do Sul sofreu enchentes que mataram mais de 170 pessoas, aumentando a preocupação de que a economia do carvão vire um “bode expiatório” para a tragédia e que iniciativas para o declínio da atividade carbonífera sejam aceleradas.
A História e a Riqueza do Carvão em Candiota
A história de Candiota é indissociável do carvão mineral. Conforme reportagem do portal citado, desde o Brasil imperial, a região era conhecida por suas reservas de carvão, utilizado para movimentar antigas forjas. A primeira usina termelétrica movida a carvão foi instalada em 1961.
Atualmente, as duas usinas em operação são Candiota III e Pampa Sul, pertencentes a diferentes grupos econômicos, e são as principais empregadoras da cidade. “Candiota é uma ilha em matéria de sustentação econômica,” diz Hermelindo Ferreira, ex-presidente do Sindicato dos Mineiros de Candiota ao site BBC Brasil.
A indústria do carvão transformou Candiota em um dos municípios mais prósperos do Rio Grande do Sul, com um PIB per capita de R$ 282 mil em 2021, segundo o IBGE. Estima-se que pelo menos 5 mil dos 10,7 mil habitantes tenham empregos diretos ou indiretos ligados à indústria do carvão.
O Outro Lado da Prosperidade
A prosperidade de Candiota não vem sem controvérsias. Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), apenas 0,4% das emissões brutas do Brasil em 2022 foram produzidas pela geração de energia elétrica a partir do carvão.
No entanto, 74% das emissões brasileiras resultam do desmatamento e da agropecuária. Além disso, a eletricidade gerada com carvão representa apenas 1,2% da capacidade elétrica instalada no Brasil, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
De acordo com a EPE, a produção de eletricidade a carvão responde por 48,6% das emissões de gases de efeito estufa oriundos de toda a produção de eletricidade com fontes não-renováveis. Pesquisas indicam que a situação em Candiota é ainda mais grave, com as usinas sendo as mais ineficientes e as que geram mais gases de efeito estufa por unidade de energia produzida no Brasil, conforme relatórios do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA).
Ansiedade Climática e Incerteza Econômica
Em 2017, um artigo da revista da Associação Psiquiátrica Americana descreveu o termo “eco-ansiedade” como o medo das catástrofes climáticas. Em Candiota, os moradores temem tanto as mudanças climáticas quanto o fim da economia do carvão.
“Há muita ansiedade nas pessoas aqui,” disse Rosaurea Castaneda Greco, de 61 anos, presidente do Clube de Mães Mãe Cleci, também em entrevista ao site citado. Ela explica que sua família, assim como muitas outras, depende do carvão para sua subsistência.
Vera Regina Azambuja Rijo, de 63 anos, cuja família também trabalha com carvão, expressa tristeza e preocupação: “Eu me sinto muito triste porque, quando ouço isso, a primeira coisa que me vem à cabeça são os meus filhos e meus netos. Todos dependem do carvão. Se acabar com o carvão, o que vai acontecer com a gente?”, relatou.
O Dilema do Carvão
Fernando Luiz Zancan, presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS), defende que o Brasil precisa de mais tempo para a transição energética. “O Brasil firmou um compromisso de ter emissões zero em 2050. Então, nosso prazo é 2050,” diz Zancan.
Ele argumenta que o fim abrupto da utilização do carvão geraria um impacto social significativo, especialmente após a tragédia no Rio Grande do Sul. Além disso, ela ainda defende um conjunto de soluções tecnológicas para capturar as emissões de CO₂ da queima do carvão e reinseri-las no solo.
“A questão não é acabar com o carvão. É acabar com sua emissão,” afirma. No entanto, Juliano Araújo, diretor do Instituto Arayara, refuta esses argumentos, destacando que “não existe carbono sustentável” e que as usinas a carvão podem ser facilmente substituídas por fontes energéticas mais baratas e seguras.
Felipe Barcellos, do IEMA, também contesta a necessidade de carvão para a segurança energética do Brasil: “A porcentagem de geração via usinas a carvão é muito baixa, e já temos outras alternativas que podem suprir essa diversificação energética.”
Futuro e Perspectivas
O futuro de Candiota está repleto de incertezas. Sem planos concretos do governo brasileiro para encerrar a exploração de carvão, a cidade continua dependente desse combustível. A preocupação imediata é o fim dos contratos de fornecimento de energia da usina Candiota III, previsto para dezembro deste ano, o que poderia gerar um efeito dominó na economia local.
“Estamos em contato com as autoridades em Brasília para evitar que isso aconteça,” afirma o prefeito Luiz Carlos Folador. “Não se pode tomar uma medida de curto, médio e longo prazos por conta de um fenômeno climático.”
O que você acha que deveria ser feito para ajudar a cidade de Candiota a encontrar uma alternativa sustentável ao carvão mineral? Deixe sua opinião nos comentários!