A suspensão temporária do imposto argentino de 26% sobre exportações de grãos levou a China a reservar grandes carregamentos de soja, ampliando a pressão sobre Estados Unidos e Brasil em um dos momentos mais disputados do comércio agrícola global.
A China reservou ao menos 10 navios de soja da Argentina, cada um com cerca de 65 mil toneladas, para embarque em novembro, logo após Buenos Aires suspender temporariamente o imposto de 26% sobre exportações do complexo de grãos.
Os negócios foram fechados com prêmio sobre o contrato novembro da CBOT, movimento que desloca compras que historicamente ocorreriam nos Estados Unidos neste período da safra.
A medida argentina, anunciada em 22 de setembro, previa vigência até 31 de outubro ou até que as declarações de exportação atingissem US$ 7 bilhões.
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Dois dias depois, com o teto alcançado, o governo reaplicou as alíquotas para grãos e derivados.
O que mudou com a decisão argentina
A suspensão das retenciones reduziu a zero, por poucos dias, os tributos sobre soja, milho, trigo e seus derivados, além de biodiesel, com o objetivo explícito de acelerar a entrada de dólares e aliviar a pressão sobre o peso.
No mesmo pacote, o governo também anunciou isenção para carne bovina e de frango até o fim de outubro, sem limite de vendas.
Com o teto dos US$ 7 bilhões atingido rapidamente, as taxas sobre grãos e subprodutos voltaram a valer já em 25 de setembro.
Como ficaram as compras chinesas
Negociadores em Singapura e Pequim relataram que tradings chinesas fecharam pelo menos 10 cargas Panamax de soja argentina para abastecer estoques do quarto trimestre.
Os lotes foram cotados C&F com prêmio estimado entre US$ 2,15 e US$ 2,30 por bushel em relação ao contrato novembro na Bolsa de Chicago, segundo operadores com conhecimento direto das operações.
Um dos interlocutores mencionou que o volume poderia chegar a 15 navios, dependendo da janela logística de novembro.
Efeito imediato nos preços e no mercado
Enquanto os negócios avançavam, os contratos de farelo e óleo de soja na bolsa de Dalian recuaram cerca de 3,5%, refletindo expectativas de maior oferta e margens de esmagamento mais favoráveis na China.
Em Chicago, a perspectiva de deslocamento de demanda para a América do Sul pressionou as cotações no curto prazo.
Analistas ressaltaram que o impacto tende a ser pontual, dada a duração restrita da política argentina e a oferta limitada de soja em grão disponível para exportação imediata.
Brasil e EUA perdem espaço nesta janela
No auge da “janela” de exportação norte-americana, a China ainda não efetuou compras da safra de outono dos EUA, fator que amplia a ociosidade exportadora naquele país e adia embarques que, em anos anteriores, começavam a ganhar tração entre setembro e novembro.
Ao mesmo tempo, parte da demanda chinesa que usualmente seria atendida pelo Brasil foi redirecionada a portos argentinos diante do diferencial de preço criado pela suspensão temporária das retenciones.
Esse redirecionamento reforça a estratégia de Pequim de diversificar origens e pagar prêmio quando há condição fiscal favorável no fornecedor.
Janela curta: teto atingido e retorno do imposto
A atratividade fiscal durou pouco.
Com a corrida para registrar vendas, o limite de US$ 7 bilhões foi alcançado em apenas dois dias, levando o governo a restabelecer as alíquotas para grãos e derivados já na quarta-feira subsequente ao anúncio.
A isenção para carnes permanece válida até 31 de outubro, sem teto, mas não altera a dinâmica da soja em grão.
Para contratos já fechados antes da reversão, a avaliação no mercado é que as condições negociadas tendem a ser honradas, embora a recomposição do imposto possa reduzir o ímpeto para novas fixações de curto prazo.
Logística, prêmio e limites da oferta
Mesmo com prêmio C&F sobre a CBOT, o custo final permaneceu competitivo frente a alternativas dos EUA quando considerada a cadeia logística e o efeito líquido do imposto zerado no momento da negociação.
As cargas Panamax de 65 mil toneladas encaixam a capacidade típica dos terminais do Paraná e do Prata, mas o encurtamento da janela fiscal e o reestabelecimento do tributo tendem a comprimir o número de novos embarques com essa vantagem tributária.
Além disso, a disponibilidade de soja em grão para exportação imediata na Argentina é menor do que a de derivados, o que limita a expansão além do lote já contratado.
Repercussão entre produtores e tradings
Nos Estados Unidos, associações de produtores reagiram negativamente à perda de mercado em plena colheita, destacando que cada desvio de compras para a América do Sul agrava a pressão de preços domésticos.
No lado argentino, exportadores aproveitaram a janela para agilizar registros, enquanto analistas locais apontaram que a medida cumpriu o objetivo de captar dólares em curto espaço de tempo, ao custo de um vai e vem regulatório que aumenta a incerteza para novos compromissos comerciais.
O que observar nas próximas semanas
A trajetória das compras chinesas seguirá condicionada a três variáveis: paridade de preços entre origens, condição tributária nos países fornecedores e andamento das negociações comerciais entre Pequim e Washington.
Para a Argentina, a janela extraordinária perdeu força com o retorno do imposto, o que reduz o espaço para volumes adicionais com prêmio semelhante ao observado nos primeiros contratos.
Já para Brasil e EUA, a recomposição do imposto argentino pode reabrir oportunidades, caso as cotações e os prêmios regionais voltem a favorecer essas praças na virada do mês.
Com o retorno das alíquotas na Argentina e o calendário de embarques já comprometido para novembro, a China manterá as compras fora dos EUA ou reequilibrará origens à medida que os prêmios mudarem nas próximas janelas?