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China constrói seu próprio “Canal de Suez” em Chongqing — rota ferroviária liga Ásia e Europa sem depender do mar

Escrito por Fabio Lucas Carvalho
Publicado em 28/08/2025 às 09:17
China constrói seu próprio “Canal de Suez” em Chongqing — rota ferroviária liga Ásia e Europa sem depender do mar
Foto: Reprodução
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À medida que cresce a pressão sobre as rotas marítimas tradicionais, a China acelera investimentos em ferrovias. No interior montanhoso do país, Chongqing emerge como centro de uma nova estratégia logística, desafiando gargalos históricos do comércio global e ganhando apelidos que remetem ao Canal de Suez.

À sombra das tensões crescentes com o Ocidente, a China remodela silenciosamente as rotas comerciais entre Ásia e Europa. Longe do mar, Chongqing se tornou o centro de uma rede ferroviária que já é chamada de “Canal de Suez sobre trilhos”.

O projeto não surgiu do nada. Anos de planejamento estratégico e pesados investimentos industriais transformaram a megacidade interior em um dos polos logísticos mais importantes da Ásia. O movimento retira protagonismo de rotas marítimas vulneráveis e abre espaço para um novo modelo de integração econômica.

Mais rápido que o mar, mais barato que o ar

De acordo com o South China Morning Post, Chongqing já movimenta centenas de contêineres todos os dias. A cidade conecta o Sudeste Asiático, com países como Vietnã e Singapura, à Europa, em destinos como Alemanha e Polônia.

O ASEAN Express, lançado em 2023, exemplifica essa mudança. Ele reduziu o tempo de entrega entre Hanói e Chongqing para apenas cinco dias. A partir dali, cargas chegam à Europa em menos de duas semanas. Isso representa uma vantagem de 10 a 20 dias em relação ao transporte marítimo. Além disso, há menos gargalos alfandegários e impacto ambiental menor.

O ritmo competitivo atrai produtores e exportadores. Mais veloz que navios e mais acessível que aviões, o corredor ferroviário se mostra como uma ferramenta estratégica.

Indústria e logística no mesmo endereço

Chongqing não é apenas passagem. Ela é também produção. A cidade fabrica um terço dos laptops do mundo e concentra grandes operações ligadas a veículos elétricos.

A Seres Automobile, parceira da Huawei, e a montadora Changan utilizam as ferrovias locais para exportar seus carros. Atualmente, um em cada quatro veículos exportados pela China sai por Chongqing.

Essa combinação entre fábrica e porto ferroviário cria uma vantagem única. A China consegue integrar verticalmente sua cadeia de suprimentos sem depender de portos sobrecarregados ou companhias marítimas estrangeiras. Portanto, o modelo reduz riscos e fortalece o controle interno.

Menos dependência de gargalos e de Moscou

A iniciativa é também uma resposta geopolítica. A guerra comercial travada pelo governo Trump evidenciou riscos de rotas marítimas dominadas pelo Ocidente, como Suez, Ormuz ou Malaca. A pandemia de Covid-19, com seus bloqueios e congestionamentos, reforçou a urgência de alternativas.

Investir em ferrovias diversifica opções e reduz exposição a pirataria ou bloqueios políticos. Mas ainda existe um ponto frágil: a Rússia.

Grande parte do caminho até a Europa passa por território russo. A guerra na Ucrânia e relatos de apreensões de cargas em 2023 aumentaram a insegurança. Apesar de o comércio bilateral ter alcançado € 240 bilhões em 2024, a confiança nesse corredor diminuiu.

Por isso, a China aposta no chamado Corredor do Meio. Ele cruza o Cazaquistão e o Mar Cáspio para chegar à Europa sem passar pela Rússia. O plano, no entanto, enfrenta atrasos alfandegários, custos altos e infraestrutura limitada. Esses fatores ainda reduzem a atratividade da alternativa.

O desafio da sustentabilidade econômica

Além da política, há a questão financeira. Muitas das primeiras linhas férreas da Iniciativa Cinturão e Rota sobreviveram graças a subsídios públicos. Agora, esses incentivos diminuem.

Sem apoio estatal, a competitividade tarifária e a eficiência alfandegária tornam-se fundamentais. Para manter o “novo Suez” viável, a China precisa da cooperação de parceiros. ASEAN e países da Ásia Central são essenciais para simplificar fronteiras e garantir transparência nas tarifas.

Ao mesmo tempo, Pequim acompanha as mudanças no Ártico. O derretimento acelerado pode viabilizar, na próxima década, uma Rota da Seda Polar. Essa passagem marítima reduziria o tempo até a Europa sem depender de pontos controlados pelo Ocidente. Ainda assim, no presente, os trens representam a aposta mais realista.

Modelo para o futuro

O transporte ferroviário de Chongqing ainda precisa se provar lucrativo. Se a experiência se mostrar escalável, outras regiões do interior chinês podem seguir o mesmo caminho.

O impacto vai além da logística. Trata-se de uma reformulação da filosofia comercial chinesa. A ideia é clara: controlar o que for possível, diversificar o que não for possível e afastar-se de gargalos estratégicos.

Não há navios gigantes nem petroleiros. O que move a transformação são trens elétricos cruzando continentes, unindo fábricas, compradores e decisões políticas. Se der certo, Chongqing deixará de ser apenas uma estação. Tornar-se-á referência para uma nova infraestrutura global de comércio, em um mundo fragmentado, instável e cada vez mais impaciente com o mar.

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Fabio Lucas Carvalho

Jornalista especializado em uma ampla variedade de temas, como carros, tecnologia, política, indústria naval, geopolítica, energia renovável e economia. Atuo desde 2015 com publicações de destaque em grandes portais de notícias. Minha formação em Gestão em Tecnologia da Informação pela Faculdade de Petrolina (Facape) agrega uma perspectiva técnica única às minhas análises e reportagens. Com mais de 10 mil artigos publicados em veículos de renome, busco sempre trazer informações detalhadas e percepções relevantes para o leitor. Para sugestões de pauta ou qualquer dúvida, entre em contato pelo e-mail flclucas@hotmail.com.

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