China amplia presença em portos estratégicos do Brasil com investimentos bilionários em grãos e minérios, mirando exportações sem dólar para a Ásia.
Os investimentos chineses no setor portuário brasileiro deixaram de ser pontuais e se transformaram em um movimento estratégico que pode mudar a dinâmica do comércio exterior nos próximos anos. Portos-chave para o escoamento de grãos e minérios estão entrando no radar de gigantes estatais e privadas da China, em uma disputa silenciosa que envolve logística, geopolítica e a tentativa de reduzir o papel do dólar nas transações internacionais.
COFCO e o megaterminal de Santos
O caso mais simbólico é o do Porto de Santos, onde a estatal chinesa COFCO International iniciou a implantação de um novo terminal de grãos.
O empreendimento deve ampliar significativamente a capacidade de embarque de soja, milho e derivados, produtos que lideram a pauta de exportações brasileiras. Mais que um investimento em infraestrutura, a obra representa o avanço de um modelo de integração vertical: do campo brasileiro aos portos asiáticos, sob controle de um único operador.
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Essa integração permite à China negociar diretamente com produtores e cooperativas no Brasil, eliminando intermediários e, em alguns casos, convertendo transações para moedas locais como real e yuan. Isso reduz a exposição cambial e ajuda no objetivo de longo prazo de diversificar o sistema financeiro global, diminuindo a dependência histórica do dólar.
Paranaguá, Itaqui e outros pontos estratégicos
Além de Santos, a presença chinesa é sentida em outros portos estratégicos. No Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP), no Paraná, a China Merchants Port Holdings possui participação e investe na modernização e expansão da capacidade de movimentação.
No Maranhão, a China Communications Construction Company (CCCC) atua em parceria para desenvolver o Porto do Itaqui, que atende a região do Matopiba — nova fronteira agrícola brasileira.
Essas regiões não foram escolhidas por acaso. Paranaguá é vital para a exportação de carnes e produtos industrializados, enquanto Itaqui se posiciona como saída natural para grãos produzidos longe do litoral, encurtando distâncias e custos logísticos até a Ásia.
Menos dólar nas rotas de exportação
O avanço da China nos portos brasileiros tem um objetivo além do aumento de eficiência logística: criar condições para que o comércio bilateral seja, progressivamente, liquidado em moedas locais.
O Brasil e a China já mantêm um acordo para liquidação de operações em real e yuan, e empresas começam a experimentar transações fora do sistema de câmbio atrelado ao dólar.
Com a China controlando parte da infraestrutura de embarque, ganha força a possibilidade de concentrar operações financeiras em plataformas alternativas, alinhadas à estratégia de “desdolarização” defendida por Pequim. Isso reduz custos de conversão cambial, protege contra oscilações e fortalece a integração econômica direta entre os dois países.
Oportunidades e riscos para o Brasil
Para o Brasil, a entrada de capital estrangeiro é positiva para modernizar portos e ampliar a capacidade de exportação. A infraestrutura portuária nacional é historicamente um gargalo, e a injeção de recursos acelera obras que o orçamento público sozinho não comportaria.
Por outro lado, especialistas alertam para o risco de dependência excessiva de um único parceiro. A presença estratégica da China nos portos pode dar ao país asiático poder de influência sobre fluxos comerciais e decisões logísticas brasileiras. Além disso, a crescente integração financeira pode tornar a economia brasileira mais sensível a mudanças na política monetária e comercial de Pequim.
O jogo geopolítico no Atlântico Sul
A disputa pela infraestrutura portuária brasileira se insere em um contexto mais amplo, no qual a China busca consolidar sua presença no Atlântico Sul. Ao garantir acesso privilegiado a rotas de exportação de grãos e minérios, Pequim amplia seu poder de barganha em negociações comerciais e geopolíticas.
Para os Estados Unidos, tradicionalmente influentes na região, esse movimento é visto com atenção. Washington teme que a expansão chinesa crie um corredor logístico e financeiro alternativo, capaz de enfraquecer o papel do dólar e aumentar a autonomia estratégica dos países sul-americanos.
O comércio Brasil–China
Se a tendência atual se mantiver, o comércio Brasil–China poderá, em poucos anos, operar de forma mais integrada e com menor intermediação financeira internacional.
Portos modernizados, corredores logísticos mais eficientes e acordos de liquidação em moedas locais podem reduzir custos, acelerar operações e aumentar a competitividade brasileira no mercado asiático.
A questão é se o Brasil conseguirá equilibrar os benefícios desses investimentos com a preservação de sua autonomia estratégica. No jogo de forças entre infraestrutura e soberania, as próximas decisões de política econômica e comercial serão decisivas.