Intensificação de tarifas entre Estados Unidos, China e Brasil altera o fluxo global de commodities e destaca novas oportunidades e desafios para a economia brasileira.
A intensificação da guerra comercial entre Estados Unidos e diversas economias globais, a partir de abril de 2025, provocou uma reconfiguração inédita nas relações econômicas internacionais, especialmente no eixo Brasil-China.
O movimento recente do governo dos Estados Unidos de impor uma tarifa de 50% sobre determinados produtos brasileiros reposicionou o Brasil como parceiro estratégico para a China, conforme avaliação de Wang Wen, reitor do Instituto de Estudos Financeiros da Universidade de Renmin, em Pequim.
Segundo dados divulgados pela Administração Geral das Alfândegas da China (AGA), o comércio bilateral entre Brasil e China apresentou crescimento significativo em maio e junho de 2025.
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No mês de maio, o volume comercializado entre os dois países registrou alta de 4,5% em relação ao mesmo período de 2024.
Em junho, o avanço foi de 2,4% sobre junho do ano anterior.
Esse aumento ocorre após um início de ano marcado por retração, quando, entre janeiro e abril, o comércio apresentou queda de 18,4%.
Os números refletem os efeitos diretos das novas tarifas impostas por Washington, especialmente após o chamado “Dia da Libertação” do então presidente Donald Trump.
De acordo com especialistas, o Brasil ganhou relevância como fonte alternativa de suprimentos agrícolas e minerais, especialmente em um cenário em que a China, impactada por tarifas norte-americanas de 30%, buscou diversificar fornecedores.
“Desde que os EUA lançaram sua guerra tarifária, a China aumentou suas importações do Brasil. Uma grande parte das importações agrícolas chinesas dos EUA foi substituída por importações brasileiras. Nessa perspectiva, o Brasil está se tornando cada vez mais importante para a China, e vice-versa”, explica Wang Wen.
A decisão dos Estados Unidos de aplicar uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, oficializada em 30 de julho de 2025, deixou o Brasil com a maior alíquota entre os países atingidos pelo tarifaço norte-americano, ultrapassando até mesmo a taxação chinesa, atualmente em 30%.
Segundo o anúncio, 694 produtos brasileiros — incluindo suco de laranja e aviões — foram excluídos do tarifaço principal e seguem sujeitos à alíquota de 10%.
Contudo, a maioria dos itens exportados pelo Brasil foi atingida pela medida.
A resistência chinesa à política tarifária dos Estados Unidos ficou evidente nas negociações diplomáticas ao longo dos últimos meses.
Em determinado momento, as tarifas aplicadas pelos EUA sobre produtos chineses chegaram a 145%.
Após intensas rodadas de negociação, Pequim e Washington estabeleceram uma trégua, mas o embate comercial escancarou a disputa global por minérios estratégicos, principalmente as chamadas “terras raras”.
Disputa global por terras raras eleva importância do Brasil
O setor de terras raras — um grupo de 17 elementos químicos essenciais para a fabricação de produtos de alta tecnologia, como smartphones, baterias e equipamentos militares — ganhou protagonismo na agenda bilateral Brasil-China em 2025.
A China segue como maior produtora mundial, sendo responsável por mais de 60% da oferta global.
Dados do Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS, na sigla em inglês) apresentados por uma matéria do site Poder 360 apontam que a China detém reservas estimadas em 44 milhões de toneladas desses minerais.
O Brasil, por sua vez, apesar de produzir atualmente cerca de 10 mil vezes menos terras raras do que a China, figura como detentor da segunda maior reserva mundial, estimada em 21 milhões de toneladas pelo USGS.
O país intensificou as exportações desses minerais para o mercado chinês no primeiro semestre de 2025, consolidando-se como fornecedor relevante, especialmente em um contexto de escalada tarifária e busca global por alternativas fora do eixo Estados Unidos-China.
Questionado sobre possíveis acordos exclusivos entre Brasil e Estados Unidos para a venda de terras raras, Wang Wen afirmou que tais movimentos não preocupam o governo chinês.
“As compras caras de minerais brasileiros pelos EUA elevarão os preços globais, aumentando assim a receita de direitos de mineração da China no exterior. No entanto, o principal mercado para os minerais brasileiros continua sendo a China. Alavancando seu capital, tecnologia e tamanho de mercado, a China pode manter sua influência aprofundando seus laços industriais com o Brasil”, avaliou o especialista.
Comércio Brasil-China: protagonismo agrícola, mineral e tecnológico
O avanço da relação comercial entre Brasil e China não se resume à dinâmica das tarifas e ao mercado de terras raras.
O Brasil consolidou-se como importante fornecedor de soja, milho, minério de ferro, carne e outros produtos agrícolas e minerais, setores impactados positivamente pela busca chinesa por diversificação de parceiros frente ao protecionismo norte-americano.
A posição do Brasil como protagonista no fornecimento de alimentos e minerais estratégicos, somada à relevância de suas reservas naturais, foi ressaltada por fontes do setor.
A intensificação das exportações brasileiras ao mercado chinês, especialmente de terras raras, insere o país em uma disputa tecnológica e industrial global, aumentando seu peso nas negociações multilaterais.
Enquanto a China adota postura de resistência ao protecionismo e defende uma agenda multilateral, o Brasil busca aproveitar o novo cenário para ampliar investimentos, atrair capital e fortalecer sua indústria de base.
A movimentação dos dois países reflete as transformações profundas na ordem econômica internacional, impulsionadas pelas disputas comerciais entre Estados Unidos, China e demais potências globais.
Perspectivas para os próximos meses na relação Brasil-China
Especialistas apontam que a tendência é de aprofundamento das relações comerciais sino-brasileiras, com destaque para o aumento das exportações de terras raras, produtos agrícolas e industriais.
O fortalecimento desses laços deve gerar impactos diretos na economia brasileira, criando oportunidades e desafios para diversos setores produtivos.
No entanto, o cenário permanece sujeito a incertezas, uma vez que a política tarifária dos Estados Unidos pode sofrer novos ajustes, e eventuais acordos bilaterais ou multilaterais poderão influenciar o fluxo de comércio entre as duas maiores economias emergentes do Hemisfério Sul e Leste Asiático.
Diante deste contexto de reconfiguração global e disputas por recursos estratégicos, uma questão permanece: como o Brasil pode se posicionar de forma soberana para extrair o máximo benefício da disputa entre Estados Unidos e China, sem comprometer sua autonomia e desenvolvimento sustentável?