Em encontro em Detroit, o CEO da Ford alertou para a perda de competitividade dos Estados Unidos, comparou a estratégia industrial com a da China e defendeu investimento maciço em qualificação e valorização da mão de obra essencial.
Na terça-feira, 30 de setembro, o CEO da Ford, Jim Farley, reuniu cerca de 300 executivos e autoridades no Ford Pro Accelerate, realizado na Michigan Central Station, em Detroit, e fez um alerta direto: a chamada “economia essencial” dos Estados Unidos — que engloba construção, manufatura, transporte, energia e manutenção — perdeu terreno para a China.
“Estamos muito atrás… é bastante humilhante”, disse, ao comparar o desempenho e a organização industrial americanos com concorrentes asiáticos.
A fala marcou o tom do encontro, voltado a discutir mão de obra, produtividade e políticas para recuperar competitividade.
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O que está em jogo na economia essencial
Farley sustenta que os EUA negligenciaram por anos os setores que constroem e mantêm a infraestrutura do país.
Sem eletricistas, encanadores, soldadores e técnicos automotivos suficientes, afirma, fábricas e data centers não saem do papel, prazos estouram e custos sobem.
Em entrevista recente, ele resumiu o problema: há intenção de reindustrializar, “mas não há nada para dar sustentação a essa ambição”.
Enquanto isso, a produtividade desses ramos patina.
Estudos citados por Farley mostram um descompasso com áreas de escritório, que vêm capturando ganhos de digitalização e IA.
A lacuna, frisou, pressiona margens empresariais e corrói o poder de compra das famílias, efeito que já aparece no tempo de espera por consertos e obras e em preços de moradia.
China e a vantagem de escala e coordenação
Ao comparar modelos, o executivo aponta que a China combinou investimento público e privado contínuo, políticas industriais estáveis e integração entre educação técnica e demanda das empresas.
O resultado, segundo ele, é um ciclo de inovação e custos menores que pressiona rivais ocidentais — sobretudo em baterias, eletrificação e manufatura enxuta.
Em entrevista recente, Farley admitiu que o mercado de elétricos nos EUA deve ser “bem menor” que se projetava e que a concorrência chinesa elevou a exigência por eficiência e preço.
No palco em Detroit, a governadora de Michigan, Gretchen Whitmer, reforçou o diagnóstico.
“A China vai dominar”, afirmou, ao defender que os EUA não podem subestimar competidores que combinam financiamento estatal e metas industriais de longo prazo.
Ela citou sua passagem pelo Salão do Automóvel de Munique, em setembro, onde a presença chinesa cresceu de forma visível — tendência confirmada por dados da feira e de consultorias do setor.
Gargalo de mão de obra e o custo da omissão
A escassez de trabalhadores qualificados é hoje um dos principais nós da competitividade americana.
Levantamentos compilados por Farley apontam necessidade adicional de centenas de milhares de profissionais só em manufatura, construção e serviços automotivos.
Sem expandir rapidamente a formação técnica, alertou o executivo, a reindustrialização encalha.
Daí o foco do encontro em aprimorar aprendizados práticos e parcerias entre empresas, sindicatos, escolas e governos locais para ampliar vagas e atualizar currículos com robótica, realidade aumentada e manutenção de alta complexidade.
Um dado que concentrou atenções foi o nível de gasto público em qualificação profissional.
Especialistas calculam que os EUA destinam cerca de 0,1% do PIB a políticas ativas de emprego e treinamento — patamar inferior ao de diversos países avançados.
O contraste com o volume dedicado ao ensino superior tradicional ilustra a assimetria na priorização de carreiras técnicas.
Tarifas, política industrial e previsibilidade
O debate também tocou em política comercial.
Em meio às discussões sobre tarifas e incentivos durante o governo Trump, Farley defendeu previsibilidade regulatória e prazos mais curtos de licenciamento para destravar obras.
Segundo ele, mudanças tarifárias sem reforço simultâneo em qualificação tendem a elevar custos e criar atrasos, minando a intenção de “trazer de volta” cadeias produtivas.
A governadora Whitmer, por sua vez, tem criticado o efeito de medidas comerciais erráticas sobre cadeias integradas com o Canadá, lembrando que oscilações desse tipo paralisam investimentos na indústria automotiva da região dos Grandes Lagos.
Sinais concretos a partir de Michigan
Além dos diagnósticos, o encontro apresentou compromissos.
O Estado de Michigan, a Ford e a agência de desenvolvimento local anunciaram a expansão de laboratórios de fabricação digital e parcerias com redes públicas de ensino, abrangendo milhares de estudantes do ensino básico e médio em Detroit e Marshall.
A meta é aproximar jovens das carreiras técnicas e criar canais diretos para estágios e empregos.
A própria Ford descreveu o Accelerate como um passo inicial para um plano de ação nacional voltado a produtividade e qualificação na “economia essencial”.
Farley também tem defendido um redesenho da estratégia de eletrificação da montadora, com foco em custos mais baixos e engenharia simplificada para disputar faixas de preço pressionadas por concorrentes chineses.
Em entrevistas recentes, ele admitiu erros de rota nos primeiros elétricos e disse apostar em plataformas mais baratas e em híbridos como ponte tecnológica para o mercado americano.