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Centenas de mulheres africanas foram enganadas com promessas de trabalho e levadas à Rússia para montar drones de guerra

Escrito por Noel Budeguer
Publicado em 10/11/2025 às 12:58
Jovem mulher africana trabalha em uma fábrica de drones na Rússia, representando o drama das trabalhadoras estrangeiras levadas sob falsas promessas de emprego.
Jovens africanas foram recrutadas sob promessas de trabalho e levadas à Rússia, onde acabaram atuando na produção de drones militares, segundo investigação internacional.
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Por trás das promessas de emprego e educação na Rússia, uma rede de exploração leva jovens africanas a fábricas de drones usados na guerra da Ucrânia

Em seu primeiro dia de trabalho, Adau percebeu que havia cometido um erro grave. Receberam uniformes sem saber o que fariam, e logo foram levadas para dentro de uma imensa fábrica. Ao olhar ao redor, viu drones por todos os lados, em diferentes estágios de montagem. Era o início de uma jornada inesperada que a levaria ao coração de uma das indústrias mais sensíveis da Rússia: a produção de drones militares.

O programa que prometia oportunidades e virou pesadelo

A jovem de 23 anos, natural do Sudão do Sul, foi atraída para a Zona Econômica Especial de Yelábuga, na República do Tartaristão, sob a promessa de um emprego estável e formação profissional. Ela havia se inscrito no programa Yelábuga Start, voltado a mulheres entre 18 e 22 anos, majoritariamente africanas, mas também de países da América Latina e do Sudeste Asiático. O projeto oferecia cursos em logística, hotelaria e serviços gerais, mas escondeu uma realidade muito mais perigosa.

O programa foi acusado de usar práticas de recrutamento enganosas, levando centenas de jovens a trabalhar em fábricas de drones por salários reduzidos e em condições insalubres. Apesar de negar as acusações, os organizadores não refutam que algumas participantes participaram da produção de armamentos.

As denúncias ganharam repercussão internacional depois que influenciadores sul-africanos que promoviam o programa foram acusados de facilitar o tráfico de pessoas. O governo da África do Sul abriu uma investigação e advertiu suas cidadãs a não se inscreverem. Estima-se que mais de mil mulheres tenham sido recrutadas de vários países africanos.

Adau se enroló en el programa después de ver este aviso oficial patrocinado por Rusia.

Sonhos frustrados em uma fábrica de guerra

Adau conta que conheceu o programa por meio de um anúncio publicado no Facebook e endossado pelo Ministério da Educação Superior de seu país. O comunicado prometia bolsas de trabalho e especialização na Rússia. Ela se inscreveu com entusiasmo, preenchendo formulários e indicando que gostaria de atuar como operadora de guindaste, uma função técnica e incomum para mulheres em sua região.

Após um ano de espera e burocracia com o visto, viajou em março de 2024. “Quando cheguei, estava frio demais. Foi um choque”, lembra. Nos primeiros meses, teve aulas de russo e acreditava que estava prestes a começar uma carreira promissora. Mas, em julho, a ilusão se desfez: as participantes foram direcionadas à fábrica de drones militares. Todas haviam assinado acordos de confidencialidade e não podiam falar sobre o trabalho nem com a própria família.

A BBC mostrou a Adau um vídeo da emissora estatal russa RT, que exibia a produção dos drones Shahed-136, modelo iraniano usado por Moscou na guerra contra a Ucrânia. Ela confirmou que era a mesma instalação onde trabalhava. Segundo o especialista Spencer Faragasso, do Instituto de Ciência e Segurança Internacional, “a realidade é que Yelábuga é uma instalação de produção bélica; a própria Rússia se orgulha disso em vídeos oficiais”.

Ataque ucraniano e o medo diário

Duas semanas após a chegada de Adau, em 2 de abril de 2024, a fábrica foi alvo de um ataque de drones ucranianos. “Acordei com o som do alarme e o vidro estourando. Quando saímos correndo, vi um drone vindo em nossa direção”, relatou. O ataque destruiu um prédio vizinho ao dormitório onde viviam as trabalhadoras estrangeiras. Imagens verificadas pela BBC confirmam que o local foi atingido.

O incidente revelou o perigo que corriam. Para Adau, foi o ponto de virada: “Só então percebi que tudo fazia sentido, as mentiras, o sigilo, o medo. Eu não podia continuar ali”.

Dron russo Shahed-136, de fabricação iraniana, exibido após ser abatido em combate. Modelos como este são montados na Zona Econômica Especial de Yelábuga, onde mulheres estrangeiras denunciaram trabalho forçado

Quando tentou pedir demissão, foi obrigada a cumprir duas semanas de aviso prévio, durante as quais pintava a estrutura externa dos drones com produtos químicos. As substâncias queimaram sua pele. “Usávamos macacões brancos, mas o material endurecia com o produto e não impedia as queimaduras”, contou. Fotografias de colegas mostram ferimentos graves nos braços e mãos.

A administração de Yelábuga nega irregularidades e afirma que todos os funcionários recebem equipamentos de proteção adequados.

A vida entre promessas falsas e passaportes retidos

Após o ataque, algumas mulheres fugiram do programa, o que levou os organizadores a reter temporariamente os passaportes das demais. Mesmo assim, Adau conseguiu que sua família lhe enviasse dinheiro para o retorno. Outras, porém, ficaram presas à realidade de salários baixos e dívidas. “Prometeram 600 dólares por mês, mas recebi apenas uma fração disso”, disse. Descontavam valores por moradia, aulas de idioma, transporte e até por acionar o alarme de incêndio acidentalmente.

Outra participante, que pediu anonimato, defendeu o programa e afirmou que “ninguém era forçado a nada”. Mas, segundo especialistas, a vulnerabilidade econômica e o isolamento tornavam impossível uma saída fácil.

Adau, que antes sonhava com uma carreira em tecnologia e engenharia, voltou ao Sudão do Sul com traumas e um sentimento de culpa. “Foi horrível perceber que eu ajudava a construir algo que tira tantas vidas. Eu só queria uma chance de crescer, não de participar de uma guerra”, desabafou.

Hoje, o programa Yelábuga Start segue ativo, mas sob intensa investigação internacional. Para muitas jovens como Adau, ele representa o símbolo de uma promessa quebrada, um lembrete de que, atrás de discursos de oportunidade e intercâmbio, pode se esconder a engrenagem de um conflito que parece não ter fim.

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Noel Budeguer

Sou jornalista argentino, vivendo no Rio de Janeiro, especializado em temas militares, tecnologia, energia e geopolítica. Escrevo artigos sobre temas complexos em uma linguagem acessível, mantendo rigor jornalístico e foco no impacto social e econômico

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