Testes de colisão revelam que diversos carros no Brasil tiram nota zero em proteção, mesmo sendo vendidos como opções seguras e modernas
Os carros no Brasil são, em muitos casos, armadilhas com rodas. Modelos populares que circulam todos os dias nas ruas do país estão entre os piores avaliados em segurança na América Latina. Enquanto montadoras entregam veículos de alto padrão na Europa, aqui elas cortam custos, reduzem proteção e maximizam lucros, tudo dentro da lei.
O Citroën C3 2024 recebeu nota zero no teste de colisão do Latin NCAP. Zero. Um carro vendido como moderno, urbano e familiar, incapaz de garantir proteção mínima em um acidente a 64 km/h. Para quem acha que isso é uma exceção, a lista é longa: Ford Ka, Hyundai HB20, Fiat Argo, Renault Duster, Kia Sportage, todos com histórico de péssimas avaliações de segurança. Essas mesmas marcas oferecem os mesmos modelos, com cinco estrelas, em outros países. Só que não no Brasil.
A diferença entre o C3 vendido na Europa e o fabricado no Brasil é gritante. Lá, a chance de sobrevivência numa colisão frontal é de 85%. Aqui, mal chega a 33%. Isso ocorre porque as versões vendidas no país são mais baratas de produzir, com menos itens de segurança, estruturas mais frágeis e tecnologias ausentes.
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Por que os carros no Brasil são mais perigosos
As montadoras afirmam que seguem todas as normas brasileiras. E é verdade. O problema é que essas normas estão anos-luz atrás do que já se pratica na Europa ou nos Estados Unidos. Até 2014, o Brasil ainda aceitava a fabricação de carros sem airbag ou freios ABS. Em 2024, só agora o controle eletrônico de estabilidade se tornou obrigatório. Equipamentos que salvam vidas ainda são tratados como luxo por aqui.
Segundo especialistas do setor automotivo, o Brasil é visto pelas montadoras como um mercado ideal para cortar custos. A lógica é simples: onde a regulamentação é fraca e o consumidor não cobra, lucra-se mais. Dados da IHS Automotive mostram que a margem de lucro dos fabricantes no Brasil é 3,5 vezes maior do que nos Estados Unidos. Não por eficiência, mas porque aqui se entrega menos pelo mesmo preço, ou até mais.
Segurança veicular ainda não é prioridade do brasileiro
É comum ver consumidores priorizando rodas de liga leve, centrais multimídia ou acabamentos cromados na hora da compra. Poucos se preocupam com quantos airbags o carro tem, se há sistema de frenagem automática ou controle de estabilidade. Um levantamento mostrou que, quando a Fiat e a Renault tentaram vender pacotes de segurança acessíveis, os consumidores preferiram gastar o mesmo valor em acessórios estéticos.
Entre 2020 e 2022, o Latin NCAP reprovou diversos carros vendidos no Brasil com nota zero. No mesmo período, o país registrou mais de 90 mil mortes em acidentes de trânsito. Embora muitos desses casos estejam ligados a falhas humanas, a estrutura do veículo pode ser decisiva entre uma tragédia e uma sobrevivência. Estudos indicam que a chance de um ocupante sobreviver a um acidente é até 70% maior em um carro com quatro ou cinco estrelas.
A falsa sensação de proteção é outro perigo dos carros no Brasil
Muitos acreditam estar seguros só por ter airbags. Mas não sabem que, em carros com estrutura frágil, o impacto é tão violento que o habitáculo se deforma e impede até o resgate das vítimas. O próprio Latin NCAP já alertou que em alguns modelos brasileiros a proteção infantil é tão ruim que sequer atinge 15% nos testes.
Uma minuta de resolução publicada em 2022 promete tornar sistemas como a frenagem autônoma obrigatórios a partir de 2026. Mas desde então, nenhuma atualização foi divulgada. Se não for esquecida, a regra ainda levará mais três anos para começar a valer, e cinco para se aplicar a todos os modelos. Até lá, vidas continuarão sendo perdidas em carros que jamais seriam aprovados em países mais exigentes.
Mesmo diante das evidências, as fabricantes não mudam sua abordagem. Afinal, continuam vendendo bem. Segundo dados de mercado, modelos com nota zero de segurança figuram entre os mais vendidos do Brasil. E enquanto o consumidor não exigir mais, o padrão continuará o mesmo: veículos frágeis, inseguros e maquiados com luzes coloridas e telas sensíveis ao toque.