Durante as estiagens, a bioeletricidade da cana-de-açúcar garante mais estabilidade ao sistema elétrico, reduz emissões de poluentes e auxilia hidrelétricas com eficiência sustentável
A cana-de-açúcar está ganhando papel estratégico no cenário energético brasileiro, especialmente durante os meses de seca, quando os reservatórios das hidrelétricas atingem níveis críticos e a geração de eletricidade cai.
Estudos recentes mostram que o aproveitamento do bagaço dessa cultura permite produzir energia limpa, confiável e de baixo impacto ambiental, segundo uma matéria publicada.
A combinação entre tecnologia, sustentabilidade e aproveitamento de resíduos agrícolas tem colocado o setor sucroenergético como uma das principais alternativas para reduzir a dependência hídrica e fortalecer a segurança elétrica nacional.
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Com o avanço das mudanças climáticas e a maior frequência de estiagens prolongadas, o tema ganhou destaque entre especialistas e instituições de pesquisa.
A pesquisa conduzida pela Embrapa Meio Ambiente, em parceria com a Universidade das Nações Unidas e a Universidade de Bonn, revela que a bioeletricidade proveniente do bagaço da cana oferece uma alternativa estável para períodos críticos.
A queima desse subproduto emite aproximadamente 0,23 kg de CO₂ equivalente por kWh, enquanto uma termelétrica a diesel pode chegar a 1,06 kg por kWh, quase cinco vezes mais.
Esses números reforçam a vantagem ambiental da biomassa da cana-de-açúcar, que se destaca por não adicionar carbono novo à atmosfera, já que o CO₂ liberado no processo foi previamente absorvido pela planta durante a fotossíntese.
O resultado é um ciclo praticamente neutro em carbono e altamente eficiente em termos energéticos.
Bioeletricidade do bagaço como solução para segurança energética
A cana-de-açúcar tem um papel central na busca por uma matriz elétrica mais resiliente. A energia gerada a partir do bagaço complementa as fontes hídricas e solares, especialmente quando o nível dos reservatórios cai.
Diferente das usinas hidrelétricas, que dependem do volume das chuvas, a bioeletricidade pode ser produzida mesmo durante longos períodos de estiagem, coincidindo com o período da colheita.
Outro ponto importante é a capacidade de geração noturna, que supre o sistema quando as usinas solares não estão em operação.
O estudo publicado na revista Renewable Energy destaca que, além de reduzir emissões, a biomassa da cana contribui para o equilíbrio da oferta e demanda de energia em regiões críticas.
Segundo o pesquisador Vinicius Bufon, da Embrapa Meio Ambiente, “a bioeletricidade da cana representa uma fonte renovável com enorme potencial de integração à matriz elétrica, por utilizar resíduos agrícolas já disponíveis e ter baixa pegada de carbono”.
Essa característica torna o setor um aliado estratégico da transição energética e da economia de baixo carbono.
Apesar das vantagens, o estudo também aponta desafios estruturais que precisam ser superados para que a bioeletricidade da cana-de-açúcar alcance todo o seu potencial.
Entre os principais obstáculos estão o baixo investimento em irrigação, a escassez de barragens, a fragilidade dos seguros agrícolas e a ausência de sistemas eficazes de alerta climático.
Esses gargalos limitam a capacidade de resposta do setor diante de secas intensas, afetando a regularidade da produção de biomassa.
Desafios da irrigação e gestão hídrica no setor sucroenergético
A dependência das chuvas continua sendo um dos principais entraves para o crescimento da bioeletricidade proveniente da cana-de-açúcar.
De acordo com o levantamento da Embrapa, muitas regiões produtoras ainda carecem de infraestrutura para irrigação e armazenamento de água, o que deixa os canaviais mais vulneráveis às oscilações climáticas.
A ausência de políticas públicas de crédito e a dificuldade para obtenção de licenças ambientais agravam o problema, reduzindo o número de barragens e limitando investimentos em tecnologias de manejo hídrico.
Além disso, os seguros rurais voltados ao setor ainda não refletem os riscos reais enfrentados pelos produtores de cana-de-açúcar.
Quando ocorrem estiagens severas, os prejuízos são altos e o retorno financeiro insuficiente, o que desestimula a adoção de medidas preventivas.
Para Bufon, “a criação de instrumentos de apoio e incentivo é fundamental para que os produtores consigam manter a estabilidade da oferta de biomassa mesmo em períodos adversos”.
O fortalecimento de programas de irrigação moderna e a digitalização de sistemas de monitoramento são caminhos apontados como prioritários para reduzir perdas e ampliar a resiliência do setor.
O relatório recomenda também o desenvolvimento de sistemas de alerta precoce capazes de antecipar situações de risco e permitir respostas mais ágeis.
Essas iniciativas podem ajudar a proteger tanto a produção agrícola quanto a geração energética, evitando interrupções e perdas econômicas significativas.
Para isso, especialistas defendem a integração entre órgãos públicos, empresas e centros de pesquisa, visando estruturar políticas mais eficazes e sustentáveis.
Integração da bioeletricidade com energia solar e hidrelétrica no Brasil
Entre as vantagens competitivas da bioeletricidade da cana-de-açúcar está a sinergia com outras matrizes renováveis, como a solar e a hidrelétrica.
Durante a seca, a produção hidrelétrica diminui, enquanto a biomassa da cana atinge seu pico de disponibilidade.
Essa coincidência torna a bioeletricidade uma fonte complementar essencial, capaz de suprir a demanda quando as demais enfrentam limitações.
O sistema ainda contribui com geração contínua à noite, fortalecendo a estabilidade da rede elétrica nacional.
A revista Environmental Advances destaca que a diversificação energética é vital para países que dependem fortemente das hidrelétricas, como o Brasil.
A combinação entre fontes renováveis garante não apenas segurança, mas também maior flexibilidade operacional.
Nesse contexto, o setor sucroenergético tem potencial de se tornar um dos pilares da estratégia nacional para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas e reduzir o risco de apagões.
Além da geração elétrica, a utilização do bagaço e da palha da cana-de-açúcar estimula práticas alinhadas à agricultura climaticamente inteligente, conceito que une aumento de produtividade, adaptação às variações do clima e redução das emissões de gases de efeito estufa.
Mais sustentabilidade no setor energético brasileiro
Essa abordagem transforma a biomassa em vetor de sustentabilidade, conectando energia, produção agrícola e preservação ambiental.
O modelo se encaixa nos princípios da bioeconomia, em que cada resíduo se torna insumo para novas cadeias produtivas.
Os especialistas ressaltam que, para consolidar a bioeletricidade da cana-de-açúcar como parte central da matriz energética brasileira, é indispensável manter investimentos contínuos em inovação tecnológica, infraestrutura e políticas integradas de longo prazo.
As pesquisas conduzidas pela Embrapa mostram avanços em sistemas inteligentes de irrigação e em caldeiras de alta eficiência, que ampliam o aproveitamento energético do bagaço e da palha.
Essas soluções fortalecem a competitividade do setor e demonstram que a agricultura pode ser protagonista na transição para um futuro de baixo carbono.
Ao aproveitar resíduos da cana-de-açúcar para gerar energia, o Brasil reduz a dependência de fontes fósseis e promove o uso racional dos recursos naturais.
O resultado é um modelo de produção mais equilibrado, que une economia, sustentabilidade e segurança energética.
A bioeletricidade surge, assim, como um elo entre o campo e a indústria, capaz de transformar desafios ambientais em oportunidades reais de desenvolvimento, com o uso da cana-de-açúcar.