Café brasileiro perde espaço nos EUA após tarifaço e busca novos mercados na Europa, Ásia e Oriente Médio. Indústria alerta para perda histórica de competitividade.
O café, símbolo da economia brasileira e responsável por bilhões de dólares em exportações anuais, entrou no centro da guerra comercial aberta entre Brasil e Estados Unidos em 2025. Apesar de alguns códigos tarifários do grão terem sido incluídos no rol de exceções da Casa Branca, a realidade é que a sobretaxa de 50% sobre diversos produtos brasileiros alterou profundamente as estratégias do setor. As tradings relatam queda no embarque para os EUA, ao mesmo tempo em que destinos alternativos, como União Europeia, Oriente Médio e Ásia, registram aumento expressivo na demanda.
O alerta das associações do setor é claro: sem competitividade no mercado americano, o Brasil corre risco de perder posição histórica e abrir espaço para concorrentes.
O peso do café brasileiro no comércio exterior
O Brasil é o maior exportador de café do mundo, com participação superior a 30% do comércio global. Em 2024, foram mais de 40 milhões de sacas exportadas, gerando receitas acima de US$ 8 bilhões.
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Os Estados Unidos sempre foram um dos principais destinos, absorvendo mais de 15% desse volume.
Com a nova política tarifária, parte dessas vendas já se desloca para outros mercados. Ainda que o café verde e torrado tenha recebido isenção em alguns códigos do Anexo II da Casa Branca, a burocracia e a insegurança regulatória fizeram compradores americanos reduzirem contratos de longo prazo. Para o setor, isso significa instabilidade e queda na confiança.
A impossibilidade de usar rotas alternativas
Logo após o anúncio das tarifas, surgiram especulações sobre a possibilidade de triangulação: exportar café brasileiro para países terceiros e, de lá, reexportar para os EUA com outra origem declarada. No entanto, a indústria descartou rapidamente essa hipótese.
Autoridades americanas já alertaram que rastreiam a origem dos grãos por certificações e padrões fitossanitários, tornando praticamente impossível mascarar a procedência.
Além disso, associações como o Conselho dos Exportadores de Café (Cecafé) ressaltaram que qualquer tentativa desse tipo seria arriscada, podendo gerar sanções ainda mais severas. A mensagem é direta: não há “atalhos” viáveis para driblar o tarifaço.
Destinos alternativos ganham força
Enquanto os embarques para os EUA recuam, o café brasileiro encontra novos caminhos. Importadores da União Europeia aumentaram pedidos para suprir a demanda interna, especialmente na Alemanha e Itália, grandes torrefadores globais.
O Oriente Médio também surge como mercado crescente, com países como Arábia Saudita e Emirados Árabes elevando suas compras.
Na Ásia, o destaque é a China, que vem expandindo rapidamente o consumo interno de café. Embora ainda represente fatia menor, o potencial de crescimento é enorme e já começa a ser explorado por exportadores brasileiros. Essa diversificação reduz a dependência dos EUA, mas exige adaptação logística e estratégias comerciais diferentes.
O risco da perda de competitividade
O grande temor da indústria é que a saída parcial do café brasileiro do mercado americano abra espaço para concorrentes. Países como Colômbia, Vietnã e Honduras podem ocupar essa fatia, fortalecendo suas relações comerciais com torrefadores dos EUA.
Uma vez estabelecidos, esses contratos são difíceis de reverter, o que pode representar uma perda de mercado estrutural para o Brasil.
Além disso, mesmo os embarques que seguem para os EUA enfrentam custos adicionais de conformidade, documentação e risco cambial. Isso encarece a operação e reduz a margem de lucro dos exportadores.
Impactos no produtor e na cadeia interna
Na ponta do campo, produtores já sentem os efeitos da incerteza. Com menor previsibilidade de vendas externas e preços pressionados, muitos seguram investimentos em lavouras ou adiam planos de expansão.
Cooperativas relatam que parte da produção está sendo redirecionada para contratos menores e mais fragmentados, o que aumenta o custo de intermediação.
A indústria de torrefação nacional também se preocupa: sem o mercado americano como válvula de escape, parte da produção pode ficar represada, afetando preços internos e pressionando margens.
Governo e setor tentam reação
O Itamaraty e o Ministério da Agricultura têm buscado saídas diplomáticas e comerciais. Uma das estratégias é acelerar negociações com a China e países árabes, oferecendo facilidades logísticas e certificações rápidas.
Outra frente é a diversificação de produtos, com maior foco em cafés especiais, que têm margens mais altas e menor dependência de grandes volumes.
O setor também pressiona o governo brasileiro a oferecer linhas emergenciais de crédito e programas de apoio à exportação, para compensar perdas momentâneas e evitar que concorrentes consolidem posições nos EUA.
Uma virada no jogo do comércio internacional do café
O episódio escancara como o comércio global deixou de ser apenas uma questão de oferta e demanda e passou a ser um instrumento de geopolítica.
O café, produto que construiu a história econômica do Brasil, agora se torna peça em uma disputa maior entre Washington e Brasília.
Se o país não conseguir garantir sua posição no mercado americano, pode assistir a um redesenho da geografia do café global, com perdas duradouras para produtores, tradings e para a imagem do Brasil como fornecedor confiável.