Deputado propõe tirar do Ibama o controle dos javalis e pagar caçadores para conter praga invasora que já devasta lavouras e ameaça o status sanitário do Brasil.
O javali europeu, introduzido de forma irregular no Brasil há décadas, deixou de ser apenas uma curiosidade exótica para se tornar uma das maiores ameaças ambientais e econômicas do país. Espalhados por diversos estados, esses animais já causam prejuízos milionários à agricultura, destroem lavouras inteiras, degradam o solo, contaminam nascentes e ainda representam risco sanitário para a pecuária nacional.
Segundo especialistas, além de atacar plantações de milho, soja e pastagens, os javalis são transmissores potenciais de doenças como peste suína clássica e febre aftosa, que poderiam comprometer o status sanitário do Brasil — considerado livre dessas enfermidades pela Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA).
A proposta do deputado Alceu Moreira
Diante desse cenário, o deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS) apresentou em 2025 o Projeto de Lei 4253/2025, que propõe tirar do Ibama o controle exclusivo sobre o manejo dos javalis.
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A ideia é descentralizar a responsabilidade, transferindo a gestão para estados e municípios, e criar mecanismos de bonificação para caçadores credenciados, transformando a caça controlada em uma estratégia de contenção oficial.
Para o parlamentar, o modelo atual é insuficiente e burocrático: mesmo com milhares de caçadores cadastrados, o avanço populacional do javali segue fora de controle.
“Precisamos bonificar caçadores e descentralizar o manejo. Não é possível que uma praga que já ameaça nossa agricultura e nossa segurança alimentar continue sendo administrada de Brasília”, afirmou Moreira durante a apresentação do projeto.
Por que retirar o controle do Ibama
O argumento central é que o Ibama não consegue sozinho fiscalizar e conter a espécie. Atualmente, a caça de javalis é permitida apenas para caçadores autorizados pelo órgão, mediante registro e comprovação de equipamentos adequados.
Mas a realidade no campo mostra que o número de animais abatidos é muito menor do que a reprodução natural da espécie.
Em 2024, cerca de 500 mil javalis foram abatidos por caçadores credenciados. Ainda assim, estimativas apontam que, para equilibrar a população e reduzir os impactos ambientais e econômicos, seria necessário abater mais de 1 milhão de animais por ano.
Para os defensores do projeto, estados e municípios têm mais condições de organizar ações regionais, com metas claras e apoio direto ao agricultor. Além disso, o incentivo financeiro aos caçadores seria uma forma de transformar o abate em política pública estruturada.
Bonificação aos caçadores: como funcionaria
O ponto mais polêmico do projeto é a proposta de bonificação aos caçadores. A ideia é criar um sistema em que cada animal abatido poderia gerar um valor em dinheiro, subsidiado pelo poder público ou por fundos de incentivo agrícola.
Esse modelo já existe em outros países, como os Estados Unidos, onde a caça controlada de espécies invasoras é incentivada como ferramenta de preservação ambiental. No Brasil, a proposta divide opiniões:
- Defensores afirmam que é a única forma de conter o avanço da praga, já que os javalis não têm predadores naturais em território nacional.
- Críticos alertam para o risco de transformar a caça em atividade comercial desenfreada, estimulando inclusive a reprodução clandestina para lucrar com as recompensas.
O impacto econômico da praga dos javalis
O prejuízo causado pelos javalis ao agronegócio brasileiro já é classificado como milionário. Produtores de milho e soja relatam lavouras inteiras devastadas durante a noite, além de ataques a pastagens, hortas e pequenas propriedades rurais.
Estudos da Embrapa indicam que, em algumas regiões, os javalis chegam a consumir até 30% de uma lavoura, comprometendo a renda do produtor e aumentando os custos de produção.
A degradação ambiental é outro fator preocupante: esses animais reviram o solo em busca de alimento, causando erosão, assoreamento de rios e destruição de áreas de preservação permanente.
O risco sanitário e o alerta do setor pecuário
Mais do que prejuízos agrícolas, o javali representa uma ameaça sanitária. Eles podem carregar vírus e bactérias que colocam em risco não apenas os animais de criação, mas também a saúde humana.
A preocupação maior é com a possibilidade de transmissão de peste suína clássica ou febre aftosa, doenças que poderiam provocar um verdadeiro colapso nas exportações de carne suína e bovina brasileiras.
Manter o status de país livre dessas doenças é uma exigência dos principais mercados compradores, e qualquer surto poderia gerar bilhões em perdas ao comércio exterior.
A polêmica: descentralizar ou fortalecer o Ibama?
Enquanto o deputado Alceu Moreira defende a descentralização, especialistas ambientais alertam que retirar do Ibama o controle pode fragilizar ainda mais a fiscalização.
Eles lembram que, embora o órgão tenha dificuldades, é ele quem estabelece critérios técnicos para garantir que o manejo seja feito de forma segura, evitando maus-tratos e riscos ao meio ambiente.
Por outro lado, representantes do agronegócio argumentam que o excesso de burocracia impede ações rápidas e eficazes.
Para eles, a praga dos javalis já não pode ser tratada apenas como uma questão ambiental — é uma ameaça econômica e sanitária nacional.
O que está em jogo
O projeto de Alceu Moreira reacende um debate que opõe ambientalistas, produtores rurais, veterinários e especialistas em saúde pública. A questão central é: como conter uma praga invasora que já está consolidada em território nacional?
Seja com o modelo atual, controlado pelo Ibama, ou com uma descentralização para estados e municípios com bonificação a caçadores, o fato é que o Brasil precisa agir rápido. Cada ano sem controle efetivo significa milhares de lavouras perdidas, risco à pecuária e prejuízos bilionários para a economia.
O avanço dos javalis no Brasil é um problema que já não pode ser ignorado. A proposta de Alceu Moreira pode ser polêmica, mas traz à tona uma discussão urgente: qual o melhor caminho para conter uma das piores espécies invasoras do mundo?
Seja qual for a resposta, uma coisa é certa: os javalis estão vencendo a batalha contra agricultores e contra o Estado. E sem medidas mais ousadas, o preço dessa invasão será pago por toda a sociedade — seja no prato, no bolso ou na exportação da carne brasileira.