Disputa comercial e política entre Brasil e Estados Unidos ganha contornos inéditos, com tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, sanções a autoridades e articulação de Lula com líderes dos Brics para enfrentar a crise diplomática.
O jornal britânico Financial Times descreveu nesta terça-feira, 12 de agosto de 2025, uma “disputa sem precedentes” entre Brasil e Estados Unidos após a decisão do presidente americano Donald Trump de aplicar tarifa de 50% sobre importações brasileiras.
Segundo a reportagem, o embate tende a se prolongar e pode se intensificar, enquanto o governo Luiz Inácio Lula da Silva busca coordenação com parceiros dos Brics.
Tarifa dos EUA e escalada diplomática
A medida tarifária entrou em vigor na quarta-feira, 6 de agosto, e atinge a maior parte dos produtos de origem brasileira, com exceções listadas pelo governo americano.
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O texto do FT relata que, em vez de procurar o autor das tarifas, Lula conversou com líderes do bloco dos Brics, como o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e o presidente russo, Vladimir Putin, em busca de respaldo político e econômico.
A avaliação do jornal é que a resposta brasileira reforça o caráter atípico do confronto com Washington e diminui as chances de solução rápida.
O que fica fora da taxa e o que é afetado
Apesar do tarifaço, a Casa Branca divulgou um anexo com cerca de 700 exceções, preservando segmentos estratégicos.
Entre os itens poupados, o FT e análises setoriais citam aeronaves civis e parte da pauta agroindustrial, como suco e polpa de laranja.
Ao mesmo tempo, cadeias relevantes, como café e carnes, foram apontadas por entidades empresariais como impactadas pelo novo patamar de 50%.
O desenho final das exceções, segundo especialistas, reduz parte do choque imediato, mas mantém pressão sobre exportadores.
Pressões sobre o STF e sanções a Moraes
No pano de fundo do atrito, estão críticas do governo americano à atuação do Supremo Tribunal Federal e, em particular, do ministro Alexandre de Moraes em processos envolvendo desinformação e ataques às instituições.
De acordo com o FT, Washington exigiu a reversão de ordens judiciais que afetaram plataformas digitais de origem americana, sob a alegação de “ordens de censura secretas e ilegais”.
Em 30 de julho, o Departamento do Tesouro sancionou Moraes com base na Lei Magnitsky, após o Departamento de Estado revogar vistos do ministro, de aliados no STF e de familiares.
As medidas ampliaram o desgaste entre os países.
Caso Bolsonaro entra no radar de Washington
A reportagem do FT sustenta que Trump “se identificou pessoalmente” com a situação do ex-presidente Jair Bolsonaro, réu por acusações relacionadas à tentativa de reverter o resultado da eleição de 2022.
O governo americano tem classificado o julgamento como “caça às bruxas” e usou o caso para justificar parte das restrições.
Assessores citados pelo jornal apontam que a postura do Planalto de não interferir em assuntos do Judiciário reduziu a margem de negociação direta entre os governos.
Comércio exterior e números do superávit
Outro ponto destacado pelo FT é a divergência sobre o saldo bilateral. Enquanto Trump fala em “déficits insustentáveis”, dados oficiais mostram que os Estados Unidos tiveram superávit no comércio de bens com o Brasil no ano passado.
Levantamentos do governo americano indicam um saldo positivo próximo de US$ 7,4 bilhões em 2024, contrariando o discurso do Executivo dos EUA e servindo de argumento para Brasília em foros internacionais.
Estratégia de Lula com os Brics
Sem sinais de recuo imediato em Washington, o governo brasileiro intensificou conversas com países dos Brics para avaliar respostas coordenadas e mitigar impactos.
O FT registra que Lula procurou Modi e Putin em sequência e reforçou o diálogo com outros parceiros do grupo.
A orientação do Planalto tem sido valorizar a autonomia do Judiciário brasileiro e, ao mesmo tempo, abrir canais técnicos para mapear efeitos da tarifa por setor, sem precipitar retaliações que possam elevar custos para consumidores e empresas.
Possíveis desdobramentos
O jornal britânico observa que Trump costuma mudar de posição com rapidez, o que não elimina a chance de um acordo.
Ainda assim, considera “difícil” a solução no curto prazo, dado o componente político do impasse.
O Brasil tenta separar o contencioso judicial das discussões comerciais, mas a combinação de tarifas, sanções e pressão pública nos dois países cria um ambiente volátil.
Interlocutores dos dois lados avaliam que, sem uma trégua narrativa, qualquer gesto técnico esbarra em custos políticos domésticos.
Polarização no Brasil e calendário eleitoral
No diagnóstico do FT, o embate chega em fase sensível da política brasileira.
A população segue altamente polarizada e o nome de Lula aparece como potencial candidato em outubro de 2026, quando o país volta às urnas para a Presidência.
O quadro tende a manter o tema nas campanhas, enquanto setores produtivos pressionam por previsibilidade regulatória e redução de incertezas.
Como ficam os próximos passos
A curto prazo, exportadores monitoram regras transitórias e listas de exceção para reprogramar embarques.
Em paralelo, diplomatas buscam interlocução técnica para reduzir danos em áreas sensíveis, como agro, energia e aviação.
A prioridade brasileira, segundo auxiliares, é evitar uma espiral de retaliações que encareça insumos, pressione a inflação e comprometa investimentos, ao mesmo tempo em que sustenta a independência das instituições.
Diante de uma disputa que mistura comércio, política e Justiça, qual deve ser a estratégia do Brasil: intensificar a articulação com os Brics, insistir em uma negociação direta com Washington ou apostar nas duas frentes em paralelo?