Montadoras chinesas intensificam presença no Brasil, impulsionando mudanças no mercado automotivo nacional e aumentando a preocupação de fabricantes locais diante do crescimento das importações e investimentos bilionários em fábricas e parcerias estratégicas.
A presença das montadoras chinesas no Brasil tem provocado uma transformação sem precedentes no setor automotivo nacional.
Marcas como BYD e GWM, entre outras, vêm ampliando sua participação no mercado brasileiro, intensificando a concorrência em um cenário já pressionado por juros altos e inadimplência crescente.
Segundo reportagem do Gazeta do Povo, essa movimentação, impulsionada pela busca da superprodução da China por mercados alternativos diante do excesso produtivo doméstico, levanta preocupações entre as fabricantes instaladas no país, que enxergam a possibilidade de um “apagão industrial” e riscos para a cadeia produtiva local.
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Montadoras chinesas ampliam investimentos e importações no Brasil
A ofensiva chinesa ocorre por meio de três estratégias principais: aumento das importações, instalação de fábricas e parcerias com empresas nacionais.
A BYD, por exemplo, alcançou a quinta posição no ranking brasileiro em junho de 2025, com 8,7% de participação no varejo e liderança em mais de cem municípios, incluindo capitais como Maceió, Brasília e Porto Velho.
No segmento de eletrificados, especialmente veículos 100% elétricos, a empresa domina 77% do mercado.
Parte desse avanço se deve à importação em larga escala, utilizando navios próprios, como o BYD Shenzhen, que desembarcou 7.292 veículos elétricos no porto de Itajaí (SC) em maio deste ano, configurando a maior operação do tipo já registrada no Brasil.
A expectativa do setor é que as importações de veículos de origem chinesa cresçam quase 40% em 2025, atingindo cerca de 200 mil unidades, o equivalente a 8% do total de veículos leves comercializados no país.
Paralelamente à importação, a produção local é vista como um pilar para a consolidação das operações chinesas.
A BYD está investindo R$ 5,5 bilhões na antiga fábrica da Ford em Camaçari (BA), transformando o complexo na maior unidade fabril do grupo fora da Ásia, com capacidade estimada para até 600 mil veículos por ano e potencial para servir de plataforma de exportação para outros países das Américas.
Entretanto, a produção nacional da BYD se concentra inicialmente no modelo SKD (semi knocked down), em que a carroceria já chega soldada e pintada da China, e os demais componentes, quase todos importados, são agregados em território brasileiro.
Até julho de 2025, apenas a Continental Pneus havia sido homologada como fornecedora nacional, enquanto outras 105 empresas brasileiras estavam em processo de certificação.
Avanço chinês afeta concorrência e empregos no setor automotivo
A GWM (Great Wall Motors), outra montadora de origem chinesa, também acelera sua atuação no Brasil, com um crescimento sete vezes superior à média do setor no primeiro semestre de 2025, registrando 15.261 emplacamentos.
O modelo Haval H6 consolidou-se como o SUV híbrido mais vendido do país no acumulado do ano.
A empresa prepara a inauguração de sua fábrica em Iracemápolis (SP) ainda em 2025, com previsão de investir R$ 10 bilhões até 2032 e planos para ampliar a nacionalização da cadeia de fornecedores.
Outro movimento relevante é a volta da Geely ao Brasil após nove anos, trazendo 680 veículos elétricos desembarcados em Paranaguá (PR) em junho e perspectiva de iniciar vendas já neste mês.
A Geely firmou parceria com o Renault Group para avaliar a produção de veículos híbridos e elétricos em São José dos Pinhais (PR), com possibilidade de se tornar acionista minoritária da Renault do Brasil.
Superprodução da China e guerra de preços global
Esse avanço chinês não é exclusivo do Brasil, refletindo um fenômeno global alimentado pela capacidade produtiva excedente e pela guerra de preços dentro da China, onde operam cerca de 115 marcas de veículos elétricos.
A China, maior fabricante e exportadora mundial de automóveis, triplicou suas exportações em três anos, somando 4,7 milhões de unidades em 2023 e projeção de 7,3 milhões até 2030.
Em resposta a essa pressão interna, as montadoras chinesas buscam mercados no chamado “Sul Global” – América Latina, Sudeste Asiático, Oriente Médio e África, onde a concorrência é menor e as exigências regulatórias são menos rigorosas.
Em 2024, as marcas chinesas foram responsáveis por 82% das vendas de veículos elétricos a bateria no México, Brasil, Argentina e Chile.
Na Europa, o avanço também é notável: segundo a consultoria Jato Dynamics, em maio de 2025 as marcas chinesas alcançaram 5,9% das vendas totais, mais que o dobro do ano anterior.
A BYD superou a Tesla em vendas de elétricos no continente europeu em abril de 2025, destacando a importância estratégica da região para a montadora.
Para mitigar tarifas e custos logísticos, as empresas chinesas têm investido na construção de fábricas em diferentes países.
A BYD, além da planta em construção na Hungria, escolheu o Brasil para instalar sua primeira unidade fora da Ásia.
No entanto, movimentos protecionistas já começaram a surgir: a União Europeia elevou tarifas sobre veículos elétricos chineses e outros mercados, como a Rússia, aplicaram taxas extras sobre carros importados, numa tentativa de limitar o avanço chinês.
Impactos no emprego e pressão por proteção à indústria nacional
A rápida expansão das montadoras chinesas causa apreensão no setor automotivo brasileiro.
Igor Calvet, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), afirmou que o aumento das importações já representou 54% do crescimento do mercado em maio de 2025.
O desequilíbrio entre a expansão das vendas de importados e a estagnação da produção nacional é evidente: enquanto as vendas de veículos nacionais subiram 2,6% no primeiro semestre, as importações cresceram 15,6%.
Houve, inclusive, queda de 10% nas vendas de veículos leves produzidos localmente.
A questão do emprego é um dos principais pontos de atenção.
O setor automotivo brasileiro registrou mais de 600 desligamentos diretos nos últimos meses.
Segundo Calvet, o volume de importados no primeiro semestre de 2025 (228,5 mil unidades) equivale à produção anual de uma grande fábrica nacional, responsável por mais de 6 mil empregos diretos.
A adoção de processos menos sofisticados de montagem, como o SKD/CKD, também resulta em menor geração de empregos indiretos – apenas dois a três para cada posto direto, frente aos cerca de dez em plantas altamente integradas.
Impostos, crédito caro e novas estratégias do setor
A Anfavea defende a manutenção do Imposto de Importação para veículos semidesmontados como estratégia para proteger a indústria local e evitar um processo de desindustrialização.
Paralelamente, pressiona o governo federal para antecipar o aumento das tarifas de importação de veículos elétricos, atualmente em 18% para elétricos puros, 20% para híbridos e 25% para híbridos plug-in, com previsão de chegar a 35% apenas em meados de 2026.
O ambiente econômico brasileiro adiciona mais desafios ao setor.
A taxa Selic, em 15% ao ano, está no maior patamar desde 2016 e dificulta o acesso ao crédito.
A inadimplência das empresas atingiu 3,3%, maior nível desde 2017, enquanto entre pessoas físicas chegou a 5,16%, o maior índice desde 2023.
O crédito restrito afeta especialmente o segmento de caminhões pesados, que viu queda de 3,6% nas vendas no primeiro semestre de 2025, segundo dados do Banco Central do Brasil.
A Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) também destaca os desafios impostos pelas altas taxas de juros, que impactam o financiamento e reduzem o ritmo de vendas em segmentos como caminhões e implementos rodoviários.
Por outro lado, o mercado de automóveis e comerciais leves, voltado principalmente para pessoas físicas, segue mais resiliente, sustentado pelo pleno emprego e pela renda em alta, além de condições de financiamento diferenciadas oferecidas pelos bancos das montadoras.
As projeções da Fenabrave para 2025 foram ajustadas: queda de 7% nas vendas de caminhões, mas manutenção do crescimento para automóveis (5%), ônibus (6%) e motocicletas (10%).
Diante do avanço da superprodução da China e da pressão competitiva, como o Brasil pode proteger sua indústria automotiva sem comprometer a inovação e o acesso a novas tecnologias? Qual o equilíbrio ideal entre abertura de mercado e preservação dos empregos nacionais?