1. Início
  2. / Economia
  3. / Brasil quer enviar menos dinheiro para o Mercosul e instaura crise diplomática com vizinhos
Tempo de leitura 5 min de leitura Comentários 0 comentários

Brasil quer enviar menos dinheiro para o Mercosul e instaura crise diplomática com vizinhos

Escrito por Alisson Ficher
Publicado em 20/10/2025 às 23:44
Brasil propõe corte drástico no fundo do Mercosul, provocando reação de Uruguai e Paraguai. Impacto sobre integração e redistribuição de recursos.
Brasil propõe corte drástico no fundo do Mercosul, provocando reação de Uruguai e Paraguai. Impacto sobre integração e redistribuição de recursos.
Seja o primeiro a reagir!
Reagir ao artigo

Proposta do governo Lula para reduzir repasses ao fundo do Mercosul causa reação de Uruguai e Paraguai e acende debate sobre o futuro da integração regional.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva propôs reduzir de forma significativa os recursos do Fundo para a Convergência Estrutural do Mercosul (Focem), o que abriu um foco de tensão com Uruguai e Paraguai, historicamente os maiores beneficiários do mecanismo.

De acordo com o jornal Folha de S. Paulo, a minuta em discussão, batizada de Focem 2, baixa a dotação anual de US$ 100 milhões para cerca de US$ 30 milhões e altera as regras de contribuição e de repartição entre os sócios, conforme documentos circulados no início de outubro.

Criado em 2004 para financiar projetos de infraestrutura e integração em áreas de fronteira, o Focem é abastecido majoritariamente pelo Brasil.

Pela arquitetura atual, o país aporta 70% dos recursos, a Argentina, 27%, o Uruguai, 2%, e o Paraguai, 1%.

Na outra ponta, os benefícios seguem ordem inversa: Paraguai recebe 48% do total, Uruguai 32%, enquanto Brasil e Argentina ficam com 10% cada.

Essa engenharia foi concebida para reduzir assimetrias econômicas dentro do bloco.

A proposta brasileira revê esses percentuais.

O Planalto sugeriu que o Brasil passe a responder por aproximadamente 57,1% da contribuição do Focem 2, com a Argentina em 21,4%.

Uruguai e Paraguai contribuiriam mais do que hoje, respectivamente 8,3% e 6,9%.

A Bolívia, novo integrante do Mercosul, aportaria 6,2%.

Na distribuição dos benefícios, o desenho preliminar reserva quase 26% para a Bolívia, 23% ao Paraguai e 21% ao Uruguai.

Argentina receberia pouco mais de 15,1%, e Brasil, cerca de 15%.

Reação de Uruguai e Paraguai

A iniciativa brasileira provocou forte resistência de Montevidéu e Assunção.

Em ata de reunião do Grupo Mercado Comum (GMC) realizada em Brasília em 8 e 9 de outubro, as delegações de Uruguai e Paraguai registraram que a proposta “envia um sinal negativo do processo de integração regional”.

Também afirmaram que a “drástica redução do fundo” e os critérios sugeridos para definir contribuições e benefícios não refletem corretamente as assimetrias e inviabilizam o apoio à mudança.

Nos bastidores, diplomatas envolvidos nas tratativas reconhecem que o valor de US$ 30 milhões foi apresentado como ponto de partida e pode ser ajustado conforme o avanço das negociações.

Ainda assim, o tom das críticas elevou a temperatura política às vésperas da renovação do mecanismo, necessário quando os recursos da primeira etapa se esgotarem nos próximos anos.

O que está em jogo no Focem 2

Ao propor menos dinheiro e um novo rateio, o Brasil sustenta que Uruguai e Paraguai tiveram avanços sociais e econômicos nas últimas décadas e, por isso, deveriam contribuir mais e receber menos em relação ao arranjo original.

Além disso, a entrada da Bolívia no bloco impõe, segundo a leitura brasileira, uma redistribuição do bolo, já que o país andino é um dos mais pobres da região por diferentes indicadores.

O governo argumenta que manter a lógica inicial sem incorporar as mudanças na composição do Mercosul e nas trajetórias econômicas poderia cristalizar desigualdades, em vez de corrigi-las.

Por outro lado, Uruguai e Paraguai avaliam que a proposta ignora custos estruturais que permanecem elevados nas economias menores e reduz o principal instrumento de coesão do bloco.

Como funciona hoje o financiamento

Desde a criação do fundo, foram aprovados mais de 50 projetos, somando aproximadamente US$ 996 milhões, segundo cálculos do governo argentino até o fim de 2024.

As iniciativas incluem obras de infraestrutura, integração urbana e modernização de postos de fronteira, entre outras frentes com impacto regional.

No modelo vigente, os recursos do Focem são não reembolsáveis e dependem de orçamentos públicos, característica vista como essencial para garantir o caráter redistributivo do instrumento.

Argentina quer outro desenho

A posição de Buenos Aires adiciona complexidade ao debate.

A equipe do presidente Javier Milei tem defendido que empresas e organismos financeiros regionais, como o Fonplata, possam bancar obras no âmbito do Focem.

Integrantes do governo brasileiro consideram essa alternativa inviável, porque transformaria um fundo de transferências em um mecanismo de crédito, alterando sua natureza e condicionando projetos a empréstimos ou contrapartidas incompatíveis com o objetivo original.

Há, ainda, divergências sobre as contas apresentadas pela Casa Rosada, segundo as quais a Argentina se tornaria receptora líquida de recursos no novo arranjo.

Pela leitura brasileira, essa hipótese empurraria o Brasil para a posição de único país que efetivamente doa mais do que recebe, desequilíbrio que Brasília não pretende admitir sem contrapartidas claras.

Bolívia na mesa de negociações

A Bolívia passou a compor formalmente o Mercosul após depositar, em julho de 2024, o instrumento de ratificação do Protocolo de Adesão.

Com isso, o país tem até quatro anos para incorporar o acervo normativo do bloco.

A presença boliviana no Focem 2 é um dos pontos centrais da reformulação: o Brasil sugere que La Paz seja a principal destinatária dos recursos, refletindo seu nível de renda e a necessidade de integração física com os vizinhos.

Enquanto a adequação regulatória avança, diplomatas dos cinco países discutem como compatibilizar o ingresso boliviano com as expectativas dos membros fundadores, sem esvaziar a capacidade de financiamento de Paraguai e Uruguai.

Processo político e próximos passos

Qualquer reestruturação do Focem precisa passar pelos Legislativos nacionais, o que costuma alongar prazos e impõe riscos de descompasso entre o acordo diplomático e a implementação doméstica.

Por estar na presidência temporária do Mercosul, o Brasil assumiu a frente das conversas e circulou o anteprojeto no início de outubro para tentar acelerar o calendário.

O Paraguai, do presidente Santiago Peña, ficou de apresentar contraproposta.

No Itamaraty e no Ministério do Planejamento, que coordena a elaboração técnica do Focem 2, a orientação é evitar comentários públicos enquanto as delegações ajustam variáveis sensíveis, como percentuais, valores anuais e critérios de elegibilidade de projetos.

Em paralelo, membros do bloco ponderam que qualquer anúncio precipitado tende a ampliar ruídos com os sócios e a alimentar resistências internas.

A negociação, de alto teor político, depende de sinais que conciliem responsabilidade fiscal com compromisso integracionista.

O nó central, porém, permanece: como redesenhar um fundo concebido para reduzir desigualdades sem esvaziar sua potência financeira?

Diante do impasse sobre dinheiro, pesos e prioridades, qual desenho de Focem 2 tem chance real de equilibrar solidariedade regional e compromisso de cada país com o próprio caixa?

Banner quadrado em fundo preto com gradiente, destacando a frase “Acesse o CPG Click Petróleo e Gás com menos anúncios” em letras brancas e vermelhas. Abaixo, texto informativo: “App leve, notícias personalizadas, comentários, currículos e muito mais”. No rodapé, ícones da Google Play e App Store indicam a disponibilidade do aplicativo.
Inscreva-se
Notificar de
guest
0 Comentários
Mais recente
Mais antigos Mais votado
Feedbacks
Visualizar todos comentários
Alisson Ficher

Jornalista formado desde 2017 e atuante na área desde 2015, com seis anos de experiência em revista impressa, passagens por canais de TV aberta e mais de 12 mil publicações online. Especialista em política, empregos, economia, cursos, entre outros temas e também editor do portal CPG. Registro profissional: 0087134/SP. Se você tiver alguma dúvida, quiser reportar um erro ou sugerir uma pauta sobre os temas tratados no site, entre em contato pelo e-mail: alisson.hficher@outlook.com. Não aceitamos currículos!

Compartilhar em aplicativos
0
Adoraríamos sua opnião sobre esse assunto, comente!x