O desinteresse dos jovens, a baixa remuneração inicial e a alta exigência do mercado acendem alerta para um possível déficit de engenheiros no Brasil, com impacto direto em setores estratégicos como infraestrutura, construção civil e tecnologia.
A queda do interesse dos estudantes, a frustração com salários abaixo do esperado e o aumento das exigências técnicas das empresas formam um cenário que acende o alerta para um possível apagão de engenheiros no Brasil.
Instituições de ensino ajustam currículos para ampliar a prática desde os primeiros semestres, enquanto entidades do setor calculam um risco de déficit de profissionais caso a tendência se mantenha até o fim da década.
Queda de ingressantes pressiona a formação
Nos eventos recentes da área e no cotidiano das universidades, docentes relatam redução na procura por cursos de Engenharia.
-
Nova categoria vai ter direito a adicional de periculosidade de 30%, resultado de mobilização sindical e pressão da categoria
-
Governo confirma que devedor pode perder a CNH: medida extrema vira polêmica e levanta debate sobre justiça e direitos individuais
-
Renovação da CNH para idosos deve ser feita a cada três anos com exames médicos obrigatórios previstos no Código de Trânsito
-
PIX do Nubank proibido em ambientes públicos gera revolta: milhões de clientes reclamam de bloqueios e restrições inesperadas nas transferências
“No ano passado, no Congresso Brasileiro de Engenharia, dados mostraram que está diminuindo a quantidade de alunos ingressantes ao longo dos anos. Também estamos observando isso no dia a dia. Há uma quantidade menor de estudantes interessados”, afirma Clarisse Pereira, coordenadora de Engenharia de Produção e Engenharia Civil do UniSales – Centro Universitário Salesiano.
Esse movimento, segundo coordenadores e departamentos acadêmicos, não se restringe a um único eixo de formação.
A percepção é de retração difusa, com impacto direto na reposição de mão de obra qualificada nos próximos anos, especialmente em áreas ligadas a infraestrutura, indústria e tecnologia.
Salário de entrada frustra expectativas
Não é apenas o desinteresse que afasta novos talentos.
A distância entre o que muitos imaginam ao escolher a graduação e o que encontram ao concluir o curso amplia a evasão e reduz a atração de calouros.
“Não há um salário tão bom para todo mundo que se forma. Muitas empresas contratam com outras titulações, como auxiliar. Isso significa que quando se formam, não recebem a remuneração que esperavam”, observa Clarisse Pereira.
Em paralelo, recrutadores relatam que parte dos recém-formados acaba aceitando funções de apoio, com remuneração inicial menor, até consolidar competências específicas.
O descompasso entre expectativas e realidade pesa sobretudo em segmentos com operações complexas, prazos rígidos e responsabilidade técnica elevada.
Mercado exige experiência e certificações
Além da remuneração, a pressão por prontidão profissional é outro filtro.
Empresas esperam que o egresso domine ferramentas, normas e processos logo na entrada.
Na prática, esse grau de maturidade raramente se alcança no momento da diplomação.
“O mercado espera que a pessoa se forme pronta e não é isso que acontece. Ela ainda vai precisar ganhar experiência, tirar certificações e fazer especializações. Aí sim você vai chegando no nível que o mercado espera”, explica a coordenadora do UniSales.
Nesse contexto, o período inicial de carreira tende a incluir estágios, programas de trainee, cursos de curta duração e certificações técnicas.
A trilha de capacitação contínua se torna diferencial para acelerar a inserção em projetos de maior complexidade, sobretudo em engenharia civil, produção, elétrica e áreas correlatas.
Faculdades atualizam currículo com mais prática
Para reduzir o “gap” entre sala de aula e chão de fábrica, centros universitários vêm redesenhando grades e metodologias.
No UniSales, alterações recentes ampliaram a prática desde o início do curso, com projetos integradores e atividades aplicadas.
A estratégia busca aproximar o estudante de situações reais de projeto, execução e gestão, estimulando habilidades técnicas e comportamentais em paralelo. O movimento é mais amplo.
“Os cursos de Engenharia estão passando por uma reestruturação, estão se atualizando”, destaca Geilma Vieira, subchefe do Departamento de Engenharia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
Entre as prioridades, aparecem disciplinas voltadas a ferramentas digitais, metodologias ativas e integração com empresas por meio de desafios e laboratórios compartilhados.
Entidades acendem alerta para déficit até 2030
A preocupação acadêmica ecoa em conselhos profissionais. Para o presidente do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), Vinicius Marchese, a queda no número de formandos não é um dado isolado:
“Ver a queda no número de formando em Engenharia no Brasil não é só uma estatística. É um alerta. Se essa tendência continuar, até 2030 podemos enfrentar um déficit de 1 milhão de engenheiros, e isso impacta diretamente o desenvolvimento do País”, escreveu em suas redes sociais.
Embora a projeção dependa da manutenção de variáveis como taxa de ingresso, evasão e demanda por projetos, a sinalização indica risco para obras de infraestrutura, transição energética, saneamento e digitalização de processos industriais.
Sem reposição adequada, gargalos podem alongar prazos, encarecer contratos e atrasar metas públicas e privadas.
Construção civil sente a dificuldade de contratar
No setor da construção, a pressão por profissionais habilitados já aparece no cotidiano dos canteiros e dos escritórios de projeto.
Fernando Feltz, diretor do Sinduscon-ES, avalia que a continuidade do quadro pode levar a um “apagão” localizado de mão de obra:
“Daqui a pouco vamos acabar tendo um ‘apagão’ de mão de obra se isso continuar. Hoje temos um mercado de construção no Estado com muitas oportunidades de emprego. Diferente de outras áreas, temos vagas a serem preenchidas, mas temos dificuldade de achar pessoas qualificadas”.
Enquanto isso, empresas relatam tempo maior para fechamento de vagas e necessidade de investir em formação interna.
A oferta de trilhas de capacitação, programas de residência técnica e parcerias com universidades vem se consolidando como caminho para suprir lacunas específicas, do planejamento à execução.
O que pode reverter a tendência
A resposta ao risco de escassez combina medidas em várias frentes. De um lado, currículos mais conectados a demandas industriais e urbanas tendem a elevar a empregabilidade do recém-formado.
De outro, políticas de estágio, bolsas e iniciação tecnológica ajudam a manter estudantes na graduação, especialmente nos primeiros anos, quando a evasão é maior.
Outra frente é a comunicação sobre perspectivas reais de carreira.
Tornar mais transparentes as trajetórias salariais e os passos de certificação e especialização, por área, diminui frustrações e ajusta expectativas.
Por fim, ampliar a participação de engenheiras e de estudantes de escolas públicas pode aumentar o contingente de formandos, com impacto positivo no equilíbrio regional da oferta.
Desafios imediatos para universidades e empresas
A curto prazo, instituições de ensino correm para criar experiências práticas que encurtem a curva de aprendizado e entreguem competências valorizadas pelo mercado.
Empresas, por sua vez, reavaliam perfis de contratação para privilegiar potencial de desenvolvimento, sem abrir mão da segurança técnica.
Entre essas pontas, conselhos profissionais e entidades setoriais atuam para disseminar boas práticas e consolidar parâmetros de qualidade.
A pergunta que se impõe é direta: o Brasil conseguirá atrair e reter novos talentos em Engenharia a tempo de evitar um apagão de engenheiros, ou veremos projetos estratégicos disputando uma oferta cada vez mais limitada de profissionais?