Com tecnologia de dragagem e fiscalização ambiental em tempo real, novo porto do Espírito Santo pode ser referência global em sustentabilidade
Um novo porto com 25 metros de profundidade, capacidade para receber os maiores navios do mundo e uma estrutura comparável aos maiores complexos da Ásia e Europa está sendo construído no Brasil. A obra, localizada no município de Presidente Kennedy, no extremo sul do Espírito Santo, pode representar a virada de chave para a infraestrutura logística brasileira e eliminar gargalos históricos que há décadas travam a economia nacional.
Com investimento superior a R$ 16 bilhões, o projeto já em execução é privado e ocupará uma área monumental de quase 2 mil hectares. A proposta é ousada: integrar de forma direta os polos produtivos do agronegócio, da mineração e da indústria ao comércio exterior, reduzindo custos logísticos e aumentando a competitividade do Brasil nos mercados globais.
Localização estratégica: de cidade desconhecida a polo logístico internacional
Presidente Kennedy, antes uma cidade pouco conhecida no mapa nacional, foi escolhida estrategicamente por sua proximidade com as principais regiões econômicas do Brasil. Em um raio de poucas horas estão São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, estados que, juntos, representam mais de 63% do PIB nacional.
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Além disso, a localização favorece o acesso direto às bacias do pré-sal e ao Atlântico Sul, conectando a nova estrutura aos fluxos internacionais de energia e carga geral. O projeto ainda prevê uma área verde de mais de 230 hectares para ações de compensação ambiental, incluindo a proteção de locais de relevância cultural, como a histórica Igreja Nossa Senhora das Neves.
A primeira fase do projeto já está em andamento, com 65,6 hectares em terra firme em obras — o equivalente a 92 campos de futebol. Mas o que realmente diferencia essa estrutura dos demais portos brasileiros é o canal de acesso marítimo: 25 metros de profundidade, suficiente para receber navios gigantes como VLCCs (Very Large Crude Carriers) e Valemax, embarcações hoje impossíveis de operar nos portos nacionais por restrições de calado.
Um salto logístico: o fim da dependência de portos estrangeiros
A maior parte dos portos do Brasil ainda opera com calado máximo entre 12 e 15 metros, limitando a entrada de grandes navios e exigindo o uso de soluções alternativas como transbordo em alto-mar ou escalas em portos de países vizinhos. Isso impacta diretamente o custo do frete e reduz a competitividade do produto brasileiro.
Com o novo porto, setores estratégicos como petróleo, grãos, minérios e contêineres terão, pela primeira vez, uma saída direta para exportação em larga escala, sem necessidade de escalas, filas ou restrições técnicas. Um produtor de soja no Mato Grosso, por exemplo, poderá enviar sua carga diretamente ao exterior, evitando rotas longas e caras até os portos de Santos, Paranaguá ou Itaqui.
Segundo estimativas, o investimento no porto equivale a quase um terço do orçamento total do PAC 2023 para mobilidade urbana. Para efeito de comparação, é quase o mesmo valor estimado para a construção completa da Linha 6–Laranja do Metrô de São Paulo, uma das maiores obras urbanas do país.
Integração total: rodovias, ferrovias, dutovias e cabotagem no mesmo projeto
A infraestrutura não se limita ao porto em si. O plano contempla uma integração multimodal sem precedentes no Brasil, com acessos pelas principais rodovias federais (BR-101, BR-262), rodovias estaduais (ES-060, ES-162, ES-297) e, futuramente, conexões ferroviárias e dutos de transporte.
Duas ferrovias estratégicas fazem parte do projeto: a EF-118, que conectará o porto ao eixo Rio–Vitória, e a EF-352, que cruzará Minas Gerais até chegar a Anápolis (GO), um dos principais centros do agronegócio brasileiro. Também está prevista a construção de corredores dedicados para dutos, incluindo uma possível conexão com a futura Rota 6, uma dutovia de 332 km entre o Espírito Santo e Minas Gerais, voltada para gás natural e granéis líquidos.
A dragagem inicial, já iniciada, removerá mais de 64 milhões de metros cúbicos de sedimentos, o equivalente a 25 mil piscinas olímpicas. A operação será feita com tecnologia de monitoramento em tempo real para garantir o mínimo impacto ambiental. Também será construído um quebra-mar robusto, projetado para manter a navegabilidade mesmo em condições climáticas adversas.
Efeitos já visíveis: empregos, industrialização e nova perspectiva para a região
Com a criação de uma Zona de Processamento de Exportação (ZPE), o projeto deverá atrair indústrias de transformação e logística para a região, estimuladas por incentivos fiscais e operacionais. Empresas de diferentes setores poderão se instalar no entorno do porto, exportando diretamente do complexo com custos reduzidos.
A geração de empregos já começou a transformar a vida da população local. Jovens que antes deixavam a cidade em busca de trabalho agora encontram oportunidades em áreas como construção civil, serviços, transporte e operações portuárias. Municípios vizinhos a Presidente Kennedy também começam a registrar aumento na movimentação econômica e nos investimentos imobiliários.
No aspecto ambiental, o projeto é acompanhado por mais de 40 programas de controle e monitoramento, com supervisão constante de órgãos especializados. A proposta é compatibilizar o desenvolvimento com a preservação, adotando práticas sustentáveis desde a fase de implantação.
O Brasil finalmente entra na rota dos gigantes do comércio marítimo
Enquanto países como China, Emirados Árabes e Holanda já operam com portos de grande calado há décadas, o Brasil inicia agora uma nova fase com capacidade para competir em igualdade de condições. A construção do porto em Presidente Kennedy simboliza não apenas um avanço técnico, mas um reposicionamento estratégico do Brasil no comércio internacional.
A expectativa é que o complexo esteja totalmente concluído até 2040, com cinco fases de expansão progressiva. Cada etapa representará uma nova janela de oportunidade para setores produtivos, empresas de exportação e, principalmente, para a modernização da infraestrutura nacional.
Se tudo correr conforme o planejado, o Espírito Santo — historicamente ofuscado por outros estados no mapa logístico — poderá se tornar um dos principais eixos comerciais da América do Sul. E Presidente Kennedy, antes esquecida, deverá entrar de vez no radar global como uma nova referência em logística portuária.