A operação da mina em Caetité (BA) e a construção do reator multipropósito brasileiro em Iperó (SP) são os pilares da estratégia do país para dominar a tecnologia nuclear, da saúde à energia
Após um período de menor investimento, o Brasil retoma com vigor sua ambição de alcançar a autossuficiência no complexo setor nuclear. A estratégia nacional se apoia em dois projetos fundamentais: a mineração de urânio em Caetité, na Bahia, e a construção do reator multipropósito brasileiro (RMB), em São Paulo. O país, que detém uma das maiores reservas de urânio do mundo, busca garantir a matéria-prima para seus projetos atuais e futuros.
A sinergia entre esses dois empreendimentos é indispensável para a autonomia do país. Enquanto a mina baiana, operada pelas Indústrias Nucleares do Brasil (INB), garante o combustível, o RMB capacitará o país na produção de insumos para a medicina e na pesquisa de ponta. Juntos, eles representam a aposta brasileira para consolidar sua soberania tecnológica, embora a jornada enfrente significativos desafios socioambientais.
O que é o reator multipropósito brasileiro e qual sua importância estratégica?
O reator multipropósito brasileiro é uma das mais importantes iniciativas tecnológicas do país. Localizado em Iperó (SP), seu principal objetivo é produzir radioisótopos, insumos vitais para a medicina nuclear. Com ele, o Brasil poderá produzir o Molibdênio-99, essencial para diagnósticos de câncer, e eliminar a dependência da importação desses materiais.
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Além da saúde, o RMB será um centro de pesquisa avançada. Ele permitirá o uso de feixes de nêutrons para análise de materiais, impulsionando a inovação na indústria e na ciência. O reator também será crucial para testar e qualificar os combustíveis nucleares usados nas usinas de Angra, nos futuros submarinos da Marinha e em novas tecnologias, como os Pequenos Reatores Modulares (SMRs). As obras de infraestrutura do projeto foram iniciadas em fevereiro de 2025, com financiamento garantido pelo Novo PAC.
A fonte de urânio que alimenta o presente e o futuro nuclear do Brasil
Em Caetité, no sertão baiano, funciona a única mina de urânio em atividade no Brasil. Operada pela INB, a Unidade de Concentração de Urânio (URA) é a fonte de todo o yellowcake (concentrado de urânio) que abastece as usinas de Angra 1 e Angra 2. Em 2025, a mina opera com a missão de também suprir as futuras necessidades do reator multipropósito brasileiro.
O potencial geológico da região é vasto. O Brasil possui cerca de 5% das reservas mundiais de urânio, e estudos indicam que a área ao redor de Caetité tem grande potencial inexplorado. Cerca de 70% da região com características geológicas favoráveis ainda estão disponíveis para novas concessões, o que pode garantir o futuro da mineração de urânio no país por décadas.
A complexa questão socioambiental da mineração de urânio
Apesar de sua importância, a mineração em Caetité é cercada de polêmicas. Um histórico de acidentes, incluindo vazamentos de licor de urânio, e estudos que apontam contaminação da água subterrânea na região geram preocupação entre as comunidades locais. A mina opera em uma área de escassez hídrica, criando um conflito pelo uso da água.
Relatos e estudos acadêmicos também associam a atividade a um aumento de casos de câncer na população do entorno. Em resposta, a INB afirma que seu monitoramento não detectou alterações significativas que possam ser atribuídas às suas operações. Diante do cenário, o IBAMA intensificou a fiscalização na mina a partir de 2023, buscando garantir o cumprimento das licenças e a segurança ambiental.
A jornada do Brasil para dominar a tecnologia do combustível nuclear
A busca pela autossuficiência é uma política de Estado, consolidada no Decreto N.º 9.600/2018. O Brasil já domina etapas complexas do ciclo do combustível, como a tecnologia de enriquecimento de urânio por ultracentrifugação, realizada em Resende (RJ). No entanto, uma peça-chave ainda falta para fechar o ciclo do combustível em escala industrial.
O país ainda depende do exterior para converter o yellowcake em gás (UF₆), a forma necessária para o enriquecimento. Para sanar essa lacuna, está em desenvolvimento o projeto da Unidade de Produção de Hexafluoreto de Urânio (USEXA), em São Paulo. Com essa planta, o Brasil dominará todas as etapas, da mina ao reator. Recentemente, a INB também foi autorizada a exportar urânio enriquecido, um sinal de maturidade e da intenção de se inserir no mercado global.
O futuro do programa nuclear, da gestão de resíduos à expansão com novas usinas
Com a operação das usinas atuais e os planos de expansão do setor, a gestão dos resíduos radioativos se torna um desafio central. O Plano Nacional de Energia 2050 prevê a construção de 8 a 10 novas usinas nucleares. Para lidar com os rejeitos, o governo desenvolve o projeto do Centro Tecnológico Nuclear e Ambiental (CENTENA).
Com previsão de operacionalização para 2028, o CENTENA será o repositório definitivo para os resíduos radioativos do país. O projeto, desenvolvido com consultoria internacional, é crucial para a sustentabilidade de longo prazo e para a aceitação pública do programa nuclear. O sucesso dessa e de outras iniciativas dependerá de um compromisso firme com a segurança, a transparência e o desenvolvimento sustentável.