Brasil e China fecham swap cambial de R$ 157 bi, ampliam uso do yuan e colocam pressão inédita sobre a supremacia global do dólar.
Em maio de 2025, o Banco Central do Brasil anunciou um acordo histórico com o Banco Popular da China: um swap cambial equivalente a R$ 157 bilhões (US$ 27,7 bilhões), válido por cinco anos. A operação, à primeira vista técnica, é na verdade um marco geopolítico. Mais do que garantir liquidez em situações de crise, o swap acelera o uso do yuan no comércio bilateral e sinaliza ao mundo que o Brasil está disposto a diversificar sua dependência do dólar.
Esse movimento coloca o país no centro da disputa entre duas potências: de um lado, os Estados Unidos, que ainda dominam 80% das transações globais com sua moeda; do outro, a China, que busca consolidar o yuan como referência internacional em contratos de energia, commodities e tecnologia.
O que é um swap cambial — e por que esse importa tanto
Um swap cambial é um acordo entre dois bancos centrais que permite a troca de moedas por um valor pré-determinado, funcionando como um “colchão de liquidez”.
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Se uma crise cambial atingir o Brasil, por exemplo, o Banco Central pode recorrer ao yuan diretamente, sem depender de dólares intermediários.
No entanto, o acordo de 2025 não é apenas uma linha de defesa contra crises. Ele reflete a estratégia chinesa de ampliar o uso de sua moeda no comércio global e criar alternativas ao sistema financeiro dominado por Washington. Para o Brasil, abre-se a oportunidade de reduzir custos de transação, dar mais competitividade ao agronegócio e à mineração, e aumentar a resiliência em tempos de instabilidade cambial.
O peso da China no comércio brasileiro
A relevância do yuan cresce porque a China já é, há mais de uma década, o principal parceiro comercial do Brasil. Em 2024, o comércio bilateral somou US$ 157 bilhões, com superávit recorde para os brasileiros.
Produtos como soja, minério de ferro, petróleo e carne representaram a maior parte das exportações, enquanto o Brasil importou principalmente insumos industriais e tecnologia.
O dado mais simbólico é que, no primeiro trimestre de 2025, 41% do comércio entre Brasil e China já foi liquidado em yuan, um índice histórico. Isso significa que empresas brasileiras estão pagando e recebendo diretamente na moeda chinesa, sem precisar passar pelo dólar — algo impensável há poucos anos.
O alerta de Washington
Nos Estados Unidos, o avanço do yuan é visto como um desafio direto à supremacia do dólar. A moeda americana ainda domina as reservas internacionais e é usada em cerca de 80% das transações de câmbio.
Mas cada acordo que fortalece o yuan em países estratégicos — como Brasil, Rússia, Arábia Saudita e Emirados Árabes — é interpretado como um passo na erosão lenta, porém consistente, da hegemonia americana.
Autoridades em Washington já expressaram preocupação. O temor é que, ao reduzir a dependência do dólar, países como o Brasil também diminuam sua vulnerabilidade a sanções e pressões financeiras dos EUA, criando uma rede paralela de transações globais.
Europa em compasso de espera
Se os EUA soam o alarme, a União Europeia observa com cautela. Bruxelas teme que, ao fortalecer acordos financeiros com a China, o Brasil deixe de priorizar negociações com o bloco europeu — que já sofre desgaste nas conversas sobre o acordo Mercosul–UE.
Além disso, a transição para moedas alternativas no comércio global ameaça a competitividade das empresas europeias, que operam sob regras mais rígidas e menos flexíveis do que as chinesas.
Conexão com os BRICS e a desdolarização
O swap não pode ser analisado isoladamente. Ele é parte de uma estratégia mais ampla dos BRICS, que vêm discutindo há anos alternativas ao dólar.
Em 2024, o grupo anunciou a expansão para incluir Arábia Saudita, Egito e Irã, e reforçou o debate sobre o BRICS Pay, um sistema de pagamentos que permitiria transações multilaterais em moedas locais.
Embora a criação de uma “moeda única dos BRICS” ainda pareça distante, a soma de acordos bilaterais, como o swap Brasil–China, constrói na prática um sistema multipolar de pagamentos, onde o dólar perde espaço gradualmente.
Os impactos diretos no Brasil
Para o Brasil, os efeitos imediatos do swap são claros:
- Agronegócio: exportadores de soja, carne e açúcar terão mais facilidade para fechar contratos em yuan, reduzindo custos e volatilidade.
- Mineração: o minério de ferro e o níquel, vendidos em larga escala para a China, podem ser liquidados em moeda chinesa, facilitando operações de longo prazo.
- Energia: com os novos projetos de petróleo e hidrogênio verde, o yuan pode se tornar referência em contratos energéticos.
- Sistema financeiro: bancos brasileiros ganham acesso direto a reservas em yuan, fortalecendo a estabilidade cambial em tempos de turbulência.
O risco da nova dependência
Mas nem tudo são vitórias. Economistas alertam que trocar a dependência do dólar por uma dependência do yuan pode gerar novos problemas.
A moeda chinesa ainda não é totalmente conversível, e o mercado financeiro do país continua sob forte controle estatal. Isso significa que, em cenários de crise, o acesso ao yuan pode depender mais de decisões políticas de Pequim do que de mecanismos automáticos de mercado.
Em outras palavras: o swap amplia a autonomia frente aos EUA, mas pode aumentar a vulnerabilidade frente à China.
Especialistas divergem sobre até onde o yuan pode avançar. Alguns acreditam que, sem abertura plena do sistema financeiro chinês, ele dificilmente substituirá o dólar. Outros, porém, apontam que não é necessário substituir para desafiar: basta conquistar fatias crescentes do comércio global.
Com o Brasil como parceiro estratégico, a China mostra que está disposta a usar diplomacia, investimentos e finanças para fortalecer sua moeda. Cada contrato assinado em yuan é uma vitória simbólica e prática na disputa pelo futuro do sistema monetário internacional.
Yuan, dólar e real
O acordo de R$ 157 bilhões coloca o Brasil no epicentro de uma batalha monetária que definirá as próximas décadas. Ao mesmo tempo em que amplia suas opções e reduz custos, o país também se aproxima ainda mais da órbita de Pequim.
A grande questão é: o Brasil será capaz de usar o swap como trunfo estratégico, diversificando suas parcerias sem se prender a um único polo de poder? Ou estará apenas trocando uma dependência histórica pelo risco de uma nova armadilha financeira?
De qualquer forma, uma coisa é certa: em 2025, o Brasil deixou de ser apenas observador para se tornar protagonista da disputa global entre dólar e yuan.