Mesmo em meio à crise climática, o Brasil está ampliando sua produção de gás natural, com investimentos que podem atingir R$ 94,6 bilhões nos próximos anos. Saiba mais sobre essa estratégia energética
A seca histórica que o Brasil enfrenta tem causado preocupações em diversos setores, principalmente na oferta de energia. A queda nos reservatórios das hidrelétricas, que representam a principal fonte de energia do país, vem forçando o governo a buscar alternativas para garantir o fornecimento. Uma dessas alternativas é o gás natural, que está sendo colocado no centro das atenções para suprir a demanda energética.
Recentemente, o governo brasileiro anunciou uma série de medidas para ampliar a produção de gás natural, buscando diminuir a dependência externa e fortalecer a segurança energética. Contudo, essa estratégia não está isenta de críticas.
O papel do gás natural no Brasil
A aposta do governo no gás natural tem como base sua acessibilidade e a capacidade de garantir um fornecimento estável, especialmente em um momento de crise hídrica. Segundo o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, as medidas visam aumentar a disponibilidade do recurso, reforçando a produção nacional e reduzindo a dependência de importações.
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Para isso, um decreto governamental foi assinado no final de agosto de 2023, que promete baratear o gás natural por meio de um “choque” de oferta. A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) recebeu mais poderes para aumentar a produção em campos de petróleo e gás que já estão em desenvolvimento.
Essa nova diretriz busca não apenas evitar possíveis crises energéticas, mas também melhorar o aproveitamento das reservas de gás natural do Brasil. De acordo com Sylvie D´Apote, diretora executiva de gás do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), o gás natural é uma fonte segura e viável no cenário energético atual do Brasil. No entanto, ela reconhece que a transição para fontes de energia mais limpas, como o hidrogênio verde, levará tempo, tornando o gás uma solução temporária necessária.
Críticas ao uso do gás natural
Apesar das justificativas do governo e de especialistas do setor, o aumento do investimento no gás natural enfrenta oposição, principalmente de ambientalistas e especialistas em clima. Carolina Marçal, coordenadora de projetos do Instituto ClimaInfo, aponta que a expansão do uso de combustíveis fósseis, como o gás natural, pode atrasar a transição para energias limpas.
Segundo ela, os incentivos ao gás podem gerar um bloqueio de investimentos no setor elétrico, além de aumentar os custos da eletricidade e contribuir para a intensificação da crise climática.
Outra preocupação levantada por Marçal é a possibilidade de o governo permitir o uso do fracking, uma técnica de extração de gás e petróleo altamente criticada por seus impactos ambientais.
Países como Alemanha e Reino Unido já baniram o fracking devido aos seus riscos, mas a prática ainda é cogitada no Brasil. Regiões como Amazonas, Pará, Piauí e Maranhão são apontadas como áreas com potencial para extração de gás por fraturamento hidráulico, e as empresas do setor já demonstraram interesse em explorar essas reservas.
Avanços no setor de gás natural
Apesar das críticas, o setor de gás natural no Brasil está em plena expansão. Segundo estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), os investimentos nesse setor podem alcançar R$ 94,6 bilhões nos próximos anos.
Um exemplo é o Gasoduto Rota 3, que visa aumentar o escoamento do gás da Bacia de Santos, com inauguração prevista para breve. Além disso, o Projeto Sergipe Águas Profundas (SEAP), na Bacia de Sergipe-Alagoas, está programado para começar suas operações em 2028.
Mesmo com esses avanços, o Brasil ainda depende significativamente da importação de gás natural para suprir sua demanda. Embora a produção nacional tenha alcançado um recorde de 150 milhões de metros cúbicos por dia em 2023, o país ainda importa cerca de 17,7 milhões de metros cúbicos diários, principalmente da Bolívia e dos Estados Unidos.
Desafios e perspectivas
O cenário energético do Brasil é complexo e cheio de desafios. A dependência do gás natural para garantir o fornecimento de energia em um momento de crise hídrica é uma solução temporária, mas necessária, segundo os especialistas.
No entanto, há um ceticismo generalizado sobre a eficácia das recentes medidas do governo para baratear o preço do gás natural e garantir sua oferta. Para Vínicius Romano, especialista em gás natural da América Latina na consultoria Rystad Energy, as medidas anunciadas até agora tiveram impacto limitado nos negócios e na produção doméstica.
Romano alerta que a produção de gás natural no Brasil está intimamente ligada à produção de petróleo. Se o governo tentar equilibrar o mercado de gás reduzindo a produção, isso pode impactar negativamente os investimentos em petróleo, comprometendo a atratividade de novos projetos e as receitas geradas pelo setor.
Ainda assim, há uma expectativa de que o aumento da oferta de gás natural possa, de fato, reduzir os preços para os consumidores a médio prazo. Contudo, os desafios de uma transição energética sustentável e os riscos ambientais associados ao fracking e ao uso de combustíveis fósseis continuam a ser questões que exigem um olhar cuidadoso para o futuro energético do Brasil.