Trecho central da BR-319 concentra disputa entre desenvolvimento e preservação, expondo comunidades amazônicas a dilemas de infraestrutura, impactos ambientais e governança, com risco elevado de desmatamento e emissões de gases de efeito estufa.
O trecho de 52 km no “meio” da BR-319 mantém, há décadas, a rodovia que liga Manaus (AM) a Porto Velho (RO) no centro de uma disputa entre desenvolvimento e conservação.
Entre as comunidades ribeirinhas, o desejo de mobilidade convive com o alerta de 8 bilhões de toneladas de CO₂ e a pressão sobre 6 milhões de hectares de terras públicas e áreas protegidas se a obra avançar sem salvaguardas.
A pavimentação da BR-319 aparece como promessa de preços menores e acesso a serviços, mas também como vetor de desmatamento, grilagem e conflitos fundiários.
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Em Santo Antônio do Mamori (AM), 58 famílias vivem essa contradição no cotidiano.
A líder comunitária Nilcinha Amaral apoia a estrada, mas cobra planejamento.
“A gente sabe que vai facilitar a vinda de grãos, o acesso aos alimentos, como carne e frango.
Aí pergunto: qual o projeto que está sendo feito para isso?
O que contempla?
Qual a segurança que nós, que moramos no entorno da BR, temos para nos prevenir desse impacto?
Quais são os projetos que vêm atender essas comunidades?”
O que está em jogo nos 52 km
A obra se concentra no trecho do meio, envolto por Unidades de Conservação e terras indígenas.
Segundo estudos acadêmicos, a reabertura e a pavimentação podem liberar 8 bilhões de toneladas de CO₂, montante comparado a mais de duas décadas de desmatamento na Amazônia.
Por que um segmento tão curto gera tanto debate?
Porque estradas na floresta tendem a abrir “ramais”, facilitando ocupações ilegais e acelerando o desmate.
Para organizações ambientais e redes da sociedade civil, a pavimentação da BR-319 contraria metas como desmatamento zero até 2030 e compromissos climáticos assumidos pelo Brasil.
Ao mesmo tempo, moradores pedem que a obra avance com condicionantes claras, fiscalização efetiva e serviços públicos básicos no território.
Vozes da BR-319
Raquel Bastos, da ONG Casa do Rio, resume o sentimento local.
“As pessoas querem, mas de forma que garanta a permanência desses povos da floresta, da fauna e da flora.
Aqui no território, a gente, que convive com as comunidades, vê que é muito difícil quem não queira a pavimentação.”
A diretora-executiva da mesma organização, Eliane Soares, aponta para os efeitos colaterais da circulação.
“A partir do momento em que a gente faz esse asfaltamento, em que a gente faz essa veia funcionar 100%, vai haver mais trafegabilidade, as pessoas vão migrar dessas margens dos rios para a beira da estrada.
O que me deixa mais indignada é o que vai ser feito em relação a isso, para mitigar esses problemas.”
Impasse jurídico e licenciamento
O futuro do asfaltamento da BR-319 oscila entre licenças e embargos desde o início dos anos 2000.
Em julho de 2025, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) reativou os efeitos de uma liminar que suspende a licença prévia emitida em 2022 pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Antes, em outubro de 2024, a liminar havia sido derrubada, liberando a retomada das frentes de serviço, meses depois de a 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária do Amazonas ter barrado a licença por “riscos de danos irreversíveis”.
Para Suely Araújo, coordenadora no Observatório do Clima, o asfaltamento tende a explodir o desmatamento por causa de acessos laterais e invasões.
Ela condiciona qualquer avanço a um pacote de governança ambiental que inclua regularização fundiária, destinação de florestas públicas, desenvolvimento regional e consolidação das Unidades de Conservação.
Sem isso, afirma, não há base técnica para uma nova licença prévia.