Justiça flexibiliza regra do BPC: decisões de 2024 e 2025 garantem benefício a crianças com autismo mesmo com renda acima do limite, com base no STF.
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei nº 8.742/1993), é um dos pilares de proteção social do país. Ele assegura um salário mínimo a idosos a partir de 65 anos e a pessoas com deficiência de qualquer idade em situação de vulnerabilidade. Por muitos anos, o acesso ficou preso ao critério objetivo de renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Mas a jurisprudência evoluiu: quando a letra fria da lei colide com a dignidade humana — sobretudo em quadros de deficiência que impõem custos elevados —, o critério pode ser flexibilizado.
Essa virada ficou cristalina em decisões recentes com datas e contextos bem definidos: em 11 de dezembro de 2024, a 17ª Vara Federal de Porto Alegre concedeu BPC a menina autista mesmo com renda formal acima do limite; em 1º de abril de 2025, a Décima Turma do TRF-3 confirmou o benefício a criança com TEA em situação de vulnerabilidade; e, em 14 de maio de 2025, a Justiça Federal de Santa Maria (RS) julgou procedente o pedido de BPC a uma criança com autismo, reforçando o caminho já aberto pela jurisprudência.
As decisões que moldam o entendimento
- 11/12/2024 – 17ª Vara Federal de Porto Alegre (RS): sentença garante BPC a menina com TEA apesar de a renda per capita superar o parâmetro legal. O fundamento central foi a constatação, no caso concreto, de que os gastos mensais com terapias, consultas e medicamentos tornavam a família vulnerável, relativizando o critério econômico.
- 01/04/2025 – TRF-3 (Décima Turma): o tribunal confirma condenação do INSS para conceder BPC a criança com autismo. Embora a narrativa administrativa apontasse renda familiar superior, o colegiado valorizou a realidade efetiva do sustento: o genitor que constava como fonte de renda não residia com a menor nem contribuía para o custeio cotidiano.
- 14/05/2025 – Justiça Federal de Santa Maria (RS): procedência do pedido de BPC a criança com Síndrome do Espectro Autista, reforçando que a vulnerabilidade social e as despesas extraordinárias com cuidado especializado autorizam o afastamento da rigidez aritmética.
Há também um precedente próximo no TRF-4: em 1º de julho de 2024, a corte manteve BPC a gaúcha com autismo, destacando que a carência econômica pode ser demonstrada além do número fixo de renda, quando a prova dos autos revela vulnerabilidade.
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Por que o critério de renda não é absoluto
A guinada tem raiz constitucional e foi pavimentada em 2013 pelo Supremo Tribunal Federal. Em 18/04/2013, no RE 567.985 (MT) e na Rcl 4.374 (PE), o STF reconheceu que o parâmetro de ¼ do salário mínimo não pode ser aplicado de forma automática e inflexível, devendo o Judiciário considerar outros elementos de prova de vulnerabilidade (gastos de saúde, terapias, medicamentos, estrutura familiar, exclusões de rendas legais etc.).
Desde então, o STJ e os Tribunais Regionais Federais vêm consolidando decisões que flexibilizam a renda quando a realidade social evidencia necessidade, inclusive em casos de autismo — quadro que geralmente exige terapias multidisciplinares e acompanhamento contínuo.
Autismo e custo de cuidado: o dado que a renda bruta não enxerga
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) demanda, com frequência, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia, acompanhamento pedagógico especializado e, em muitos casos, medicação.
Mesmo com SUS e planos de saúde, parte relevante das terapias permanece fora da cobertura, gerando desembolso direto.
Não é incomum que esses custos superem alguns milhares de reais por mês — algo que desconfigura, na prática, o aparente “conforto” medido por uma renda formal levemente acima de ¼ do salário mínimo.
É justamente esse descompasso entre renda nominal e despesa real que tem levado a Justiça, desde 2013, a aceitar a prova da vulnerabilidade como elemento apto a abrir a porta do BPC, inclusive para crianças autistas.
Passo a passo: como famílias de crianças com TEA podem pedir o BPC
- CadÚnico atualizado — inscrição e atualização são obrigatórias para benefícios assistenciais.
- Requerimento no INSS — pode ser feito pelo Meu INSS (app/site) ou presencialmente.
- Documentação médica robusta — laudos com CID, histórico de terapias, relatórios de profissionais (fono, TO, psicologia), prescrições, recibos e notas fiscais;
- Avaliação social — o estudo social é crucial para demonstrar as despesas extraordinárias e a organização familiar do cuidado;
- Judicialização (se necessário) — caso o INSS negue com base apenas no ¼ do salário mínimo, a via judicial permite relativizar o critério com provas do caso concreto, como fizeram as decisões de 11/12/2024, 01/04/2025 e 14/05/2025 acima.
Outros pontos jurídicos que ajudam na análise de renda (com respaldo datado)
- Exclusões no cálculo: a jurisprudência dos TRFs tem reafirmado a exclusão de determinados benefícios (p.ex., até um salário-mínimo recebido por idoso) do cálculo de renda familiar do BPC, o que pode rebaixar a renda per capita e abrir o direito ao benefício.
- Prestação social não computável: decisões recentes no TRF-3, como a de 02/09/2025, indicam que auxílios assistenciais como o Bolsa Família não devem compor a renda para negar BPC, reforçando a proteção social.
O que essas decisões significam na prática
A combinação entre a tese do STF de 2013 e os casos de 2024–2025 forma um caminho claro: não basta somar salários; é preciso olhar para a vida real.
Quando a família prova gastos recorrentes e inadiáveis com terapias de TEA, deslocamentos, medicamentos e adaptações, a renda per capita “de planilha” deixa de revelar a verdadeira vulnerabilidade — e o BPC pode e deve ser concedido.
Foi assim em Porto Alegre (11/12/2024), quando o juízo reconheceu o descompasso entre renda e custo do cuidado; foi assim em São Paulo (01/04/2025), quando o TRF-3 constatou que a renda atribuída ao pai não financiava a vida da criança; e foi assim em Santa Maria (14/05/2025), quando o Judiciário aceitou a prova concreta da necessidade.
Para onde vamos a partir daqui
Esses julgados, próximos no tempo e marcados por datas precisas, devem orientar novas análises do INSS e novas sentenças.
Ao mesmo tempo, pressionam o Legislativo a atualizar a LOAS ou a regulamentação infralegal, alinhando os critérios administrativos à realidade social que a Justiça já reconhece desde 2013.
Enquanto isso, famílias de crianças com TEA que não conseguiram o BPC na via administrativa têm amparo jurídico para buscar o benefício na Justiça, desde que documentem cuidadosamente a condição clínica e a economia doméstica real — não apenas a renda bruta.
BPC e autismo: decisões com datas que importam
- STF (18/04/2013) relativiza o ¼ do salário mínimo (RE 567.985/Rcl 4.374) e abre a porta para análise do caso concreto.
- TRF-4 (01/07/2024) mantém BPC a mulher com autismo, reforçando prova de vulnerabilidade além da renda.
- 17ª Vara Federal de Porto Alegre (11/12/2024) concede BPC a menina autista, mesmo com renda acima do limite.
- TRF-3 (01/04/2025) confirma BPC a criança com TEA e vulnerabilidade comprovada.
- Justiça Federal de Santa Maria (14/05/2025) concede BPC a criança com autismo, diante de despesas extraordinárias.