A fraude volumétrica, conhecida como “bomba burra”, manipula os mostradores das bombas de combustível, fazendo o motorista pagar mais do que realmente recebe no tanque. Investigações mostram que o esquema envolve facções criminosas e movimenta bilhões.
A chamada “bomba burra”, nome usado para designar a fraude volumétrica em postos, faz o consumidor pagar por um volume maior do que o combustível que efetivamente entra no tanque.
O método, descrito pelo Instituto Combustível Legal (ICL) e identificado em diferentes regiões do país, ocorre no próprio equipamento de abastecimento, onde o mostrador exibe números que não correspondem à realidade.
Enquanto autoridades investigam a infiltração de facções em toda a cadeia do setor, motoristas relatam perdas diárias de litros que somem sem deixar rastro no tanque.
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Como opera a fraude volumétrica
O golpe acontece na bomba. Módulos eletrônicos instalados no equipamento alteram a contagem do volume. O que aparece no visor, portanto, não é a quantidade real despejada no veículo.
Segundo o diretor executivo do ICL, Carlo Faccio, aferições realizadas pela entidade chegaram a detectar “inconformidades que chegam a 31% [do volume]”.
No jargão do mercado, esses equipamentos são chamados de “bombas chipadas” ou “bombas burras”. Além da adulteração digital, há controle remoto do sistema por controle ou aplicativo.
Se houver risco de fiscalização, o software pode ser desligado em segundos, fazendo a bomba operar dentro do padrão naquele momento.
Por essa razão, a fraude costuma atuar em margens pequenas por abastecimento, o suficiente para passar despercebida na maioria das vezes, mas lucrativa quando repetida ao longo do dia.
Auditoria em campo e indícios práticos
Para mapear irregularidades, o ICL utiliza o “cliente misterioso”: um veículo que abastece anonimamente e faz medições de quantidade e qualidade.
Somente em 2025, segundo a entidade, foram realizadas mais de 2 mil visitas a postos, com cerca de 700 denúncias por fraude e adulteração.
Embora nem toda suspeita resulte em sanção, os dados sugerem que a fraude volumétrica é disseminada e se soma a outros ilícitos no segmento.
No atendimento, há pistas que ajudam a desconfiar. Diferenças entre capacidade do tanque e o volume registrado, insistência para vender por valor e não por litros, além de preços muito abaixo da média local, acendem alerta.
Em paralelo, práticas como vender gasolina comum como aditivada ou forçar pagamento em maquininhas específicas também aparecem em relatos de fiscalizações e denúncias setoriais.
O que o motorista pode fazer
Conhecer a capacidade do tanque é um primeiro passo para confrontar valores exibidos.
Ainda assim, como a manipulação costuma ser discreta, a contestação no ato do abastecimento nem sempre é simples. A orientação do ICL é replicar o procedimento da fiscalização: pedir por litros.
“Em vez de pedir R$ 150 de gasolina, peça 20 litros. É a melhor alternativa”, afirmou Carlo Faccio.
Ao selecionar uma quantidade fixa, alguns artifícios eletrônicos perdem eficácia, e o consumidor ganha parâmetro mais claro para comparar volume contratado e autonomia real do veículo.
Em caso de suspeita, vale guardar a nota fiscal, anotar data e horário, salvar o cupom da bomba e, se possível, registrar o odômetro.
Com esse conjunto, fica mais fácil formalizar denúncia em canais oficiais e produzir evidências para nova verificação técnica.
Infiltração do crime organizado no setor
As investigações recentes indicam que o problema não se limita à ponta do posto.
Inquéritos da Polícia Federal e de outros órgãos mostram que o Primeiro Comando da Capital (PCC) se infiltrou na cadeia de combustíveis, com participação em usinas de etanol, transportadoras, distribuidoras e postos espalhados por oito estados.
O avanço incluiu o uso de fintechs e fundos de investimento na região da Avenida Faria Lima, em São Paulo, para lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio.
Entre 2020 e 2024, esse arranjo teria movimentado R$ 52 bilhões, segundo as apurações. Não foi só o PCC.
Em outras frentes, investigações relacionaram o Comando Vermelho e milícias a postos clandestinos que aplicavam práticas semelhantes de adulteração e fraude de medição.
Em meio às diligências, a Justiça expediu 350 mandados de busca e apreensão contra pessoas físicas e jurídicas, e a Receita Federal deflagrou a Operação Carbono Oculto para atacar toda a cadeia — da produção à comercialização.
Adulteração do produto e riscos ao motor
Além da fraude volumétrica, a adulteração do produto amplia o prejuízo. A PF relatou gasolina com teor de etanol acima do limite legal, além do retorno do metanol à mistura — um composto corrosivo e tóxico, de baixo custo e alto risco, capaz de causar danos sérios ao motor.
No etanol, a prática mais comum é a adição de água, que reduz a octanagem e compromete o desempenho.
Em termos práticos, o motorista paga por um combustível “pior” e ainda corre o risco de enfrentar falhas mecânicas e aumento de consumo.
A fraude volumétrica, nesse contexto, funciona como peça complementar: ela maximiza a margem de quem já lucra com produto adulterado e dificulta a rastreabilidade do dinheiro.
De litro em litro, o valor adicional cobrado sem entrega equivalente vira caixa sem lastro, propício para lavagem.
Por que é difícil flagrar
Mesmo com equipes de fiscalização, o flagrante esbarra em três fatores. Primeiro, a furtividade: manipulações tendem a poucos litros por operação.
Segundo, a desativação remota do artifício, que pode ser desligado assim que surge qualquer indício de inspeção.
Terceiro, a discrepância natural do consumo, que varia com trânsito, relevo, calibragem e manutenção, gerando ruído na comparação do motorista comum entre o que pagou e o que rodou.
Ainda assim, o conjunto de indícios estruturais — equipamentos “chipados”, controle remoto, volumes inconsistentes e cadeias empresariais articuladas — sustenta a necessidade de fiscalização constante e de denúncia sempre que houver suspeita razoável.
Empresas, alvos e desdobramentos
As investigações miraram companhias com atuação em usinas, formulação, distribuição e rede de postos, como o Grupo Aster/Copape.
Também foram citadas a fintech BK Bank, apontada como instrumento para movimentar recursos ilícitos, e a gestora Reag, relacionada, segundo as apurações, a aquisições de usinas e distribuidoras.
O número de fundos de investimento sob suspeita chega a pelo menos 40, e as medidas judiciais incluem bloqueio de bens e apreensões em endereços corporativos e residenciais.
As empresas mencionadas negam irregularidades e afirmam colaborar com as autoridades.
Enquanto o processo avança, motoristas seguem expostos a duas camadas de risco: pagar mais do que recebem no bico da bomba e abastecer com combustível irregular.
Qual estratégia você já adota ou pretende adotar para conferir, na prática, se o volume abastecido corresponde ao que a bomba registrou?