Estudo do Ipea avalia impacto do piso de R$ 600 do Bolsa Família na participação e na formalização, com recortes por gênero, região e ocupação, e compara achados com outras pesquisas que estimam efeitos distintos sobre o mercado de trabalho.
Efeito do Bolsa Família de R$ 600 na força de trabalho
O aumento do piso do Bolsa Família para R$ 600 produziu um efeito mensurável, porém limitado, na saída de beneficiários da força de trabalho, concentrado sobretudo em pessoas com inserção já frágil no mercado.
A conclusão é de uma nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que estimou queda entre 2,2 e 4,7 pontos percentuais na probabilidade de participação de quem já recebia o benefício quando o valor subiu de R$ 400 para R$ 600, em agosto de 2022.
O estudo também indica nenhum impacto na formalização e efeito desprezível em horas trabalhadas.
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Em termos de contrafactual, o Ipea calcula que, na ausência do aumento, a taxa de participação dos beneficiários acompanhados no painel estaria 3,2 pontos percentuais acima do observado após a mudança, com ajuste localizado entre quem já estava à margem do mercado.
Metodologia com PNAD Contínua em painel
A análise usa os microdados da PNAD Contínua em painel.
Essa base acompanha os mesmos domicílios por cinco trimestres consecutivos.
Essa característica permite comparar beneficiários antes e depois da mudança e confrontá-los com um grupo de perfil semelhante que não recebia o programa.
Com isso, os autores isolam o choque de renda do restante do cenário macroeconômico.
Perfil de quem saiu da força de trabalho
O perfil de quem deixou a força de trabalho após o novo piso reforça a ideia de um efeito concentrado nos mais vulneráveis.
Desocupados de longa duração aparecem sobrerepresentados entre os que saíram, com 28,5% contra 16,7% no conjunto de beneficiários.
Também ficam sobre-representados trabalhadores domésticos sem carteira (11,4% vs. 9,4%) e trabalhadores familiares auxiliares (6,5% vs. 4,1%).
Já assalariados com carteira (CLT) quase não aparecem entre os que saíram, com 3,9% frente 12,6% no universo de beneficiários.
O recorte sociodemográfico mostra que mulheres foram mais afetadas, com 61% dos que saíram ante 43% do total.
O impacto é maior entre mães com crianças de até 10 anos (38% vs. 24%).
Há maior incidência entre moradores do Nordeste (59% vs. 48%) e da zona rural (34% vs. 25%).
Entre os motivos declarados para a inatividade, 34,4% citaram a necessidade de “cuidar dos afazeres domésticos, do(a) filho(a) ou de outro(a) parente”.
Contexto da PEC das Bondades e Auxílio Brasil
A elevação temporária do piso para R$ 600 ocorreu em agosto de 2022, quando o programa ainda se chamava Auxílio Brasil.
A medida integrou a chamada PEC do “estado de emergência”, aprovada no Congresso.
A proposta autorizou gasto adicional com transferências e auxílios em ano eleitoral, incluindo reforço ao vale-gás e pagamentos a caminhoneiros e taxistas.
O pacote ficou conhecido como “PEC das Bondades” ou “PEC Kamikaze”.
Participação e mercado de trabalho no pós-pandemia
A taxa de participação brasileira permanece ligeiramente abaixo do patamar pré-pandemia, com sinais de estabilidade em 2025.
Em agosto de 2025, a participação ficou em 62,3%, estável na comparação anual e levemente abaixo de julho na série com ajuste sazonal.
Em paralelo, a desocupação atingiu mínimas históricas ao longo do terceiro trimestre de 2025, enquanto a subutilização segue em queda.
Esses movimentos contextualizam o debate.
A participação não voltou integralmente ao nível de 2019, mas o emprego avançou de forma consistente desde 2021.
Outros estudos e divergências metodológicas
A literatura anterior à pandemia indicava efeitos nulos ou muito pequenos das transferências na oferta de trabalho.
Com a elevação do valor médio e a ampliação do público, novas estimativas passaram a apontar impactos mais fortes em nichos específicos.
Daniel Duque (FGV Ibre) estimou, para o grupo que se tornou elegível em 2023 devido ao ajuste na linha de renda, queda de 11% na taxa de participação em relação a um grupo comparável que permaneceu inelegível.
O pesquisador também encontrou reduções de 12% na ocupação e 13% no emprego formal, com efeitos concentrados em homens e, sobretudo, jovens.
No Blog do Banco Central, Leandro Siani Pires e Fábio José Ferreira da Silva sugerem que a expansão de benefícios pode ter efeito agregado “não negligenciável” sobre a participação.
Ao mesmo tempo, reconhecem que também houve queda entre não beneficiários, o que aponta para fatores adicionais além do programa.
Ajustes no desenho do programa
Ainda que considerem pequeno o efeito do novo patamar sobre a oferta de trabalho, os autores defendem aperfeiçoamentos no desenho do Bolsa Família.
A recomendação é direcionar melhor os recursos e mitigar saídas entre quem está em ocupações muito precárias.
A proporcionalidade do benefício ao tamanho e à composição do domicílio é um ponto central.
Reforçar parcelas variáveis por criança e ajustar o piso básico tende a reduzir distorções.
A medida alinha o programa ao objetivo de combate à pobreza infantil e de investimento em capital humano.
Dimensão e orçamento do Bolsa Família
O alcance do programa segue elevado. Em agosto de 2025, 19,19 milhões de famílias receberam o Bolsa Família, com benefício médio em torno de R$ 671 no mês.
No plano orçamentário, a LOA de 2025 previu cerca de R$ 158 bilhões para o programa.
O valor de 2024 ficou na casa de R$ 168,6 bilhões. Esses números ajudam a dimensionar a mudança de escala frente ao período anterior a 2019.