Solução sustentável e limpa, o biometano impulsiona Manaus com energia renovável, reduz lixo, fortalece a economia local e contribui para a descarbonização.
A cidade de Manaus, conhecida por sua riqueza natural e posição estratégica no coração da Amazônia, está passando por uma transformação silenciosa e promissora. Por décadas, a capital enfrentou sérios problemas ambientais com o descarte inadequado de resíduos e a dependência de fontes fósseis para geração de energia.
Entretanto, atualmente, o biometano começa a mudar esse cenário.
O Amazonas conviveu, historicamente, com lixões a céu aberto. Em comparação com outras regiões, cerca de 92% dos municípios ainda adotam esse destino inadequado para seus resíduos. Enquanto isso, estados como São Paulo e Santa Catarina já eliminaram essa prática.
-
EUA ampliam cooperação com o Brasil no hidrogênio verde para não perder espaço para China e Europa: Casa Branca mira projetos bilionários de energia limpa e aposta em acordos estratégicos para dominar a transição energética
-
Brasil pode liderar exportações globais de hidrogênio verde até 2030, mas especialistas alertam: ‘risco de repetir o erro histórico do minério e virar apenas fornecedor barato’ para Europa e China
-
Do sertão para o mundo: multinacionais da Europa, China e Austrália investem bilhões em usinas solares e eólicas no Nordeste para transformar vento e sol em hidrogênio verde e colocar o Brasil na vitrine global da energia limpa
-
Portos de Pecém e Suape passam por transformação bilionária para exportar hidrogênio verde. Obras, usinas e contratos prometem colocar Brasil no centro da revolução energética
Esse modelo, por sua vez, causa impactos diretos no solo, contamina águas subterrâneas e agrava problemas de saúde pública.
Além disso, Manaus depende fortemente de gás natural transportado desde Coari, a centenas de quilômetros. Essa logística complexa gera riscos constantes para o abastecimento da cidade e afeta o funcionamento do Polo Industrial de Manaus.
Consequentemente, quando há falhas nesse transporte, o fornecimento de energia entra em alerta e toda a cadeia econômica sofre.
O biometano como agente de transformação energética
Diante desse contexto, o biometano desponta como uma alternativa viável, limpa e local. Derivado da decomposição da matéria orgânica, esse gás renovável substitui os combustíveis fósseis com eficiência, emitindo até 90% menos CO₂ em sua queima.
Portanto, trata-se de uma solução alinhada com a agenda climática global.
Em 2024, a empresa Marquise Ambiental concluiu a construção do Centro de Tratamento e Transformação de Resíduos (CTTR) Amazonas, localizado a 40 quilômetros do centro de Manaus. A estrutura, portanto, representa um marco histórico para a transição energética na região.
A previsão é que a usina opere com total capacidade em 2028, produzindo 41 milhões de metros cúbicos de biometano por ano, o bastante para abastecer cerca de 179 mil residências diariamente.
A Marquise, que também opera a GNR Fortaleza — responsável por quase um terço da produção nacional de biometano, trouxe sua expertise para a Amazônia.
O CTTR transforma resíduos sólidos urbanos, vísceras de peixe e restos de cana-de-açúcar em gás renovável. Esse processo, portanto, resolve um problema ambiental crônico e, ao mesmo tempo, converte lixo em fonte de energia segura.
Além disso, o biometano pode abastecer veículos de transporte público e caminhões de coleta, diminuindo a poluição nas ruas e os custos com diesel.
Dessa forma, Manaus avança na direção de uma mobilidade urbana mais limpa e inteligente.
Biometano impulsiona Manaus com benefícios ambientais e energéticos
A capital amazonense nunca conseguiu se integrar plenamente ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Por esse motivo, cerca de 89% dos municípios do estado ainda funcionam com sistemas isolados, alimentados por usinas termelétricas que queimam óleo diesel.
Esse combustível é caro, poluente e depende do transporte fluvial — o que se torna ainda mais problemático durante períodos de seca severa na região.
Nesse cenário, o biometano impulsiona Manaus com soluções locais, capazes de fortalecer a segurança energética e reduzir a dependência de fontes instáveis.
Ao produzir um gás limpo diretamente a partir dos resíduos da própria cidade, a capital se torna mais resiliente diante das variações no fornecimento convencional.
O CTTR também irá tratar o chorume, um líquido tóxico resultante da decomposição dos resíduos orgânicos. Em vez de descartar essa substância, a usina usará tecnologia de osmose reversa para transformá-la em água reutilizável.
A previsão, aliás, é gerar cerca de mil metros cúbicos de água por dia, que poderão ser empregadas na limpeza industrial, sem riscos ambientais.
Essa abordagem reforça o modelo da economia circular, onde resíduos deixam de ser problema e se tornam ativos valiosos.
Ao investir em reaproveitamento, Manaus reduz seu impacto ambiental, gera empregos e estimula novos negócios ligados à sustentabilidade.
O que ainda falta para o biometano avançar
Apesar do potencial promissor, ainda existem obstáculos no caminho. A operação plena do CTTR depende de uma decisão da Prefeitura de Manaus, que deve transferir oficialmente a gestão dos resíduos da cidade para o novo aterro sanitário integrado à usina.
Enquanto isso não ocorre, o aterro antigo continua recebendo lixo, mesmo estando em situação crítica desde 2024.
Outra demanda urgente é a construção de um gasoduto para conectar o CTTR à rede da Companhia de Gás do Amazonas (Cigás). Sem essa infraestrutura, o escoamento do biometano enfrentará gargalos, dificultando sua comercialização e o alcance de novos consumidores.
Além disso, o processo de licenciamento ambiental ainda caminha de forma lenta. Essa demora compromete projetos sustentáveis em todo o Brasil.
Por isso, acelerar a liberação das licenças — com rigor técnico, mas sem burocracia excessiva — será essencial para que o biometano se consolide como alternativa energética viável.
Um cenário promissor, mas que exige estrutura
Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o Brasil produziu 81,5 milhões de metros cúbicos de biometano em 2024.
Contudo, o país tem um potencial infinitamente maior, especialmente considerando a enorme quantidade de resíduos gerados na agropecuária, nos centros urbanos e nos setores industriais.
Para transformar esse potencial em realidade, é preciso investir em infraestrutura robusta, garantir segurança regulatória e criar mecanismos de incentivo.
Além disso, a eficiência energética deve guiar essa expansão.
Produzir biometano com tecnologia limpa e consumir energia de forma racional ajuda a consolidar um modelo sustentável e duradouro.
Capacitar profissionais locais, fomentar linhas de crédito e estimular parcerias entre governos e empresas são medidas fundamentais para ampliar o uso do biometano em larga escala.
Esse gás pode alimentar caldeiras industriais, frotas de ônibus, geradores elétricos e até a produção de hidrogênio verde no futuro.
Manaus, nesse contexto, desponta como cidade-laboratório para a energia do século XXI.
Com uma população em crescimento e desafios ambientais evidentes, a capital tem a chance de reverter seus passivos históricos com soluções modernas, limpas e eficientes.
Para isso, será necessário integrar políticas públicas, educação ambiental e inovação tecnológica.
O incentivo à separação do lixo na origem, por exemplo, pode melhorar a qualidade do biogás gerado, reduzindo os custos de purificação e elevando a eficiência da produção de biometano.
Se conseguir unir essas frentes, Manaus poderá se tornar referência para outras cidades da Amazônia Legal e até de fora do país.
A transição energética global precisa de exemplos locais concretos — e a capital amazonense está em posição estratégica para liderar esse processo.
No fim das contas, o biometano impulsiona Manaus não só em direção à descarbonização, mas também à autonomia energética e ao desenvolvimento sustentável, mostrando que é possível conciliar crescimento econômico com responsabilidade ambiental.