A parceria entre Embrapa e Morfo Brasil investe em pesquisa sobre sementes florestais para restaurar os biomas brasileiros, melhorando germinação, conservação e eficiência ambiental em larga escala
Os biomas brasileiros são alvo de um estudo coordenado pela Embrapa Agrobiologia e pela Morfo Brasil. Trata-se de uma minuciosa análise das sementes de espécies nativas da Mata Atlântica, do Cerrado e da Amazônia, que concentram parte significativa da biodiversidade do planeta e sofrem com a degradação histórica.
Segundo Emira Cherif, diretora científica da Morfo, a pesquisa busca definir protocolos inéditos de manejo e conservação, aprimorando o processo de germinação e o armazenamento das sementes, segundo uma matéria publicada.
Com duração prevista de dois anos, o trabalho deve gerar avanços concretos em produtividade e em redução de custos nos programas de restauração ecológica.
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Ciência e tecnologia para acelerar a restauração ambiental
A cientista Juliana Müller Freire, da Embrapa Agrobiologia (RJ), destaca que o desafio está na enorme diversidade de espécies e na falta de informações sobre o comportamento de muitas delas.
A dificuldade em obter sementes em quantidade e qualidade adequadas ainda encarece os projetos.
Comparadas às sementes agrícolas, as florestais carecem de técnicas padronizadas de beneficiamento, o que compromete a eficiência dos programas de reflorestamento.
Segundo Freire, “a parceria com a Morfo garante o fornecimento de sementes limpas, coletadas e prontas para estudo, fortalecendo a base científica que sustentará a restauração dos biomas brasileiros”.
O estudo também enfrenta um gargalo global: a escassez de sementes de qualidade. Uma pesquisa da Universidade de Sidney, liderada por Danilo Urzedo e publicada na revista Forests, revelou que o Brasil precisa entre 3,6 mil e 15,6 mil toneladas de sementes para cumprir sua meta de restauração.
A diferença, quase cinco vezes, decorre da variação na qualidade dos lotes. Com sementes de alto vigor, seriam necessários apenas 3,6 mil toneladas, enquanto lotes de baixa qualidade podem elevar a demanda a 15,6 mil toneladas, impactando diretamente os custos.
A rota da qualidade: da coleta ao armazenamento de sementes nativas
A Morfo Brasil enviará mensalmente à Embrapa lotes de sementes adquiridos junto a coletores que atuam nos três biomas. Esses lotes serão submetidos a testes de germinação, pureza e teor de água, além do cálculo do peso de mil sementes.
O percentual de germinação e o número de sementes por quilo permitirão comparar a eficiência entre espécies.
Paralelamente, uma revisão de literatura buscará informações sobre secagem, armazenamento e dormência de cada tipo, identificando lacunas de conhecimento e protocolos adequados para conservação.
O controle de qualidade segue as diretrizes das Regras de Análise de Sementes (RAS) e das Instruções para Análise de Sementes de Espécies Florestais, documentos do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
No laboratório, avaliam-se pureza, vigor e viabilidade, garantindo que as sementes mantenham o potencial genético adequado ao local de plantio.
Fatores como cor, tamanho, peso e teor de umidade são indicadores essenciais. Segundo a FAO, semente de qualidade é aquela capaz de produzir descendentes saudáveis e bem adaptados.
Dados da Embrapa mostram que sementes com alta qualidade reduzem drasticamente o uso por hectare.
Em semeadura direta, 37 quilos de sementes de baixa qualidade (menos de 30% de germinação) são necessários por hectare, enquanto 17 quilos de sementes de alto vigor (mais de 45% de germinação) produzem o mesmo resultado.
Essa diferença pode cortar os custos em até cinco vezes, tornando os programas de restauração mais viáveis e sustentáveis para os biomas brasileiros.
O processo de obtenção de sementes florestais segue uma jornada complexa e controlada, com várias etapas indispensáveis:
- Seleção das fontes de sementes: assegura rastreabilidade e origem genética, em conformidade com o Sistema Nacional de Sementes e Mudas.
- Colheita e extração: feita a partir de frutos coletados, respeitando o período ideal e as características de cada espécie.
- Secagem: pode ser natural (em terreiros) ou artificial (em estufas), etapa crucial para a viabilidade.
- Beneficiamento: remove materiais indesejáveis, como sementes imaturas ou vazias, elevando a pureza física.
- Armazenamento e plantio: a conservação adequada mantém a viabilidade ao longo do ano e permite o uso em semeadura direta ou viveiros.
Esses procedimentos garantem que o insumo final atenda aos padrões de qualidade exigidos pelos programas ambientais.
Em algumas espécies, como a mamica-de-porca (Zanthoxylum rhoifolium), o desafio é superar a baixa germinação, mesmo após múltiplas pesquisas.
Outras, classificadas como recalcitrantes, não toleram secagem e exigem controle rigoroso de umidade e fungos.
Comunidades, legislação e inovação: o elo social na restauração dos biomas brasileiros
A cadeia de valor das sementes florestais é um elemento estratégico na restauração ecológica dos biomas brasileiros.
A coleta e a comercialização dessas sementes envolvem milhares de trabalhadores, em especial comunidades tradicionais, indígenas e agricultores familiares.
Essas redes comunitárias garantem a diversidade genética e a preservação do conhecimento local.
Entretanto, enfrentam barreiras técnicas e logísticas, como a falta de equipamentos e de informações sobre armazenamento.
A pesquisadora Juliana Freire explica que conhecer o tempo de viabilidade de cada espécie ajuda na gestão da produção e na comercialização.
A braúna, por exemplo, mantém qualidade por nove meses em ambiente não controlado, enquanto o ipê dura apenas três meses.
Essa informação permite que coletores otimizem o uso de geladeiras e evitem perdas. O aprendizado técnico, portanto, fortalece a autonomia dessas redes e amplia a renda local.
O setor, porém, ainda carece de regulação específica. O Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem), voltado à agricultura comercial, não contempla as particularidades das sementes florestais nativas.
Mais de mil coletores seguem não registrados, o que invisibiliza parte importante da cadeia.
Restauração de biomas brasileiros e um futuro mais sustentável
Para mudar esse cenário, estudo publicado na revista Forests sugere seis estratégias: incentivo governamental, fiscalização das metas de restauração, participação comunitária, adaptação das normas legais, estímulo à pesquisa e diversificação de mercados.
Essas medidas podem gerar benefícios ambientais e econômicos, promovendo uma bioeconomia mais inclusiva e sustentável.
Ao integrar inovação tecnológica, políticas públicas e saberes tradicionais, o país avança na restauração dos biomas brasileiros e reforça seu papel de liderança global em sustentabilidade.
A Morfo Brasil contribui com soluções de ponta. Fundada em 2022, a startup franco-brasileira desenvolveu uma metodologia patenteada de restauração florestal em larga escala baseada em três pilares: inteligência florestal (análise sistêmica e plano de biodiversidade), implementação escalável (com uso de drones e encapsulamento de sementes) e monitoramento com inteligência artificial.
A empresa já catalogou mais de 360 espécies nativas, mas muitas ainda carecem de estudos sobre beneficiamento, germinação e armazenamento.
A Embrapa, por sua vez, soma décadas de experiência em pesquisa agrobiológica e em restauração ecológica.
Sua atuação abrange desde o desenvolvimento de tecnologias de sementes e mudas até o apoio à formulação de políticas públicas voltadas à recuperação ambiental.
Juntas, as duas instituições unem inovação científica e inteligência operacional, fortalecendo o cumprimento das metas nacionais de restauração.
A meta de 12,5 milhões de hectares restaurados até 2030 reflete o compromisso internacional do Brasil com o Acordo de Paris e com o Desafio de Bonn, lançado em 2011 para restaurar 350 milhões de hectares no mundo.
Ao aderir oficialmente em 2015, o país consolidou sua liderança global em reflorestamento e conservação.
O avanço científico em tecnologia de sementes florestais, portanto, é peça essencial nesse compromisso, tornando viável a recuperação de áreas degradadas e o fortalecimento dos biomas brasileiros diante das mudanças climáticas e dos desafios ambientais do século XXI.