Durante o Fórum Varanda da Amazônia, em Belém, especialistas destacaram que os biocombustíveis derivados de açaí, babaçu e dendê podem substituir o petróleo na matriz energética brasileira. Falta de energia, burocracia e entraves regulatórios ainda limitam o avanço da solução sustentável.
Enquanto o Brasil se prepara para sediar a COP30, em Belém, o debate sobre o papel da Amazônia na transição energética ganha novas proporções, conforme noticiado nesta quarta, 08. Especialistas, autoridades e lideranças ambientais reuniram-se no Fórum Varanda da Amazônia, evento idealizado pela cantora Fafá de Belém, para discutir um tema urgente: como conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação da floresta.
O ponto central das discussões foi claro — a Amazônia pode ser protagonista de uma nova economia baseada em biocombustíveis, sem depender da exploração de petróleo. “O futuro da Amazônia não está no petróleo, e sim num plano de desenvolvimento regional com floresta em pé e economia de baixo carbono”, afirmou Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.
O evento ocorre em um momento estratégico, enquanto o Ibama analisa o licenciamento ambiental da Margem Equatorial, região considerada promissora para a exploração de petróleo pela Petrobras. A decisão, que deve ser anunciada antes da COP30, divide opiniões e simboliza o dilema brasileiro entre o avanço dos combustíveis fósseis e o investimento em fontes renováveis.
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Biocombustíveis: potencial energético e social da floresta amazônica
Para especialistas, o açaí, o babaçu e o dendê não são apenas símbolos da cultura paraense — são também fontes promissoras de energia limpa. Esses produtos da sociobiodiversidade amazônica podem originar biocombustíveis capazes de substituir gradualmente o diesel e a gasolina.
A tecnologia para transformar óleos vegetais e resíduos orgânicos em energia já existe, e o país tem experiência com etanol e biodiesel. O problema, segundo o ambientalista André Guimarães, diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), está na falta de decisão política. “Será que não podemos produzir biocombustível suficiente para substituir diesel? Temos tecnologia de etanol para substituir gasolina, condição de biodiesel e o primo mais moderno dele que é o HVO. Já temos três ou quatro alternativas para o combustível sustentável de aviação”, afirmou.
Guimarães defende que o Brasil utilize seus recursos naturais de maneira estratégica e sustentável. “Será que poderíamos pensar numa alternativa para gerar os royalties que são justos e sustentáveis para desenvolver a região? Royalties com outra alternativa que não seja pela exploração de petróleo”, questionou.
Petróleo ainda é força econômica, mas transição se impõe
Atualmente, o Brasil é o 8º maior produtor de petróleo do mundo, com 4,5 milhões de barris por dia. Mais da metade dessa produção é exportada. No entanto, o crescimento do setor contrasta com as metas climáticas internacionais e com a necessidade de descarbonizar a economia.
Para Suely Araújo, continuar investindo em novas fronteiras petrolíferas é incompatível com o cenário climático global. “A única saída é ter um cronograma sério de descarbonização e redução de emissões. Não dá para conciliar a transição energética e a produção petrolífera”, alertou.
O Observatório do Clima defende um replanejamento da Petrobras, com um investimento estimado em US$ 111 bilhões destinado à incorporação de tecnologias limpas e à redução gradual da dependência de combustíveis fósseis. “Não estou falando de parar a produção amanhã, mas fazer um planejamento voltado à redução progressiva. A Petrobras investe em renováveis, mas ainda é muito pouco perto do investimento em fósseis”, ressaltou Suely.
Apesar do debate intenso sobre o petróleo, especialistas afirmam que a transição energética na Amazônia deve priorizar o aspecto social. Eliana Cabeza, servidora da Agência de Regulação do Estado do Pará (Arcon), defende que é possível “desenvolver sem destruir”. Para ela, os biocombustíveis representam uma solução limpa, capaz de gerar renda e incluir povos tradicionais na economia verde.
“Uma decisão sustentável na Amazônia pode ser uma alternativa limpa e viável, que envolva os povos tradicionais na produção e não afete a biodiversidade”, argumentou Cabeza. Ela reforça, porém, que os desafios vão além da tecnologia — passam pela burocracia, pela regulação e pela falta de energia nas regiões produtoras.
Burocracia e energia: os principais gargalos dos biocombustíveis
A chamada Lei do Combustível do Futuro, sancionada em 2024, estabelece metas de descarbonização e determina que produtores e importadores de gás natural passem a injetar biocombustíveis, como o biometano, nas redes de distribuição. Contudo, na prática, a legislação ainda enfrenta entraves regulatórios.
No Pará, o gasoduto de Barcarena poderia receber biocombustíveis produzidos localmente, mas a falta de uma regulamentação clara impede o uso direto da infraestrutura existente. “Existe uma especificidade grande de como chegar, pois quem regula é a Agência Nacional do Petróleo (ANP)”, explicou Eliana Cabeza.
A executiva defende uma maior coordenação entre os governos federal e estadual, de modo que o transporte e a comercialização desses biocombustíveis não se tornem inviáveis economicamente. “É preciso garantir que a trafegabilidade deste biocombustível não encareça pela distância e seja factível”, completou.
Além da regulação, há um problema estrutural grave: a falta de energia elétrica nas próprias regiões produtoras. Paradoxalmente, comunidades amazônicas que produzem matérias-primas para biocombustíveis ainda dependem de termelétricas movidas a diesel, responsáveis pelo consumo de 1,4 bilhão de litros de combustível fóssil por ano.
Amazônia: desafios de infraestrutura e oportunidades de transição
Para Rodolpho Zahluth, da Secretaria de Meio Ambiente do Pará, a ausência de energia impede o pleno desenvolvimento das cadeias produtivas da bioeconomia. “O pescador ainda fala em fábrica de gelo, não tem eletricidade para ligar o freezer. Como podemos ter uma cadeia consistente de bioeconomia se não há energia para gerar este produto?”, questionou.
Segundo Zahluth, a transição energética na Amazônia não deve se limitar a substituir o petróleo pelos biocombustíveis, mas incluir políticas públicas que garantam acesso à energia limpa e infraestrutura produtiva para as comunidades.
Essa falta de estrutura também afeta o processamento do açaí e de outros produtos da floresta, impedindo que o Pará explore plenamente seu potencial energético e econômico sustentável.
Margem Equatorial: o impasse entre o petróleo e o meio ambiente
O Bloco 59, localizado na Bacia da Foz do Amazonas, é o símbolo desse impasse. O projeto da Petrobras busca autorização do Ibama para iniciar perfurações exploratórias e verificar a existência de petróleo na região. Ambientalistas afirmam que, caso o bloco seja liberado, abrirá precedente para outras autorizações.
De acordo com estimativas, entre a perfuração e a produção, seriam necessários de seis a dez anos até o início da operação comercial. Mesmo assim, o tema desperta polêmica, já que a demanda global por petróleo deve começar a cair após 2030, tornando a exploração de novas fronteiras ainda mais controversa.
Embora o petróleo represente apenas 0,5% das emissões brasileiras, organizações ambientais defendem que a expansão da produção de combustíveis fósseis contraria os compromissos climáticos firmados pelo país.
Oportunidade histórica para o Brasil e para o Pará
O presidente da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa), Alex Carvalho, acredita que o Brasil pode equilibrar desenvolvimento e sustentabilidade. Para ele, não é necessário escolher entre petróleo e biocombustíveis, mas encontrar um modelo de transição que garanta empregos e crescimento econômico.
Segundo Carvalho, a exploração do Bloco 59 poderia gerar 52 mil novos empregos e movimentar R$ 2,7 bilhões na economia paraense. “Não se trata de um ou outro. Precisamos ter um planejamento efetivo para a transição e que o Brasil seja pioneiro em biocombustíveis. Isso não exclui outras alternativas”, argumentou.
No entanto, ele também reconhece a complexidade do desafio amazônico. “O Brasil é muito complexo, assim como a Amazônia. Temos a oportunidade da transição, mas é preciso ter pé no chão para usarmos estas reservas com responsabilidade socioambiental”, completou.
A COP30, que acontecerá entre 10 e 21 de novembro, promete ser o palco onde esse embate entre biocombustíveis e petróleo se intensificará — e onde o Brasil poderá demonstrar, de forma concreta, qual caminho escolherá para o futuro da Amazônia e do planeta.