Banco Central acende sinal de alerta com nova lei que ameaça sua autonomia: “isso é coisa de república bananeira”, diz jornalista
Proposta em discussão no Congresso reacende debate sobre autonomia do Banco Central, ameaça a estabilidade econômica e desperta críticas de especialistas diante do risco de interferência política em uma das instituições mais importantes do país.
Quatro anos depois de conquistar autonomia formal, o Banco Central do Brasil volta a ser alvo de um embate político no Congresso Nacional.
Deputados e senadores discutem uma proposta que amplia as hipóteses de destituição do presidente e dos diretores da instituição, reduzindo as garantias de independência que foram estabelecidas em 2021.
Para o jornalista Leonardo Sakamoto, a ofensiva representa um risco concreto à estabilidade econômica.
-
Ceará decreta emergência após tarifaço de Trump: tarifas atingem em cheio a siderurgia cearense, e governo usa reserva de contingência para evitar demissões em massa
-
Descoberta no Norte do Brasil pode mudar o rumo do país e transformar a região em polo estratégico global, aponta senador
-
Após tarifaço e Brasil cogitando usar Lei da Reciprocidade contra os EUA, empresários brasileiros ligam sinal de alerta e revelam cogitar até 15 meses sem comércio com americanos
-
China vê no Brasil ‘galinha dos ovos de ouro’ e mais que dobra investimentos no país, enquanto guerra comercial com EUA e alta de tarifas impulsionam mudança geopolítica: ‘É excelente a entrada da China’, diz especialista
“Isso é coisa de república bananeira”, afirmou, em referência à possibilidade de parlamentares aprovarem regras que fragilizem o comando da autoridade monetária.
O que está em disputa no Congresso
A autonomia do Banco Central foi aprovada em fevereiro de 2021, durante o governo de Jair Bolsonaro.
A lei fixou mandatos de quatro anos para o presidente e diretores, sem coincidirem com o mandato presidencial, justamente para reduzir pressões políticas.
A destituição só pode ocorrer em situações específicas, como condenação judicial, renúncia, desempenho insuficiente ou doença grave.
O novo projeto em discussão no Congresso, porém, busca ampliar as situações em que esses dirigentes poderiam ser afastados, abrindo margem para interpretações mais amplas.
Segundo críticos, isso permitiria a interferência de interesses políticos ou econômicos momentâneos na condução da política monetária.
Para Sakamoto, a movimentação do Legislativo ganhou força após o Banco Central barrar a compra do Mastercard pelo Banco de Brasília, decisão que contrariou interesses de grupos políticos.
“Não sabemos exatamente o que está movendo o Congresso nesse momento. O que ficou evidente é que, depois de o Banco Central indeferir a operação, surgiu uma ofensiva para flexibilizar as regras de permanência do presidente e dos diretores”, explicou.
Mercado financeiro em alerta
Historicamente, mudanças na percepção de autonomia do Banco Central costumam gerar forte impacto no mercado financeiro.
Durante a campanha eleitoral de 2022 e já nos primeiros meses do governo Lula, críticas do presidente ao então chefe da instituição, Roberto Campos Neto, provocaram reações imediatas em dólar, juros e bolsa.
Sakamoto lembrou que, mesmo sem ações concretas para destituí-lo, as críticas de Lula eram suficientes para aumentar a tensão entre investidores.
“O mercado já ficava nervoso quando Lula fazia críticas, mesmo sem adotar medidas concretas para tirá-lo. Era como se ele apenas deslocasse um sabonete de lavanda da prateleira e os investidores reagissem de forma exagerada”, disse, em tom irônico.
A diferença, segundo o jornalista, é que agora há uma ofensiva legislativa com potencial de produzir mudanças reais.
“O risco é muito maior, porque não estamos falando de discursos, mas de regras que podem ser aprovadas. Isso gera uma insegurança muito maior, e os grandes operadores do mercado ainda precisam reagir à altura”, avaliou.
A importância da previsibilidade na economia
A credibilidade do Banco Central é vista como um dos pilares da economia brasileira desde a criação do regime de metas de inflação, em 1999.
A autoridade monetária precisa transmitir previsibilidade em suas decisões sobre juros, câmbio e regulação do sistema financeiro.
Para Sakamoto, qualquer sinal de fragilidade institucional compromete essa confiança.
“Credibilidade significa previsibilidade, ética, postura — inclusive na forma de se comunicar. Quando essa base é abalada, todo o sistema sofre”, afirmou.
Ele também comparou a situação atual com episódios recentes de ataques a instituições regulatórias, como a disseminação de desinformação sobre o Pix e as pressões políticas em torno da regulação das fintechs.
“Assim como naquele episódio, vemos agora uma tentativa de usar pressões políticas para interferir em instituições regulatórias. É a mesma tática: retirar a autonomia por meio de lei. E isso é preocupante”, disse.
Consequências políticas e econômicas
Se a autonomia for reduzida, os efeitos podem ser sentidos em diferentes frentes, explicou o jornalista. Investidores estrangeiros tendem a exigir retornos mais altos para aplicar recursos em países onde há instabilidade institucional.
Isso significa juros mais elevados, menor fluxo de capitais e, consequentemente, impacto sobre o crescimento econômico. Além disso, a confiança interna também pode ser afetada.
Empresários e consumidores tomam decisões com base na expectativa sobre inflação, crédito e estabilidade cambial.
Mudanças bruscas nas regras do jogo aumentam a incerteza. Na esfera política, Sakamoto avalia que a ofensiva parlamentar pode ter múltiplos objetivos.
“O Congresso pode estar agindo por interesses específicos de grupos que se sentiram prejudicados ou simplesmente para criar dificuldades adicionais para o governo Lula nesta reta final de mandato”, observou.
Comparação internacional
A independência de bancos centrais é um tema recorrente em democracias. Instituições como o Federal Reserve, nos Estados Unidos, e o Banco Central Europeu possuem forte blindagem contra interferências políticas.
Em países emergentes, no entanto, ainda são frequentes tentativas de governos ou parlamentos de influenciar diretamente as decisões monetárias.
Ao fragilizar a autonomia recém-conquistada, o Brasil poderia se distanciar das melhores práticas internacionais, o que reduziria sua credibilidade perante investidores globais.
“Uma mudança dessa natureza afeta a previsibilidade do Brasil no cenário internacional. Investidores precisam confiar nas regras do jogo. Sem isso, o país perde competitividade e paga mais caro para atrair capital”, explicou Sakamoto.