Atas do conselho da Previdência indicavam o problema desde 2005; agora, o país encara a dimensão das fraudes no consignado e a disputa por responsabilidades.
De acordo com o portal da Folha de S. Paulo, as fraudes no consignado não surgiram de repente. Atas do Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS) registravam, desde 2005, reclamações de descontos indevidos em benefícios do INSS e o avanço de práticas irregulares no nascente mercado de crédito com desconto em folha. O que parecia um ruído operacional revelou-se, duas décadas depois, uma engrenagem cara para aposentados e pensionistas.
Com a instalação de uma CPI e operações policiais recentes, as fraudes no consignado saem das notas de rodapé e ocupam o centro do debate público. O caso envolve bancos, correspondentes bancários, entidades associativas e falhas de controle, num ambiente em que a vulnerabilidade da população idosa se tornou alvo de originação agressiva e golpes estruturados.
Do alerta ao escândalo: o que as atas já mostravam
Em 2005, quando o consignado ainda engatinhava, a Ouvidoria do Ministério da Previdência levou ao CNPS o aumento de queixas por descontos sem autorização de empréstimos.
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O indicador citado na época 15,7% das reclamações já sugeria que o problema não era um ponto fora da curva, mas um padrão emergente de abusos.
Na mesma reunião, Benedito Brunca apresentou o arcabouço regulatório inicial: prazo de 36 meses, vedação de contratação por telefone e convênios limitados às pagadoras de benefícios medidas que, com o tempo, perderam barreiras ao permitir que qualquer instituição financeira operasse na folha.
A expansão da originação via terceiros abriu espaço a assimetrias de informação e fragilizou o controle sobre a validação do consentimento.
O elo com associações e a escalada de práticas abusivas
Enquanto o crédito consignado se consolidava como canal de renda para bancos e correspondentes, descontos associativos passaram a compartilhar o mesmo contracheque e, em muitos casos, a mesma opacidade.
Representantes de trabalhadores alertaram em 2010 para falsificações documentais e falhas de segurança. Duas décadas depois, a CPI mira a sobreposição de descontos, indicando riscos de captura do benefício por cobranças não autorizadas.
A distinção técnica entre empréstimo e contribuição associativa existe, mas o impacto para o beneficiário é o mesmo: dinheiro subtraído sem anuência válida.
O desenho institucional, com múltiplos agentes e incentivos comerciais assimétricos, dificultou a responsabilização e protelou correções estruturais.
Como o sistema respondeu e por que demorou tanto
Houve avanços, mas em marcha lenta. O sistema bancário criou autorregulação do consignado em 2020, com regras de conduta e punições a correspondentes, culminando em 1.962 medidas administrativas, 113 exclusões definitivas e 7 agentes bloqueados; multas a bancos por omissão podem chegar a R$ 1 milhão.
É relevante, mas tardio diante do tamanho do mercado e da capilaridade dos abusos.
Do lado público, o INSS apertou o cerco: biometria facial obrigatória para desbloqueio do benefício antes do empréstimo, suspensão de consignado por representantes legais sem autorização judicial (IN 190/2025) e descredenciamento de instituições fora de conformidade.
Acordos com a Senacon reforçaram o monitoramento de reclamações no Consumidor.gov.br. A soma das medidas aponta um novo padrão, mas o passivo de fraudes ainda cobra conta.
Quem ganha, quem perde: incentivos, falhas e responsabilidades
Correspondentes bancários operam na ponta a originação de crédito; remunerações atreladas a volume podem estimular a “venda forçada”.
Entidades associativas que aparecem nos extratos de desconto precisam provar autorização válida; quando não provam, o ônus recai no vulnerável. Bancos alegam combate a ilícitos, mas beneficiaram-se por anos da escala e da terceirização.
Órgãos públicos demoraram a exigir verificação robusta do consentimento e auditar rotinas de desconto.
O aposentado e o pensionista alvo preferencial perdem previsibilidade de renda e acesso a crédito limpo.
Quando a fraude invade o benefício, compromete alimentação, remédio e contas básicas. No agregado, a confiança no sistema de consignação é corroída, elevando o custo de capital e o contencioso.
O que muda com a CPI: transparência, provas e reformas possíveis
A CPI funciona como lupa e holofote. Quebras de sigilo, pedidos de documentos e oitivas ajudam a mapear fluxos financeiros, rastrear correspondentes reincidentes, checar autorizações e apontar conivências.
O resultado pode ser indiciamentos, relatório final com propostas de mudança legal e recomendações de políticas públicas.
Na agenda de reformas, estão na mesa: consentimento qualificado (biometria e dupla verificação), trilha de auditoria acessível ao beneficiário, janela de arrependimento com estorno automático, cadastro nacional de correspondentes com histórico público de sanções, teto de participação de desconto por rubrica e governança única de validação de débitos em folha.
Sem execução e fiscalização contínuas, vira letra morta.
Como o cidadão pode se proteger agora
Antes de qualquer contratação, bloqueie temporariamente o consignado no INSS e só desbloqueie na hora da operação; exija biometria facial e recibo com número de AID (autorização).
Confira o Meu INSS regularmente e, ao notar desconto estranho, registre contestação imediata, procure Procon/Senacon e avalie boletim de ocorrência.
Quanto mais rápida a reação, maior a chance de estorno e de punir o agente fraudador.
Evite aceitar propostas por telefone; não compartilhe fotos de documentos por aplicativos; desconfie de “portabilidades” que prometem dinheiro fácil.
Se precisar, peça ajuda a um familiar de confiança para acompanhar o processo fraudes no consignado exploram pressa e desatenção.
Vinte anos de alertas em atas e só agora a dimensão das fraudes no consignado veio à tona com força política e investigação coordenada.
O desafio é transformar a indignação em regras claras, verificáveis e executadas, para que o benefício previdenciário deixe de ser terreno fértil para golpes.
Você aposentado, pensionista ou familiar já identificou desconto não autorizado no extrato? Como foi o caminho para reverter?
Biometria e dupla verificação resolveram no seu caso ou faltou suporte do banco/INSS? Conte nos comentários: relatos concretos ajudam a pressionar por soluções que funcionem na vida real.