As supervacas zebu transformaram o Brasil no maior exportador de carne bovina do planeta, com genética aprimorada, tradição e impacto global na pecuária.
No início de maio de 2025, Uberaba (MG) se torna o centro das atenções do agronegócio mundial. São 400 mil visitantes e quase 2,5 mil animais reunidos na ExpoZebu, maior feira da raça zebu no planeta. O evento é mais do que uma exposição de gado: é a celebração de um projeto de mais de um século que fez do Brasil o maior exportador de carne bovina do mundo, com 2,9 milhões de toneladas embarcadas em 2024.
A estrela desse espetáculo é o gado zebu, conhecido popularmente como a “supervaca brasileira”. Resultado de cruzamentos, melhoramento genético e décadas de adaptação, o zebu se tornou símbolo da pecuária nacional. Imponentes, com até 1m80 de altura, pele clara, chifres longos e a corcunda característica, esses animais são tratados como patrimônio econômico e cultural do Brasil.
A genética milionária que move leilões
Na ExpoZebu, o luxo rural se materializa nos leilões. Em 2024, uma única vaca foi arrematada por R$ 25 milhões, não para o abate, mas para ser matriz genética de gerações futuras. Há touros como o famoso Gabriel, responsável por mais de 600 mil descendentes a partir de seu sêmen.
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Esse mercado paralelo de genética é um dos pilares do sucesso. Animais campeões valem fortunas não pelo corte, mas pelo potencial de multiplicar rebanhos de elite em todo o território nacional. Cada premiação é um passaporte para negócios milionários, fortalecendo uma rede que vai das fazendas de elite em Minas Gerais e Goiás até os frigoríficos que abastecem o mundo.
Do gado crioulo ao zebu: a virada histórica
No século XVI, o Brasil vivia da criação de gado crioulo, descendente dos animais trazidos pelos portugueses. Pequenos e resistentes, alimentaram escravizados e populações locais com carne salgada, mas estavam longe de sustentar um projeto de exportação global.
Foi no século XIX que o país enfrentou o dilema: como expandir a pecuária para os trópicos? O gado europeu não resistia ao calor, às pragas e ao pasto escasso. A solução veio do outro lado do mundo: o zebu indiano, resistente às altas temperaturas, com patas longas, metabolismo econômico e até cílios adaptados ao sol e à poeira.
Entre 1893 e 1914, mais de 2 mil cabeças foram importadas da Índia. O resultado foi explosivo: em poucas décadas, o zebu dominou os pastos brasileiros e deu origem a uma nova identidade pecuária nacional, com raças como Indubrasil e Guzerá.
A carne como motor da economia
A Primeira Guerra Mundial consolidou a carne como prioridade estratégica. A Europa demandava carne enlatada e couro para soldados, e o Brasil encontrou ali uma oportunidade histórica. Durante a Segunda Guerra, o cenário se repetiu: botas, mochilas e carne congelada saíam dos portos brasileiros rumo ao front.
Já no pós-guerra, a carne superou o café e o açúcar como principal produto de exportação do país. Nos anos 1970, com a criação da Embrapa, o ciclo foi acelerado: surgiram novos pastos africanos, tratamentos veterinários e avanços genéticos. A pecuária avançou para o Cerrado e para a Amazônia, expandindo a fronteira agrícola.
O Brasil dos 225 milhões de zebus
Hoje, o Brasil abriga cerca de 225 milhões de cabeças de gado, número que supera a própria população do país. A maioria é composta por zebus ou cruzamentos derivados deles. Essa base gigantesca garante carne farta para o mercado interno — com o churrasco de domingo como símbolo cultural — e abastece clientes em mais de 150 países.
O custo competitivo é a grande arma: a carne bovina brasileira é produzida majoritariamente a pasto, o que reduz despesas frente a países que dependem de confinamento. Além disso, a mão de obra é mais barata do que em concorrentes como Estados Unidos e Austrália.
Os impactos ambientais e o dilema da expansão
O sucesso, porém, tem um preço. A pecuária é um dos principais motores de emissão de metano, gás 80 vezes mais potente que o CO₂ no curto prazo. Além disso, a expansão para o norte do país, em áreas de floresta, intensifica o debate sobre desmatamento na Amazônia.
Há, contudo, uma contradição interessante: justamente por crescerem rápido e engordarem em menos tempo, os zebus modernos emitem proporcionalmente menos metano por quilo de carne do que raças tradicionais.
Ou seja, as “supervacas” brasileiras podem ser, paradoxalmente, parte da solução de eficiência ambiental, se bem manejadas.
A ExpoZebu como vitrine global
A feira de Uberaba é a síntese dessa história. Mais do que negócios, ela funciona como vitrine internacional do poder pecuário brasileiro. Leilões, julgamentos, exposições e acordos se entrelaçam em um espetáculo que atrai investidores estrangeiros e reafirma o papel do Brasil como celeiro de proteína animal do planeta.
Para vaqueiros e criadores, a feira é também um ritual de orgulho: animais preparados com banhos, tosas e cuidados diários são exibidos como estrelas. Vencer ali é sinônimo de status, poder e contratos milionários.
O futuro das supervacas
O horizonte aponta para novos saltos. A demanda chinesa segue em alta, o Brasil foi declarado livre da febre aftosa em 2024, e o apetite global por proteína animal está longe de diminuir. Produtores falam em duplicar o rebanho nas próximas décadas, o que pode elevar ainda mais a influência do país no comércio global de carne.
Mas a equação é complexa: será preciso equilibrar produtividade com sustentabilidade, evitar a perda de florestas e investir em tecnologias de baixo carbono. Nesse cenário, a genética zebu — já adaptada aos trópicos — pode ser a chave para conciliar expansão e eficiência ambiental.
Orgulho e dilema brasileiro
As “supervacas” zebu são mais do que animais: são a metáfora de um país que transformou limitações em vantagens e se tornou líder global em um dos setores mais competitivos do planeta. De um início modesto com gado crioulo à posição atual de maior exportador mundial de carne bovina, a trajetória dos zebus resume a capacidade brasileira de adaptação e inovação.
No entanto, o mesmo rebanho que garante bilhões de dólares em exportações também coloca o Brasil no centro de debates sobre clima, uso da terra e sustentabilidade. O desafio do futuro será preservar o título de potência da carne sem abrir mão da responsabilidade ambiental.
O fato é que, com seus 225 milhões de cabeças, genética milionária e presença em todos os cantos do país, as supervacas zebu já garantiram um lugar eterno na história do Brasil — e talvez, um papel decisivo no desafio de alimentar um planeta em transformação.