Operando os únicos trens de passageiros de longa distância do país e transportando mais de 300 milhões de toneladas por ano, a Ferrovia Carajás e a Vitória a Minas são os pilares da logística da Vale e do Brasil.
No coração da logística brasileira, duas gigantes de aço se destacam como as artérias que bombeiam a riqueza mineral do país para o mundo. A Ferrovia Carajás, na Amazônia, e a centenária Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), no Sudeste, são mais do que apenas ferrovias; são sistemas logísticos integrados e de classe mundial operados pela Vale.
Muitos acreditam que essas ferrovias são concessões herdadas da antiga malha estatal, mas a história é outra. Elas foram construídas e desenvolvidas pela própria Vale para serem a espinha dorsal de suas operações. Hoje, após recentes acordos de renovação bilionários, elas se preparam para um novo ciclo de modernização, mas não sem enfrentar complexos desafios sociais e ambientais.
As joias da coroa: um legado construído pela Vale, e não pela RFFSA
O primeiro ponto a esclarecer sobre a Ferrovia Carajás e a Vitória a Minas é que elas nunca fizeram parte da antiga Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Diferente de outras malhas que foram privatizadas nos anos 90, estes dois corredores foram historicamente desenvolvidos pela própria Vale (na época, CVRD) como ferrovias industriais para escoar sua produção.
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Enquanto a Vale participou da privatização da RFFSA ao comprar outras malhas, como a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), a EFC e a EFVM sempre foram operadas por ela, sob concessões diretas do governo federal.
A Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM): o corredor centenário do Sudeste
A história da EFVM é uma crônica de mais de 120 anos. Fundada em julho de 1901 pelos engenheiros João Teixeira Soares e Pedro Nolasco, seu propósito inicial era transportar o café do Vale do Rio Doce. No entanto, seu destino mudou para sempre em 1908, quando investidores ingleses a transformaram no corredor para a exportação de minério de ferro de Minas Gerais.
Com 905 km de extensão, ela liga o coração da mineração mineira ao Porto de Tubarão, em Vitória (ES). Conforme dados operacionais da Vale, em 2024, a EFVM transportou 107,4 milhões de toneladas de cargas, incluindo não apenas minério, mas também aço, carvão, grãos e celulose.
A Estrada de Ferro Carajás (EFC): a artéria da mineração na Amazônia
Em contraste com a evolução gradual da EFVM, a Ferrovia Carajás nasceu de um grande plano estratégico. Ela foi construída em tempo recorde, entre 1982 e 1985, como parte do “Programa Grande Carajás”, do governo de João Figueiredo, com o objetivo único de escoar a produção da maior jazida de minério de ferro do mundo.
Com 892 km de extensão em bitola larga, a EFC liga o complexo S11D em Parauapebas (PA) ao Terminal Marítimo de Ponta da Madeira, em São Luís (MA). Sua escala, segundo relatórios da empresa, é monumental. Em 2024, a EFC transportou 195 milhões de toneladas de carga, operando alguns dos maiores trens do mundo, com composições de 330 vagões e 3,3 km de comprimento.
Mais que minério: os únicos trens de passageiros de longa distância do Brasil
Em um país que praticamente abandonou o transporte ferroviário de passageiros, a Ferrovia Carajás e a Vitória a Minas cumprem um papel social único. Elas operam os únicos dois serviços de trem de passageiros de longa distância do Brasil, sendo vitais para dezenas de comunidades ao longo de seus traçados.
Segundo a Vale, em 2024, os dois trens transportaram um total de mais de 1,2 milhão de pessoas (845 mil na EFVM e um recorde de 423 mil na EFC). O serviço está sendo modernizado, com a chegada de novos vagões da fabricante chinesa CRRC em 2025, e a promessa de viagens diárias na EFC a partir de 2027.
A renovação bilionária: a repactuação de 2025 e os novos contratos até 2057
O futuro das duas ferrovias foi garantido em 16 de dezembro de 2020, quando a Vale, sob a gestão do então CEO Eduardo Bartolomeo, assinou a renovação antecipada de suas concessões, estendendo sua validade até 2057. O acordo, no entanto, veio com uma contrapartida bilionária.
Em 2025, um novo acordo de “repactuação” entre a Vale, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o Governo Federal foi estabelecido para resolver disputas e definir novas obrigações de investimento. O pacto, que aguarda aprovação do TCU, prevê um aporte total de até R$ 11,3 bilhões por parte da Vale, que serão usados tanto na modernização das próprias linhas quanto no financiamento de novos projetos ferroviários de interesse público, como a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO).
Os desafios socioambientais nos trilhos da Vale
Apesar do sucesso operacional, as ferrovias da Vale operam em um cenário de complexos desafios socioambientais. A Ferrovia Carajás, por ter sido construída em uma região de fronteira na Amazônia, tem um histórico de conflitos com povos indígenas, como os Gavião Parkatejê, que tiveram suas terras cortadas pela linha em 1985 e até hoje relatam impactos em seu modo de vida.
Já a EFVM, por atravessar dezenas de cidades densamente povoadas, lida com questões cotidianas de poluição sonora e segurança. Além disso, o rompimento da barragem da Samarco (joint venture da Vale) em Mariana, em 2015, intensificou a desconfiança das comunidades ao longo do Vale do Rio Doce. Gerenciar esses conflitos e manter a “licença social para operar” é hoje um dos maiores desafios estratégicos para a Vale.