Num país onde o valor da moeda muda ao sabor das incertezas políticas, cada oscilação do câmbio se transforma em um teste de resistência do Governo Milei. A tensão nas ruas, nos bancos e no próprio governo cresce a cada nova faísca no mercado financeiro argentino
A Argentina vive um cenário de forte pressão sobre suas reservas internacionais, que estão em níveis bastante reduzidos e despertam crescente preocupação no mercado.
Essa escassez de recursos limita a capacidade do país de sustentar sua moeda e tem levado o governo a adotar medidas emergenciais para tentar conter a valorização do dólar, numa tentativa de evitar novos choques na economia já fragilizada.
O governo do presidente Javier Milei decidiu intervir diretamente no mercado de câmbio pela primeira vez desde abril.
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A decisão marca uma guinada brusca em relação ao regime de câmbio flutuante, que havia sido adotado como símbolo da agenda ultraliberal do presidente.
O Banco Central da República Argentina (BCRA) vendeu US$ 53 milhões em apenas um dia para tentar conter a disparada do dólar frente ao peso — uma operação emergencial que provocou forte reação no mercado e acendeu novos alertas sobre a fragilidade das contas externas do país.
Com a intervenção, as reservas internacionais da Argentina recuaram em US$ 98 milhões, fechando em US$ 39,407 bilhões, segundo dados oficiais do próprio BCRA.
Analistas destacam que o valor líquido efetivamente disponível pode ser menor, o que reforça as dúvidas sobre a capacidade do governo de manter novas ações de defesa do peso sem comprometer de vez a já combalida posição financeira nacional.
Para dimensionar a vulnerabilidade argentina, basta comparar com o Brasil: no mesmo dia 17, o Banco Central brasileiro registrava US$ 356,865 bilhões em reservas internacionais.
Isso significa que o Brasil possui um volume de dólares cerca de 9 vezes maior que o da Argentina (≈ 9,06x), evidenciando a disparidade entre os dois países em termos de fôlego cambial e poder de reação a choques externos.
Intervenção quebra discurso liberal de Milei
A decisão surpreendeu os agentes econômicos porque ocorre após meses em que Milei vinha defendendo a ideia de que o mercado deveria se autorregular, sem interferências diretas do Banco Central.
Em abril, o governo havia encerrado o chamado “cepo” — sistema que restringia a compra de dólares — e passou a adotar um regime de câmbio flutuante, considerado um passo ousado e liberal pelo mercado.
No entanto, a medida teve efeitos colaterais imediatos.
Com a eliminação das restrições, a demanda por dólares disparou, e o peso argentino passou a se desvalorizar de forma acelerada.
O governo tentou conter essa pressão elevando a taxa básica de juros e impondo regras mais rígidas para operações em moeda estrangeira, mas os esforços se mostraram insuficientes.
A disparada da cotação levou o dólar no mercado atacadista a encostar em 1.474,50 pesos, atingindo o teto da banda cambial estipulada pelo BCRA. No varejo, a moeda chegou a ser negociada por 1.490 pesos em alguns bancos privados.
Pelo acordo firmado com o Fundo Monetário Internacional (FMI), sempre que a cotação no atacado ultrapassa o teto diário da banda, o Banco Central está autorizado a intervir com vendas de reservas.
Ontem, esse limite estava em 1.474,40 pesos, corrigido diariamente com um acréscimo de 1% ao mês desde o fim do “cepo”.
A venda de US$ 53 milhões foi justamente para impedir que a cotação rompesse de vez essa barreira simbólica e psicológica.
Risco de inflação reacende temores
O pano de fundo dessa decisão é o medo de que a desvalorização do peso volte a pressionar a inflação, que chegou a ultrapassar 200% ao ano antes do início do mandato de Milei.
Embora o governo tenha conseguido desacelerar os preços com um plano agressivo de cortes nos gastos públicos, a confiança dos investidores ainda não foi totalmente restabelecida, e o país segue com dificuldade para atrair capital estrangeiro e recompor suas reservas.
Especialistas alertam que a escassez de dólares agrava o círculo vicioso: sem reservas, o governo perde poder de intervir; sem intervenção, o peso despenca; com o peso em queda, os preços sobem, o que mina o apoio popular.
Esse risco é particularmente sensível para Milei, que chegou ao poder prometendo dolarizar a economia argentina e enfrenta agora o paradoxo de ter que defender uma moeda que pretendia substituir.
Além disso, a valorização do dólar encarece importações e reduz a competitividade da moeda local, fatores que também impactam o nível de preços e corroem a renda da população.
Em última instância, o aumento do custo de vida pode gerar uma nova onda de instabilidade social e política, cenário que o governo tenta evitar com a intervenção emergencial no câmbio.
Derrota eleitoral amplia pressão sobre Milei
A crise cambial também foi potencializada pelo desgaste eleitoral do governo.
Nas eleições realizadas em 7 de setembro para renovar cadeiras no Congresso e escolher vereadores na província de Buenos Aires, o partido de Milei sofreu uma derrota contundente.
Com quase 40% do eleitorado argentino concentrado na província, o resultado teve peso simbólico e político: o peronismo obteve 47,3% dos votos, contra 33,7% da legenda de Milei, uma diferença de 13,6 pontos.
Foi a oitava derrota do governo em dez eleições provinciais realizadas neste ano. Além de perder influência no Congresso, Milei viu seus decretos e cortes de gastos serem derrubados pelos parlamentares.
Segundo analistas, a perda de governabilidade atuou como catalisador da crise cambial, pois reduziu a credibilidade das promessas de ajuste fiscal e reformas estruturais.