Vision 2030 impulsiona receitas, acelera megaprojetos e tenta libertar a Arábia Saudita da dependência do petróleo — mas os riscos são enormes.
Em pleno coração do deserto, ergue-se uma das mais ousadas apostas econômicas do século XXI. A Arábia Saudita, historicamente dependente do petróleo, decidiu desafiar seu próprio destino com um plano silencioso, mas bilionário, que já multiplicou receitas e deu início à construção de cidades futuristas que prometem mudar a face do Oriente Médio.
Em 2024, a receita total do governo saudita alcançou US$ 336 bilhões, um aumento de 4% sobre o ano anterior, mesmo em um cenário de volatilidade no preço do barril. A meta declarada é clara: reduzir a dependência do petróleo e criar novas fontes de riqueza. No centro dessa transformação está o Vision 2030, um ambicioso plano de diversificação econômica que abrange desde turismo de luxo até energia renovável.
Vision 2030 e a estratégia de diversificação econômica saudita
Lançado em 2016 pelo príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, o Vision 2030 propõe nada menos do que reinventar a economia saudita. Entre as metas, estão o aumento das receitas não-petrolíferas, a ampliação da participação do setor privado no PIB e a transformação do país em um polo global de investimento, turismo e inovação.
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Dentro desse guarda-chuva estratégico, o National Transformation Program (NTP) estabeleceu metas ousadas, como elevar as receitas não-petrolíferas de 163 bilhões de riais sauditas para 600 bilhões e atrair investimentos privados massivos.
A lógica é simples: enquanto o petróleo continua garantindo receita, o excedente é usado para financiar setores que, no futuro, deverão sustentar a economia.
Receitas em alta, energia limpa em expansão
A receita de US$ 336 bilhões de 2024 não veio apenas do petróleo. O setor de energia renovável, embora ainda incipiente, cresceu 300% em capacidade instalada, atingindo cerca de 2,8 GW, com destaque para usinas solares e parques eólicos recém-conectados à rede.
Ainda assim, a participação de fontes renováveis na matriz saudita é de apenas 1,4%, bem abaixo da média global de 41%.
Esse contraste revela um desafio: o reino avança rapidamente na construção de infraestrutura verde, mas a transição energética será um processo de longo prazo. Por enquanto, o petróleo continua sendo a espinha dorsal, mas os megaprojetos de diversificação já começam a mudar a paisagem econômica.
Megaprojetos futuristas: NEOM, The Line e Sindalah
Se o Vision 2030 é o cérebro da transformação, os megaprojetos são seu rosto. O mais conhecido é o NEOM, uma cidade-região planejada no noroeste do país, avaliada inicialmente em US$ 500 bilhões, mas que já teria custo projetado próximo de US$ 1,5 trilhão segundo estimativas internas.
No coração do NEOM está The Line, uma cidade linear de 170 km, sem carros, com energia 100% renovável e espaço para até 9 milhões de habitantes. A promessa é revolucionar o conceito de urbanismo, concentrando serviços e transporte em um corredor ultratecnológico com mobilidade interna de alta velocidade.
Outro destaque é Sindalah, ilha de luxo projetada para receber até 2.400 visitantes por dia, com marinas, hotéis cinco estrelas e campos de golfe, gerando cerca de 3.500 empregos até 2028.
Esses projetos não são apenas vitrines de modernidade: eles fazem parte de um plano de atração de turistas, investidores e talentos globais, posicionando a Arábia Saudita como hub de inovação e lazer no Oriente Médio.
A tensão entre ambição e realidade financeira
Apesar do discurso otimista, a execução dos megaprojetos enfrenta obstáculos significativos. Em 2025, o orçamento saudita prevê receitas de US$ 316 bilhões contra gastos de US$ 342 bilhões, indicando um déficit que pressiona o ritmo das obras.
Fontes internas revelam que alguns trechos do NEOM foram reduzidos ou adiados devido à limitação de recursos.
A queda nos preços do petróleo em 2024-2025 acendeu um alerta: sem o fôlego extra do barril valorizado, a capacidade de financiar simultaneamente todos os megaprojetos pode ser comprometida. Isso força o governo a priorizar entregas que gerem retorno mais rápido, como Sindalah, em detrimento de iniciativas mais complexas e demoradas.
Críticas e riscos que rondam o Vision 2030
O tamanho e a velocidade dos investimentos levantam questionamentos. Auditorias indicam que o custo do NEOM foi multiplicado por até 20 vezes desde o anúncio, enquanto o escopo original do The Line foi encolhido para atender restrições orçamentárias.
Há também o fator geopolítico: as tensões na região, a volatilidade do mercado de energia e a possibilidade de mudanças na política global de comércio podem afetar a confiança de investidores estrangeiros. Sem contar o desafio de criar uma nova economia em um país cuja cultura empresarial e estrutura de trabalho ainda se adaptam à abertura para setores não tradicionais.
Energia e geopolítica: um tabuleiro estratégico
Ao mesmo tempo em que investe no futuro, a Arábia Saudita mantém firme seu papel no presente como líder da OPEP e principal exportador de petróleo do planeta.
Essa posição garante influência nas negociações energéticas globais, mas também expõe o país às pressões de transição energética e à competição com produtores emergentes.
A estratégia saudita é dupla: usar o poder do petróleo para financiar a transição e, ao mesmo tempo, consolidar a imagem de um Estado capaz de liderar em setores de ponta.
O sucesso dessa equação dependerá não apenas da execução de megaprojetos, mas da capacidade de equilibrar as contas e atrair capital privado de forma sustentável.
O futuro: potência renovada ou miragem no deserto?
A transformação da Arábia Saudita é um dos experimentos econômicos mais ambiciosos do mundo contemporâneo. Com receitas robustas, avanços no setor de energia limpa e megaprojetos de escala sem precedentes, o país tenta reescrever sua história para além do petróleo.
No entanto, a tensão entre ambição e realidade é constante. Cortes orçamentários, atrasos e ajustes de escopo já mostram que o caminho até 2030 será mais sinuoso do que o planejado.
A pergunta que fica é: a Arábia Saudita conseguirá entregar seu futuro pós-petrolífero no prazo e na escala prometida, ou as cidades futuristas correm o risco de se transformar em monumentos inacabados a um sonho grandioso demais para o deserto?