Um projeto polêmico apresentado na Câmara promete mudar a forma como gigantes da tecnologia atuam no Brasil. A proposta estabelece uma nova cobrança sobre plataformas digitais como Google, Meta e TikTok. O valor arrecadado seria destinado a financiar a criação de satélites nacionais, um sistema próprio de GPS e até uma espécie de “Starlink” estatal
O deputado federal Paulo Guedes (PT-MG) apresentou um projeto de lei (PLP n.153/2025) que pode mexer profundamente no funcionamento das big techs no Brasil.
A proposta para as big techs cria a Contribuição Social sobre a Propriedade de Sistemas de Interface entre Usuários de Internet (CPSI), um novo tributo direcionado a empresas como Google, Meta, TikTok, Amazon e outros serviços que operam na internet.
Em contato com o Metrópoles, o parlamentar afirmou que a medida teria capacidade de levantar até R$ 50 bilhões por ano.
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Esse montante que seria utilizado para financiar projetos de soberania digital, como um sistema próprio de endereçamento de internet (IP e DNS), satélites de baixa órbita para fornecer internet em áreas remotas e até uma alternativa brasileira ao GPS, hoje sob controle dos Estados Unidos.
A proposta ainda não começou a tramitar na Câmara, pois aguarda despacho do presidente Hugo Motta (Republicanos–PB).
Como o tema o projeto de lei é complexo, o site CPG tentará tirar o máximo de duvidas possível.
O que é a CPSI e como funcionaria
O projeto das big techs define como “sistemas de interface entre usuários da internet” (SI) qualquer ferramenta digital que viabilize a comunicação ou troca de informações entre terminais conectados à rede.
Isso inclui buscadores como o Google, redes sociais como o Instagram, provedores de e-mail como o Gmail, aplicativos de mensagens como o WhatsApp, e até jogos e plataformas de streaming.
O artigo 3º estabelece que a cobrança recairá sobre o proprietário, titular de domínio ou possuidor do SI, ou seja, a empresa que controla o serviço.
O artigo 3º do projeto estabelece que a cobrança recairá sobre o proprietário, titular de domínio ou possuidor do sistema de interface — ou seja, sobre a empresa que controla o serviço. Oficialmente, portanto, a CPSI não seria uma taxa cobrada diretamente do usuário comum.
Na prática, porém, é difícil imaginar que as plataformas não encontrem meios de repassar esse custo.
Seja encarecendo planos de assinatura, aumentando valores de publicidade ou reduzindo benefícios gratuitos.
O histórico mostra que o consumidor acaba arcando, direta ou indiretamente, com o peso de novos tributos.
Isso leva a uma dúvida prática
Por exemplo, se um usuário de uma grande big techs, como o Instagram, instalado no celular e também acessa a versão no computador, essa duplicidade seria considerada duas vezes na base de cálculo.
O inciso I do §1º do artigo 3º confirma essa interpretação, pois fala em “cada aplicativo, sua cópia ou instrumento equivalente, instalado em terminal de internet”.
Portanto, o cálculo da cobrança seria feito multiplicando-se o número total de instalações de um aplicativo no Brasil por R$ 12,00, com a conta recaindo sobre a empresa dona da plataforma.
Quem estaria isento
O projeto prevê algumas isenções. O §1º do artigo 6º estabelece que contribuintes com até 3 milhões de terminais não pagariam a CPSI. Isso significa que aplicativos pequenos, startups ou serviços nacionais de menor porte estariam livres do tributo.
Além disso, o §6º do artigo 6º exclui explicitamente sistemas ligados a entidades religiosas, partidos políticos, sindicatos e órgãos públicos.
Na prática, a cobrança se concentra nas chamadas big techs, que possuem centenas de milhões de usuários no Brasil.
O próprio deputado reconhece isso ao dizer que o teto de arrecadação de R$ 3 bilhões por contribuinte (também previsto no artigo 6º) deve atingir diretamente empresas como Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp), Google (Gmail, YouTube, buscador), TikTok, Amazon e outras gigantes digitais.
Para onde vai o dinheiro
O artigo 7º da proposta determina a destinação dos recursos arrecadados. O montante deve ser aplicado em três frentes principais:
- Fortalecimento da soberania digital nacional, com criação de infraestrutura própria de controle de endereços IP, servidores de DNS e protocolos de internet.
- Investimentos em tecnologia para o desenvolvimento regional, sobretudo em áreas mais carentes.
- Universalização do acesso à internet de alta velocidade, gratuita ou a baixo custo, em todo o país.
Já o artigo 8º trata de projetos de maior envergadura. Ele prevê que a União invista na criação de instrumentos brasileiros para atribuição de números de protocolo de internet, o que reduziria a dependência do país de sistemas internacionais.
Além disso, planeja a construção de uma rede de satélites de baixa órbita, semelhantes à constelação Starlink, do bilionário Elon Musk.
Esses satélites seriam capazes não apenas de transmitir internet rápida a todo o território nacional, mas também fornecer serviços de geolocalização em tempo real, uma alternativa ao GPS americano.
As justificativas do deputado
Na justificativa do projeto, Paulo Guedes argumenta que o Brasil vive uma situação de “subordinação digital”, dependente de estruturas estrangeiras para gerir elementos básicos da rede, como endereços IP e servidores-raiz. Para ele, essa vulnerabilidade representa um risco geopolítico.
“Tanto o GPS como os satélites de comunicação que utilizamos são americanos, sob controle totalmente alheio a nós, podendo ser cortados ou terem seus usos limitados arbitrariamente por conta de disputas de qualquer tipo a qualquer momento”, disse o deputado em entrevista ao Metrópoles.
Ele também defende que a nova contribuição não deve gerar impacto direto para os consumidores.
Segundo ele, como a maioria das plataformas digitais não cobra diretamente pelo serviço, mas obtém receita por meio de publicidade ou outros modelos de negócio, não haveria espaço para repassar o custo tributário ao usuário final.
Dúvidas levantadas pelo projeto
Apesar das justificativas, o texto legal abre espaço para diversos questionamentos técnicos e práticos, que ainda não foram respondidos de forma satisfatória.
Quem paga a conta?
O artigo 3º, §1º, inciso I, deixa claro que cada instalação de aplicativo conta como ponto de enlace. Isso gera a dúvida: se uma pessoa possui o Instagram no celular e também acessa no computador, a Meta teria que pagar duas vezes. Não há definição clara se isso não levaria a distorções ou dupla contagem de usuários.
A cobrança é anual?
Na entrevista, o deputado esclareceu que a cobrança será anual, sempre calculada com base no estoque de terminais de cada serviço. Mas o texto do projeto não traz essa periodicidade de forma explícita.
Impacto nas startups brasileiras
Embora haja isenção para serviços com até 3 milhões de terminais, especialistas apontam que startups de rápido crescimento poderiam ultrapassar esse número e se tornarem alvo da tributação.
Isso poderia desestimular a inovação nacional, criando uma barreira de entrada para novos empreendedores.
Possibilidade de repasse ao consumidor
Embora o deputado afirme que não haverá repasse, na prática, as empresas podem compensar a nova despesa aumentando preços de publicidade, assinaturas premium ou reduzindo investimentos no país.
Critério de aumento de alíquota por uso de dados
O §5º do artigo 6º prevê que a alíquota poderá ser elevada em até 50% se a empresa utilizar dados de usuários, mesmo que com consentimento.
Mas o texto não deixa claro quem decidirá se houve “apropriação” de dados nem qual seria o critério objetivo para aplicar essa penalidade.
Risco de bloqueio de plataformas
O artigo 4º autoriza o governo a suspender operações no país em caso de inadimplência. Críticos apontam que isso pode colocar em risco milhões de brasileiros que dependem de serviços digitais para trabalho, educação e comunicação.
O peso da arrecadação
De acordo com os cálculos do deputado, a arrecadação poderia chegar a R$ 50 bilhões anuais. O teto por contribuinte, de até R$ 3 bilhões por ano, se aplicaria a gigantes como Google, Meta e TikTok.
Para dar uma ideia, apenas o WhatsApp tem mais de 120 milhões de usuários ativos no Brasil. Se cada instalação fosse considerada, o valor multiplicado por R$ 12,00 chegaria a montantes bilionários para a Meta.
Na visão do parlamentar, esse desenho garante justiça fiscal, já que cobra apenas das empresas que concentram enormes lucros globais e quase não pagam impostos no Brasil.
O que vem pela frente
Por enquanto, o projeto aguarda despacho da Presidência da Câmara para começar a tramitar. Se for aceito, passará pelas comissões temáticas, provavelmente de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Finanças e Tributação, antes de ir a plenário.
O tema promete gerar grande debate entre parlamentares, juristas, empresas de tecnologia e sociedade civil.
A Proposta também deixa várias questões em aberto: como evitar contagens duplicadas, como impedir repasses indiretos ao consumidor, quem decidirá sobre a apropriação de dados, e se o bloqueio de plataformas em caso de inadimplência é realmente viável.