Setores brasileiros avaliam até 15 meses sem exportar aos EUA após sobretaxa de 50%, enquanto missão da CNI em Washington busca reduzir impactos e o governo Lula analisa aplicar a Lei da Reciprocidade Econômica.
A elevação das tarifas dos Estados Unidos para 50% sobre parte relevante das exportações brasileiras e a possibilidade de o governo acionar a Lei da Reciprocidade Econômica levaram segmentos da indústria a estudar um cenário extremo: passar de 12 a 15 meses sem vender aos norte-americanos.
A estimativa, relatada por executivos afetados pela sobretaxa, ocorre enquanto uma missão liderada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) atua em Washington para tentar reverter, ou ao menos atenuar, o impacto imediato sobre o comércio bilateral.
Negociação em Washington: ofensiva da indústria
Desde meados de agosto, dirigentes empresariais e representantes setoriais mantêm reuniões nos EUA para abrir um canal de negociação com a administração norte-americana. O presidente da CNI, Ricardo Alban, afirmou buscar uma mesa de entendimento.
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“Que a gente possa trilhar um caminho de convergências dos entendimentos e das explicações”, disse.
Em paralelo, a CNI contratou o escritório Ballard Partners para atividades de lobby em Washington. A equipe é liderada por Brian Ballard, conhecido por sua proximidade com o presidente Donald Trump.
Audiência do USTR e contrapontos do Brasil
Em 3 de setembro de 2025, o USTR (Escritório do Representante de Comércio dos EUA) realizou uma audiência pública no âmbito da investigação aberta com base na Seção 301 da Lei de Comércio de 1974.
O procedimento examina práticas brasileiras em seis eixos, entre eles comércio digital, serviços de pagamento, propriedade intelectual, acesso ao mercado de etanol e temas ambientais.
No encontro, o consultor da CNI e ex-diretor-geral da OMC, embaixador Roberto Azevêdo, rebateu a narrativa de prejuízo deliberado aos EUA.
“A noção de que o Brasil está agindo deliberadamente de forma a prejudicar os Estados Unidos é totalmente infundada”, afirmou.
Segundo ele, os fatos mostram que empresas americanas “se beneficiaram” de políticas brasileiras e que eventuais divergências devem ser tratadas por meio de diálogo técnico.
Setores mais atingidos e a corrida por exceções
A sobretaxa de 50% atinge com força cadeias de proteína animal (bovinos e outras carnes), pescados e frutos do mar, têxteis e calçados, além de café e frutas tropicais.
Alguns itens estratégicos, porém, ficaram excluídos das novas alíquotas, como aeronaves e parte relevante da pauta de insumos industriais.
O desenho das exceções alimenta a expectativa de que segmentos hoje onerados possam ingressar em uma lista de alívio tarifário, hipótese ventilada por empresários que participam das conversas em Washington.
Para setores com presença consolidada no mercado americano e contratos de longo prazo, a inclusão em exceções é vista como alternativa para evitar uma interrupção prolongada nas exportações.
Enquanto isso, empresas redimensionam rotas e avaliam postergações de embarques, medidas que, mesmo temporárias, afetam produção, emprego e preços no mercado interno.
Lei da Reciprocidade em análise pelo governo
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva colocou em marcha os ritos para acionar a Lei da Reciprocidade Econômica, recém-sancionada, que autoriza contramedidas a países que imponham barreiras unilaterais consideradas lesivas à competitividade brasileira.
A Camex recebeu o pedido do Itamaraty e tem prazo de 30 dias para apresentar parecer técnico sobre o enquadramento das tarifas americanas.
Embora a possibilidade de retaliação esteja formalmente aberta, a orientação pública do Planalto e da área econômica tem sido priorizar a negociação e calibrar instrumentos de apoio doméstico aos exportadores afetados.
Etanol e SAF entram na pauta
Além da disputa tarifária, a missão empresarial tenta ancorar pontos de interesse comum. Um deles é o etanol.
“Somos os 2 maiores produtores de etanol do mundo, e hoje o etanol é um grande insumo para a produção do SAF [combustível sustentável de aviação]”, disse Ricardo Alban.
A indústria vê oportunidade de cooperação regulatória e tecnológica para ampliar o uso do biofuel na aviação e construir pontes econômicas que ajudem a destravar a pauta comercial.
Comércio bilateral em tensão
A pressão tarifária vem em um momento de déficit brasileiro recorrente na relação com os EUA.
Dados oficiais apontam que, desde 2009, a balança comercial é negativa para o Brasil e superavitária para os Estados Unidos.
Em 2024, os EUA responderam por cerca de 12% das vendas externas brasileiras, fatia relevante para ramos como alimentos processados, café e calçados.
Com a nova alíquota, entidades setoriais estimam perdas bilionárias no segundo semestre e preveem queda acentuada de volumes enquanto perdurar a incerteza regulatória.
Diante do cenário, associações representativas passaram a discutir, como plano de contingência, a hipótese de suspender exportações ao mercado americano por 12 a 15 meses.
A medida, considerada último recurso, teria o objetivo de evitar operações inviáveis sob a tarifa de 50% e dar tempo para redirecionar embarques a outros destinos, renegociar contratos e aguardar desdobramentos da investigação do USTR e das conversas bilaterais.