Lula endurece discurso no BRICS contra práticas tarifárias, aponta impactos da lei Magnitsky e promete retaliação estratégica, enquanto Roberto Gianetti analisa consequências para café, carne, manufaturados e oportunidades de expansão no comércio com a China.
O governo brasileiro intensificou nesta semana a ofensiva diplomática contra os Estados Unidos após a imposição de tarifas de 50% sobre produtos nacionais.
Durante reunião virtual do BRICS, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que os países do bloco são vítimas de “chantagem tarifária” e defendeu uma resposta conjunta às medidas de Washington.
O encontro contou com a presença de líderes de China, Rússia, África do Sul, Egito e Indonésia. A Índia foi representada por seu chanceler.
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Segundo Lula, práticas extraterritoriais como a Lei Magnitsky, que recentemente mirou o ministro Alexandre de Moraes, ameaçam instituições nacionais e se somam às barreiras comerciais.
Críticas de Lula aos EUA
Sem citar nominalmente os Estados Unidos, Lula declarou que “a chantagem tarifária está sendo normalizada como instrumento de conquista de mercados e para interferir em questões domésticas”.
Ele também classificou a presença militar norte-americana no Caribe como um fator de instabilidade e reiterou a necessidade de reformar organismos multilaterais como a ONU e a OMC.
Segundo o presidente, o BRICS deve atuar de forma coesa diante da pressão de potências hegemônicas.
“Dividir é uma estratégia do unilateralismo; unidos, defendemos o multilateralismo”, afirmou.
Impactos imediatos no café e na carne
Em entrevista ao jornal da Times Brasil nesta terça-feira (9), o economista Roberto Gianetti, ex-secretário da Câmara de Comércio Exterior, avaliou que o tarifaço já afeta setores estratégicos, como café e carne bovina.
“Em agosto, as exportações de café caíram 31% em volume para os Estados Unidos, embora o preço internacional tenha evitado uma queda maior em valor”, disse.
No caso da carne, porém, houve aumento de embarques, com crescimento próximo de 26% em quantidade e alta nos preços.
Para Gianetti, parte dessa redução no café reflete antecipação de compras feitas em julho por grandes torrefações norte-americanas, que estocaram produto brasileiro antes da elevação tarifária.
Ele acredita que o mercado internacional tende a se ajustar.
“Se a Colômbia redirecionar café para os EUA, abrirá espaço para o Brasil vender mais à Europa. Esse efeito de substituição deve evitar uma crise grave para o setor”.
Manufaturados são os mais prejudicados
Apesar do alívio relativo para commodities, Gianetti destacou que os bens manufaturados são os mais prejudicados.
“Uma empresa de móveis do Paraná, que destinava 90% da exportação aos Estados Unidos, perdeu em uma canetada um mercado construído em dez anos. Esse é o drama maior: sapatos, confecções, móveis e alimentos industrializados não encontram substituição imediata”, afirmou.
O economista reforçou que as medidas não têm base técnica, mas política.
Segundo ele, a pressão sobre o Supremo Tribunal Federal e a posição do Brasil no BRICS pesaram na decisão da Casa Branca.
China se torna alternativa ao mercado americano
Questionado sobre a possibilidade de a China absorver o excedente que não vai mais para os EUA, Gianetti avaliou que há espaço para ampliar vendas.
“Existe um mercado potencial enorme, inclusive para produtos semielaborados e combustíveis. O etanol, por exemplo, pode se tornar um item bilionário nas exportações ao mercado chinês”, afirmou.
Ele destacou que a relação comercial entre Brasil e China é complementar, diferente da rivalidade entre Pequim e Nova Déli.
Para Gianetti, essa característica abre oportunidades de médio e longo prazo. “Há muito campo para prosperar, desde que o Brasil diversifique mercados e produtos”.
BRICS mais unido após pressão dos EUA
Embora reconheça divergências internas no bloco, como disputas territoriais entre Índia e China, o economista afirmou que a pressão dos EUA acabou fortalecendo a unidade dos países emergentes.
“Se há algo que Trump conseguiu foi unir mais os BRICS. A retaliação aproximou interesses e criou um contrapeso maior à política americana”, avaliou.
Gianetti acredita ainda que o setor privado norte-americano deve pressionar por mudanças. “O café arábica é produzido basicamente na América Latina. Se faltar, torrefações e consumidores vão reclamar em Washington. Pode ser que os EUA percebam que o tarifaço foi um tiro no pé”, disse.
Diversificação como saída estratégica
Para o economista, o caminho brasileiro passa por reduzir a dependência de um único mercado e investir em novos destinos.
Ele citou o trabalho do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, na abertura de frentes comerciais.
“Os empresários estão se mobilizando, viajando em missões internacionais. Com tempo, o Brasil vai conseguir compensar parte das perdas e até ampliar exportações”, concluiu.
Em meio à disputa comercial, fica a dúvida: o Brasil conseguirá transformar a crise com os Estados Unidos em uma oportunidade de consolidação de novos parceiros estratégicos?