Após 20 anos de ocupação, juíza de Cuiabá converte reintegração de posse em desapropriação indireta de fazenda em Mato Grosso. Ocupantes deverão indenizar os antigos donos.
Uma disputa de mais de duas décadas sobre a posse da Fazenda Nazaré, em São José dos Quatro Marcos, interior de Mato Grosso, chegou a um desfecho marcante. A juíza Adriana Sant’Anna Coningham, da Segunda Vara Especializada em Direito Agrário de Cuiabá, decidiu nesta semana que os atuais ocupantes não serão removidos da área de 1,2 mil hectares, mas terão de indenizar o proprietário original, o francês Armando Lerco.
A decisão converteu o pedido de reintegração em desapropriação indireta, reconhecendo a transformação social da região ao longo dos últimos 20 anos.
O início da disputa pela fazenda
A ação foi ajuizada em 2005 por Armando Lerco, que comprou a fazenda em 1992.
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Ele relatou que, após investir na estrutura da propriedade e transformá-la em uma área produtiva de milho, banana e outras culturas, enfrentou invasões a partir de 1996.
Apesar de conseguir uma liminar para proteção da posse, Lerco relatou dificuldades para cumprir a decisão.
O caso chegou a repercutir internacionalmente, envolvendo diplomacia entre Brasil e França e até apoio da Polícia Federal para tentar efetivar a reintegração.
A vida interrompida pelo conflito agrário
Segundo o processo, o produtor chegou a empregar 40 trabalhadores rurais e manter a fazenda como “modelo” na região.
Porém, após as invasões, a área foi devastada. Em 2000, diante das ameaças e do risco à família, ele deixou Mato Grosso e se mudou para Curitiba (PR), seguindo orientação da Embaixada da França.
Posteriormente, a propriedade foi arrendada para atividades agrícolas e pecuárias, mas novas invasões ocorreram.
Em 2003, cerca de 30 pessoas ocuparam a área, aproveitando-se do fim da colheita.
Ocupantes alegaram assentamento comunitário
Na defesa, os invasores argumentaram que não houve violência e que a ocupação se transformou em assentamento consolidado.
Atualmente, vivem no local mais de 150 famílias, com rede elétrica, abastecimento de água, transporte escolar, posto de saúde e igrejas.
Essa estrutura comunitária foi um dos pontos considerados pela juíza ao avaliar o impacto social da ocupação prolongada da fazenda.
Sentença da juíza: desapropriação indireta
Com base nas provas apresentadas, incluindo imagens de satélite que mostravam a utilização agrícola da área antes da invasão, a magistrada reconheceu que os donos possuíam direito à posse.
No entanto, destacou que a realidade social e econômica construída ao longo de duas décadas inviabilizava a simples reintegração.
Dessa forma, aplicou o instituto da desapropriação indireta, convertendo a ação em indenização financeira.
Os ocupantes deverão pagar um valor, a ser definido em liquidação de sentença, para que possam registrar o imóvel em seus nomes.
Caso não quitem a dívida, poderão perder os lotes.
Justiça e impacto social
A decisão da juíza Adriana Sant’Anna Coningham representa uma solução intermediária em um dos conflitos agrários mais longos do estado.
O proprietário da fazenda, ainda que não recupere a área, será indenizado pelo tempo em que ficou privado de seus direitos.
Por outro lado, as famílias que hoje vivem no local terão a chance de permanecer legalmente, desde que cumpram com o pagamento da indenização.
Assim, a sentença equilibra o direito de propriedade com o reconhecimento da relevância social construída ao longo dos anos.
“Isto posto, julgo procedente o pedido inicial de reintegração de posse pretendido por Armando Lerco, Chantal Marie Christine Edwige Roulaud e Espólio de Alain Bernard Roulaud sobre a área de 1.224,6500 hectares, situada no município de São José dos Quatro Marcos, denominada Fazenda Nazaré.
No entanto, presentes os requisitos legais, converto o pedido de reintegração de posse em desapropriação judicial privada indireta ou desapropriação por posse trabalho e condeno todos réus e todos os atuais ocupantes da área, incluindo a Associação Vale do Jauru – AVJ, Associação dos Trabalhadores Rurais do Assentamento Irmã Dorati e seus membros, ao pagamento da justa indenização aos autores”, diz a decisão.