Maior produtor de café do mundo, o Brasil ainda importa cápsulas de café da Europa. Contradição revela falta de industrialização e dependência de marcas globais, afirmam especialistas.
O café é símbolo da economia brasileira, responsável por mais de um terço da produção mundial e por bilhões de dólares em exportações todos os anos. O Brasil exporta grãos para mais de 120 países e é o maior fornecedor de café verde do planeta. Ainda assim, em meio a volumes gigantescos que deixam os portos nacionais rumo a Estados Unidos, Alemanha, Itália e Japão, existe um dado curioso e pouco conhecido: o Brasil também importa café.
Em valores relativamente pequenos, chegam ao país cargas de café solúvel, cápsulas industrializadas e até mesmo alguns lotes de grãos verdes de regiões específicas. Essa aparente contradição revela muito sobre as lacunas da industrialização local, os hábitos de consumo e a dinâmica global do mercado de café.
O Brasil como potência do café
Em 2024, o Brasil exportou mais de 40 milhões de sacas de café, gerando receitas superiores a US$ 8 bilhões. Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo são os grandes polos de produção, abastecendo tanto o mercado interno quanto gigantes internacionais como Starbucks, Nestlé e Lavazza. Esse protagonismo faz do país referência absoluta no setor, com cadeias logísticas que movimentam milhares de produtores, cooperativas e tradings.
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A maioria dessas exportações, no entanto, é de café verde (grão não torrado). Isso significa que o valor agregado do produto acaba sendo capturado em outros países, que torrefam, solubilizam, encapsulam e revendem a preços muito mais altos.
É justamente nesse ponto que aparece a contradição: enquanto exporta volumes colossais de matéria-prima, o Brasil também importa versões industrializadas do mesmo produto.
As importações de café pelo Brasil
Segundo dados oficiais de comércio exterior, em 2023 o Brasil importou US$ 112 milhões em café (HS 0901), incluindo alguns lotes de grão verde e torrado, além de produtos industrializados.
Já em 2024, registrou cerca de US$ 3,6 milhões em café solúvel e extratos (HS 21011110), provenientes principalmente da Europa.
Entre os maiores exportadores para o Brasil estão países como Suíça, Itália e Alemanha, sedes de grandes indústrias globais de cápsulas e solúveis.
Essas importações atendem nichos específicos de consumo interno, sobretudo de cafés premium, especiais ou de marcas globais que fazem questão de manter o mesmo padrão de sabor em todos os países. É o caso de cápsulas como as da Nespresso ou do café solúvel de marcas consolidadas que não têm produção local.
Por que importar se o Brasil já produz?
A explicação para essa contradição está em três fatores principais:
Tecnologia industrial e padronização global – Algumas empresas mantêm linhas de produção centralizadas na Europa, garantindo que a cápsula vendida no Brasil seja idêntica à da França ou dos EUA.
Segmento premium e marketing – Consumidores que buscam marcas internacionais pagam mais caro por produtos “de fora”, mesmo que a matéria-prima seja originalmente brasileira.
Falta de adensamento produtivo – Apesar de liderar a produção agrícola, o Brasil ainda concentra sua atuação na exportação de grão verde. A industrialização em larga escala, que gera maior valor agregado, ocorre principalmente em outros países.
Impactos no mercado interno
Embora os volumes importados sejam pequenos em comparação às exportações, eles têm peso simbólico. Mostram que o Brasil, mesmo sendo potência agrícola, ainda depende de produtos industrializados do exterior em alguns nichos.
No mercado interno, essa dinâmica cria um cenário curioso: o brasileiro paga caro por cápsulas importadas feitas, muitas vezes, com grãos produzidos em Minas Gerais ou Espírito Santo.
Isso significa que parte da riqueza gerada pela lavoura acaba sendo apropriada no processo de industrialização no exterior.
Oportunidade para a indústria nacional
Especialistas do setor veem nessa contradição uma oportunidade. O mercado brasileiro de cápsulas e cafés solúveis cresce ano após ano, impulsionado pela urbanização e pela busca de conveniência.
Estima-se que o consumo de cápsulas cresceu mais de 10% ao ano na última década. Isso abre espaço para indústrias locais ampliarem sua participação, reduzindo a dependência de importados e capturando mais valor agregado.
Algumas empresas já investem nesse segmento, lançando cápsulas compatíveis com máquinas populares e expandindo linhas de café solúvel. Mas a concorrência com gigantes internacionais, que têm forte marketing e poder de marca, ainda é desigual.
O que essa contradição revela
A importação de café pelo Brasil, mesmo em pequena escala, revela um padrão recorrente da economia brasileira: exportar commodities de baixo valor agregado e importar produtos industrializados mais caros. É a mesma lógica que se repete no petróleo (exporta cru, importa derivados) e em outras cadeias produtivas.
No caso do café, essa realidade se soma a uma questão cultural. O consumo interno ainda privilegia o café em pó tradicional, enquanto nichos premium e convenientes (como cápsulas) são dominados por marcas globais. O resultado é uma presença tímida da indústria nacional em segmentos de maior margem.
Para mudar esse quadro, especialistas apontam que o Brasil precisa investir mais em industrialização, inovação e marketing internacional.
A imagem de fornecedor de café de qualidade já existe, mas ainda falta consolidar o país como líder também em produtos de maior valor agregado.
Enquanto isso, a contradição permanece: o maior produtor de café do mundo ainda precisa importar cápsulas e solúveis da Europa, pagando mais caro por produtos feitos com o seu próprio grão.