O Alasca, conhecido por suas paisagens geladas e vastas áreas selvagens, carrega um pedaço da história russa que sobrevive há mais de 150 anos. Essa herança está presente nas ruas, na arquitetura, nas tradições religiosas e até nos nomes das cidades, revelando um passado que ainda pulsa no presente.
No Alasca, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, se reúnem nesta sexta-feira (15) para um encontro considerado histórico.
Este será o primeiro encontro presencial entre os dois líderes desde que Trump retornou à Casa Branca.
A reunião acontece em Anchorage, no sul do Alasca, às 16h30, no horário de Brasília. Apenas Trump, Putin e seus intérpretes estarão presentes na conversa direta.
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Enquanto isso, as delegações russa e americana participarão de um almoço de trabalho.
Após as discussões, está prevista uma coletiva de imprensa conjunta às 20h30.
A escolha do Alasca como cenário desse diálogo de alto nível desperta interesse, não apenas pelo simbolismo geopolítico, mas também pelo passado histórico que liga o estado norte-americano à Rússia.
O Alasca e suas raízes russas
O Alasca, com suas paisagens geladas e biodiversidade singular, mantém marcas profundas do período em que esteve sob domínio russo.
A colonização deixou influências na cultura, na arquitetura, na religião e até nos nomes de localidades.
A presença russa começou séculos antes da venda do território aos Estados Unidos, em 1867. Apesar de o controle ter terminado oficialmente nesse ano, os vestígios da antiga colônia permanecem vivos no cotidiano de várias comunidades.
A expansão russa até o Pacífico
A expansão russa para o leste iniciou no século XVI e avançou por vastas áreas da Sibéria. Em 1639, os exploradores chegaram ao Oceano Pacífico.
Essa trajetória culminou, no século XVIII, com expedições organizadas para mapear a costa do Alasca.
O navegador Vitus Bering liderou a expedição de 1741 que desembarcou na região, marcando o primeiro contato europeu com o território.
Logo após, caçadores e comerciantes conhecidos como promyshlenniki instalaram postos para explorar o valioso comércio de peles de lontra-marinha.
A criação da Companhia Russo-americano
Em 1799, o czar Paulo I fundou a Companhia Russo-americano (RAC), concedendo a ela o monopólio do comércio de peles e autoridade administrativa no Alasca.
A RAC, sob a liderança de Aleksandr Baranov, fundou a cidade de Novo-Arkhangelsk, atual Sitka, que se tornou capital da América Russa.
A empresa não apenas controlava as atividades comerciais, mas também implantava políticas coloniais, mantinha relações com povos indígenas e desenvolvia infraestrutura.
Essa organização foi essencial para consolidar a presença russa na região.
Relações com os povos nativos
A chegada russa afetou diretamente comunidades como os Aleutas, Alutiiq e Tlingit. As interações variaram entre parcerias comerciais e confrontos armados.
Um episódio marcante foi a Batalha de Sitka, em 1804, quando os Tlingit resistiram à ocupação.
Além dos conflitos, houve forte intercâmbio cultural e religioso. Missionários da Igreja Ortodoxa Russa converteram milhares de indígenas, integrando elementos ortodoxos às tradições locais.
Venda do Alasca
No século XIX, a viabilidade econômica da colônia foi questionada. A distância da Rússia, os altos custos de manutenção e a competição com outras potências, especialmente britânicas, levaram o czar Alexandre II a negociar a venda.
Em 1867, os Estados Unidos adquiriram o Alasca por 7,2 milhões de dólares.
O acordo ficou conhecido como “Loucura de Seward”, em referência ao secretário de Estado americano William H. Seward, que conduziu as negociações.
Herança arquitetônica
A arquitetura russa é um dos legados mais visíveis. Em Sitka, a Catedral de São Miguel, construída em 1848, foi centro espiritual da Igreja Ortodoxa na América do Norte. Após um incêndio em 1966, a reconstrução preservou o estilo original.
Outro exemplo é a Igreja da Ascensão de Nosso Senhor, em Unalaska. Fundada em 1826, teve como líder o padre Ioann Veniaminov, mais tarde canonizado como Santo Inocêncio do Alasca. A igreja atual foi construída entre 1894 e 1896, reaproveitando madeiras de construções anteriores. Em 1970, recebeu o título de Marco Histórico Nacional.
A religião e a cultura
A Igreja Ortodoxa Russa chegou ao Alasca em 1794 e desde então exerce papel importante na vida cultural. Em muitas comunidades, igrejas funcionam como centros religiosos e sociais.
O “Slaaviq”, tradição natalina, exemplifica a fusão cultural: grupos visitam casas cantando hinos que misturam influências indígenas e russas. Festividades como o Natal e a Páscoa mantêm rituais que combinam simbolismos das duas culturas.
Nomes e língua
A toponímia do Alasca revela a herança russa. Cidades como Sitka e Kodiak preservam nomes originados no período colonial. Em Ninilchik, sobrevive um raro dialeto russo, chamado niniltchik, considerado relíquia linguística.
Essa língua é estudada por linguistas como um exemplo vivo do contato entre colonizadores e povos nativos.
Culinária e artesanato
A culinária local também reflete influências russas. Pratos como o borscht, sopas ricas em vegetais e peixes defumados permanecem presentes. O pão preto, introduzido no período colonial, ainda é preparado em algumas comunidades.
O artesanato, especialmente ícones religiosos e utensílios de uso diário, mescla técnicas russas e indígenas, criando peças de valor histórico e cultural.
Função social das igrejas
Durante a colonização, as igrejas ortodoxas serviam como escolas e pontos de apoio social. Sua arquitetura, com cúpulas em formato de cebola e cruzes ornamentadas, tornou-se símbolo duradouro do período russo.
Em Kodiak, o Mosteiro de São Herman é local de peregrinação e preserva a memória de um dos primeiros missionários ortodoxos do Alasca.
Preservação da memória
O Parque Histórico Nacional de Sitka mantém restos de um antigo forte russo. Museus como o Estadual do Alasca, em Juneau, e o Sheldon Jackson, em Sitka, exibem documentos, mapas e utensílios que contam a história da presença russa.
Pesquisadores documentam dialetos como o de Ninilchik, enquanto sítios arqueológicos revelam detalhes da infraestrutura colonial.
A influência russa incluiu a introdução de escolas missionárias, que alfabetizavam indígenas em russo. Essa educação foi considerada avançada para a época e deixou marcas duradouras na cultura local.
A venda vista hoje
À época, muitos nos Estados Unidos criticaram a compra. No entanto, a descoberta de ouro e petróleo transformou o Alasca em um ativo estratégico e econômico de grande valor. Hoje, historiadores veem a negociação como um acerto dos EUA.
Festivais e turismo
Eventos como o Dia do Alasca Russo celebram a herança cultural. Cidades como Sitka promovem passeios guiados, exposições e apresentações artísticas para manter viva essa parte da história.
O turismo é peça-chave na preservação dessa memória, atraindo visitantes interessados nas conexões culturais entre Rússia e Alasca.
O Alasca é um mosaico de influências culturais. A presença russa, mesmo encerrada há mais de 150 anos, deixou marcas profundas que resistem no idioma, na religião, na culinária e nos nomes de lugares.
Essa herança demonstra como o encontro de mundos diferentes pode gerar uma identidade singular, preservada por gerações.