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Alasca ainda guarda resquícios da época em que pertenceu à Rússia? A resposta é SIM — muita arquitetura, cultura e religião!

Escrito por Fabio Lucas Carvalho
Publicado em 02/01/2025 às 12:06
Alasca, Rússia
Foto: Reprodução

O Alasca, que um dia pertenceu à Rússia, ainda preserva traços dessa época, incluindo arquitetura histórica, tradições culturais e influências religiosas marcantes.

O Alasca, com suas vastas paisagens geladas e rica biodiversidade, possui uma história marcada pela presença russa que deixou influências duradouras na cultura, arquitetura, religião e toponímia da região.

Embora a colonização russa tenha terminado em 1867, quando o território foi vendido aos Estados Unidos, os vestígios desse período ainda são evidentes no Alasca contemporâneo.

A expansão russa e a colonização do Alasca

A expansão russa para o leste começou no século XVI, culminando com a chegada ao Oceano Pacífico em 1639. No século XVIII, exploradores da Rússia, liderados por Vitus Bering, iniciaram expedições para mapear a costa do Alasca.

Em 1741, Bering e sua tripulação desembarcaram no Alasca, estabelecendo os primeiros contatos europeus com a região.

A partir de então, comerciantes e caçadores da Rússia, conhecidos como promyshlenniki, estabeleceram postos avançados ao longo da costa, focados no lucrativo comércio de peles de lontra-marinha.

A companhia Russo-americano e a administração colonial

Em 1799, o czar Paulo I estabeleceu a Companhia Russo-americano (RAC), concedendo-lhe o monopólio do comércio de peles no Alasca e autoridade governamental sobre os assentamentos.

Sob a liderança de Aleksandr Baranov, a companhia expandiu suas operações, fundando a cidade de Novo-Arkhangelsk (atual Sitka) como capital da América Russa.

A RAC não apenas administrava as atividades comerciais, mas também implementava políticas coloniais, interagindo com as populações indígenas e estabelecendo infraestrutura na região.

Interações com as populações Indígenas

A colonização russa impactou significativamente as populações indígenas do Alasca, incluindo os Aleutas, Alutiiq e Tlingit. As relações variaram de cooperação comercial a conflitos armados. Os Tlingit, por exemplo, resistiram à ocupação russa, resultando na Batalha de Sitka em 1804.

Além dos conflitos, houve intercâmbio cultural e religioso. Missionários da Igreja Ortodoxa Russa evangelizaram milhares de indígenas, e a religião ortodoxa foi incorporada às práticas culturais de algumas comunidades.

Batalha de Sitka entre a Rússia e nativos do Alasca, 1804
Louis S Glanzman/Domínio público

A venda do Alasca aos Estados Unidos

No século XIX, a viabilidade econômica e estratégica da colônia russa no Alasca foi questiionada. A distância em relação à Rússia, os custos elevados de manutenção e defesa, além da competição com outras potências coloniais, levaram o governo russo a considerar a venda do território.

Em 1867, o czar Alexandre II vendeu o Alasca aos Estados Unidos por 7,2 milhões de dólares, uma transação que ficou conhecida como a “Loucura de Seward“, em referência ao Secretário de Estado americano William H. Seward, que negociou a compra.

William H. Seward e Eduard de Stoeckl negociando a compra do Alasca
Emanuel Leutze

Legado russo no Alasca moderno

Apesar de a colonização russa ter terminado há mais de 150 anos, seu legado permanece evidente no Alasca contemporâneo. A influência russa é particularmente visível na arquitetura, religião, toponímia e cultura da região.

Catedral de São Miguel

Vários edifícios históricos no Alasca refletem a arquitetura russa. A Catedral de São Miguel, localizada em Sitka, é um exemplo emblemático.

Saint Michaels – Foto: Barek/Public Domain

Originalmente construída em 1848, a catedral serviu como centro espiritual da Igreja Ortodoxa Russa na América do Norte.

Embora tenha sido destruída por um incêndio em 1966, foi reconstruída posteriormente, mantendo seu estilo arquitetônico original.

Além da catedral, outros edifícios e sítios históricos em Sitka e Kodiak preservam a herança arquitetônica russa, atraindo turistas e estudiosos interessados na história da região.


Igreja da Ascensão de Nosso Senhor – 1826

Outro exemplo é a Igreja da Ascensão de Nosso Senhor, localizada em Unalaska, Alasca, sendo uma das mais antigas igrejas ortodoxas russas na América do Norte.

Estabelecida em 1825, desempenhou um papel fundamental na evangelização das comunidades indígenas da região.

Igreja da Santa Ascensão, Marco Histórico Nacional, Unalaska, Ilhas Aleutas
Foto NPS/R. Hood

O Padre Ioann Veniaminov, que mais tarde foi canonizado como Santo Inocêncio do Alasca, liderou a paróquia de Unalaska a partir de 1824. Ele treinou moradores locais em técnicas de construção russas e supervisionou a edificação da igreja original em 1826.

A estrutura atual da igreja foi construída entre 1894 e 1896, no mesmo local das edificações anteriores de 1826 e 1858.

Madeiras das igrejas anteriores foram reutilizadas na construção, seguindo a tradição. A igreja é reconhecida por sua arquitetura em estilo cruciforme e cúpulas características, refletindo a influência russa na região.

Em 1970, foi designada como Marco Histórico Nacional dos Estados Unidos, destacando sua importância cultural e histórica.

Atualmente, a Igreja da Ascensão continua ativa, servindo à comunidade local e preservando a herança ortodoxa russa nas Ilhas Aleutas.

Ela abriga artefatos religiosos significativos e permanece como um símbolo da fé e resiliência da população Aleuta.

A igreja também é um ponto de interesse para visitantes que desejam explorar a história e a cultura da região.

Religião e tradições culturais

A Igreja Ortodoxa Russa mantém uma influência profunda no Alasca, combinando tradições religiosas com a cultura indígena local. Desde sua chegada em 1794, missionários da Rússia desempenharam um papel importante na evangelização da região.

Essa interação deu origem a um sincretismo único, unindo elementos do cristianismo ortodoxo e das práticas espirituais indígenas.

Hoje, igrejas ortodoxas estão presentes em várias localidades do Alasca, atuando como centros religiosos e culturais. As celebrações religiosas, como o Natal e a Páscoa, são momentos emblemáticos dessa fusão.

O “Slaaviq”, por exemplo, é uma tradição natalina na qual grupos visitam casas cantando hinos religiosos, prática que incorpora cânticos indígenas e russos.

Outras influências russas no Alasca

Nomes de Lugares: Muitos nomes de localidades no Alasca têm origem russa, refletindo a presença histórica dos colonizadores.

Cidades como Sitka (originalmente Novo-Arkhangelsk) e Kodiak mantêm nomes derivados do período colonial russo. Além disso, a influência russa é evidente em nomes de acidentes geográficos e outros locais na região.

Língua e Dialetos: Em algumas comunidades do Alasca, especialmente em Ninilchik, um dialeto russo raríssimo, conhecido como niniltchik, sobrevive até os dias atuais. Esse dialeto é uma relíquia linguística que testemunha a presença russa na região e o intercâmbio cultural com as populações locais.

Influência na culinária e artesanato: bA culinária do Alasca também reflete influências russas, com pratos tradicionais que incorporam técnicas e ingredientes introduzidos pelos colonializadores da Rússia. Um exemplo é o uso de peixes defumados, pão preto e sopas como o borscht, que ainda são encontrados em comunidades com fortes raízes russas.

A tradição do artesanato também foi influenciada pelos russos, especialmente na confecção de ícones religiosos e utensílios que combinam técnicas locais e coloniais.

A influência das Igrejas Ortodoxas

A Igreja Ortodoxa Russa desempenhou um papel central durante a colonização. Além da evangelização, as igrejas também serviam como centros comunitários, locais de educação e fontes de assistência social.

A arquitetura dessas igrejas, com suas cúpulas em formato de cebola e cruzes características, é uma das marcas mais visíveis do período russo no Alasca.

Em muitas comunidades indígenas, a fé ortodoxa foi adotada e adaptada, resultando em um sincretismo religioso que combina tradições cristãs e práticas espirituais indígenas.

Exemplos notáveis incluem festividades religiosas, como a celebração do Ano Novo Ortodoxo, que é observada com desfiles, música e rituais únicos. Em Kodiak, onde se encontra o Mosteiro de São Herman, há uma veneração particular a este santo, que foi um dos primeiros missionários ortodoxos a chegar ao Alasca.

Mosteiro de São Herman

Vestígios arqueológicos e museus

Além das igrejas e edifícios históricos, há sítios arqueológicos que revelam a infraestrutura da colonização russa, incluindo postos comerciais, fortes e assentamentos.

Em Sitka, o Parque Histórico Nacional de Sitka preserva os vestígios de um forte russo e outros artefatos relacionados ao período colonial.

Os museus locais, como o Museu Estadual do Alasca em Juneau e o Museu de História Sheldon Jackson em Sitka, exibem documentos, mapas, utensílios e obras de arte que contam a história da presença russa.

Impacto lingüístico e educacional

Um aspecto menos visível, mas importante, é o impacto da língua russa no Alasca. Embora a maioria dos falantes de russo tenha desaparecido após a venda do território, pequenos bolsões de comunidades, como em Ninilchik, mantiveram dialetos únicos.

Esses dialetos estão sendo documentados por linguistas, que os consideram tesouros culturais e exemplos vivos do contato linguístico e cultural entre russos e indígenas.

Além disso, os russos introduziram sistemas educacionais que incorporavam a alfabetização em russo, algo raro para o período. Muitos indígenas tiveram acesso à educação formal através de escolas missionárias.

A venda do Alasca: Estratégia ou perda?

A decisão de vender o Alasca foi controversa. Para a Rússia, o território era difícil de defender e administrar, especialmente com a ameaça crescente de potências britânicas no Canadá.

Para os Estados Unidos, a compra parecia inicialmente um desperdício, mas a descoberta de recursos naturais, como ouro e petróleo, transformou o Alasca em uma das regiões mais estratégicas e valiosas do país. Hoje, muitos historiadores veem a transação como um dos maiores acertos estratégicos dos EUA.

A herança cultural viva

Embora a maioria das influências russas tenha sido assimilada pela cultura americana, algumas tradições permanecem vivas.

Festivais como o Dia do Alasca Russo celebram a história compartilhada entre os dois países. Comunidades locais continuam a preservar músicas, danças e práticas culinárias herdadas da colonização.

O turismo também desempenha um papel fundamental na manutenção da herança russa. Cidades como Sitka atraem milhares de visitantes interessados em explorar as conexões culturais e históricas do Alasca com a Rússia.

Passeios guiados, eventos culturais e exposições são organizados regularmente para manter viva essa parte da história.

O Alasca é uma região única que reflete um mosaico de influências culturais. A presença russa, apesar de breve em termos históricos, deixou marcas profundas que ainda ressoam na identidade do estado.

Desde as igrejas ortodoxas até os dialetos em extinção, passando pela culinária e os nomes de lugares, o Alasca continua a narrar a fascinante história de como dois mundos distantes se encontraram no extremo norte da América.

Essa conexão cultural é um lembrete da complexidade da história humana e da importância de preservar nossas heranças compartilhadas.

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Fabio Lucas Carvalho

Jornalista especializado em uma ampla variedade de temas, como carros, tecnologia, política, indústria naval, geopolítica, energia renovável e economia. Atuo desde 2015 com publicações de destaque em grandes portais de notícias. Minha formação em Gestão em Tecnologia da Informação pela Faculdade de Petrolina (Facape) agrega uma perspectiva técnica única às minhas análises e reportagens. Com mais de 10 mil artigos publicados em veículos de renome, busco sempre trazer informações detalhadas e percepções relevantes para o leitor. Para sugestões de pauta ou qualquer dúvida, entre em contato pelo e-mail flclucas@hotmail.com.

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