Robôs movidos a energia solar, genômica avançada e inteligência artificial impulsionam soluções no campo brasileiro, reduzindo o uso de químicos e ajudando agricultores a enfrentar os desafios impostos pelas mudanças climáticas e pela escassez de recursos.
Robôs movidos a energia solar que identificam ervas daninhas planta a planta, bioinsumos capazes de regenerar o solo e plataformas que antecipam eventos extremos já fazem parte do cotidiano do campo no Brasil.
O avanço, relatado em reportagem do portal UOL e liderado por agtechs e centros de pesquisa, posiciona o país como produtor de alimentos e, ao mesmo tempo, como aliado no enfrentamento da crise climática ao reduzir insumos químicos e emissões.
Referência global em produtividade agrícola, o Brasil consolida um polo de inovação que integra softwares, biotecnologia, inteligência artificial, automação e robótica.
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O Radar Agtech Brasil 2024, elaborado por Embrapa, Homo Ludens e SP Ventures, contabiliza 1.972 agtechs em operação no país. Em 2019, eram 1.125.
A expansão expressiva em cinco anos ajuda a explicar a variedade de soluções que chegam às fazendas.
De acordo com Philippe Figueiredo, analista de inovação do Sebrae, as empresas do setor se concentram em quatro frentes.
A primeira mira eficiência produtiva, com sensores, drones, IA e análise de dados para calibrar o uso de insumos e elevar o rendimento.
Outra linha prioriza sustentabilidade, estimulando uso racional da água, controle biológico de pragas e recuperação de áreas degradadas.
Há ainda a rastreabilidade e certificação, que abrem portas para mercados mais exigentes.
Por fim, ganham tração as soluções de adaptação climática, desenhadas para mitigar impactos de secas, enchentes e outras intempéries.
O ecossistema se nutre de ciência local e empreendedorismo.
“A competência da agropecuária brasileira é resultado do espírito empreendedor dos seus produtores e de ciência própria desenvolvida pelos institutos de pesquisa e universidades brasileiras”, afirma Sergio Marcus Barbosa, gerente executivo da ESALQTec.
Para Figueiredo, o país se coloca como um “laboratório” de tecnologias sustentáveis, com destaque para agricultura regenerativa, ILPF (integração lavoura-pecuária-floresta), agricultura de precisão, monitoramento por satélite, irrigação eficiente e silvicultura com espécies nativas.
Piracicaba e o “Vale do Silício caipira”
Desde a década de 1990, Piracicaba (SP) tornou-se um ponto de encontro entre pesquisa e negócios no agro.
A Esalq/USP criou em 1994 uma incubadora que, a partir de 2006, passou a abrigar startups e pequenas empresas de base tecnológica. Hoje, a ESALQTec apoia 121 empresas, com oito residentes e 113 associadas.
O município conta também com um Parque Tecnológico que oferece incentivos fiscais e estimula a cooperação entre companhias mais maduras e novatas, o que consolidou a imagem de “Vale do Silício caipira”.
Robôs solares e menor uso de químicos
Inovação de ponta surge em Araçatuba (SP), onde a Solinftec desenvolveu robôs autônomos para monitoramento fino das lavouras e aplicação localizada de insumos.
O Solix opera com 100% de energia solar e, segundo resultados da empresa, reduziu em até 90% o uso de herbicidas em culturas como soja, milho e cana.
“Com menos aplicação de químicos, conseguimos preservar a fertilidade do solo e reduzir o risco de contaminação de rios e nascentes”, diz Bruno Pavão, chefe de operações de robótica.
Ao dispensar combustíveis fósseis, o equipamento diminui a pegada de carbono e amplia a autonomia no campo, preservando organismos benéficos, como polinizadores e inimigos naturais de pragas.
Genômica para resiliência a secas e calor
Fundada em 2022, a InEdita Bio aposta em plataformas próprias de edição genômica para reduzir o uso de defensivos e aumentar a resistência das plantas a pragas e extremos climáticos.
Os primeiros cultivares editados apresentam tolerância à seca e ao calor, com aprimoramentos no sistema radicular e na interação com microrganismos benéficos.
Para o CEO, Paulo Arruda, perdas de produtividade por doenças e pragas permanecem elevadas no mundo, e a intensificação de eventos climáticos torna urgente disseminar soluções de efeito duradouro.
As pesquisas também buscam elevar a eficiência fotossintética, o sequestro de carbono e a associação com bactérias fixadoras de nitrogênio.
Bioinsumos e recuperação do solo
Criada em 2021, a Symbiomics estrutura consórcios microbianos — combinações de microrganismos que atuam em sinergia — para nutrir plantas, controlar pragas e regenerar o solo.
A seleção das melhores combinações para cada ambiente agrícola é acelerada por inteligência artificial e machine learning, que analisam desempenho em diferentes condições.
“Em solos degradados, os bioinsumos podem restabelecer funções ecológicas essenciais, criando um ambiente mais propício ao desenvolvimento de comunidades microbianas benéficas e à produtividade”, explica Jader Armanhi, cofundador.
Dados para prever extremos e orientar decisões
A Agrosmart, criada em 2014, combina sensores a campo, imagens de satélite e dados climáticos hiperlocais para orientar irrigação, plantio, colheita e uso de defensivos.
A proposta é reduzir consumo de água, energia e insumos, além de antecipar riscos de safra para minimizar perdas.
“Começamos com a missão de empoderar o produtor com informações em tempo real para produzir de forma mais eficiente, sustentável e resiliente”, afirma Mariana Vasconcelos, fundadora.
Gargalos de conectividade e adoção
Apesar do dinamismo tecnológico, a infraestrutura limita a escala.
Quase 70% das propriedades rurais brasileiras ainda não dispõem de conectividade adequada, de acordo com o Ministério da Agricultura e a Associação ConectarAGRO, o que restringe o uso de máquinas modernas e plataformas digitais no interior do país.
A barreira é maior entre pequenos produtores, que enfrentam custos de implantação, carência de assistência técnica e dúvidas sobre retorno do investimento.
O Sebrae, segundo Philippe Figueiredo, tem direcionado programas de capacitação e soluções acessíveis para ampliar a inclusão digital e operacional.
Além da cobertura de internet, o acesso a crédito e a políticas de incentivo fiscal pode acelerar a transição.
Para Sergio Marcus Barbosa, medidas como redução de tributos para produtos sustentáveis e estímulo a linhas financeiras específicas para quem adota tecnologias de baixo impacto ampliariam os resultados ambientais e econômicos.
A integração entre o agro tradicional e o universo das agtechs, avalia ele, tende a crescer à medida que casos de sucesso se multiplicam e que os ganhos de eficiência e rastreabilidade se tornam mais visíveis.
Um laboratório a céu aberto para a agricultura do futuro
Ao reunir robótica movida a energia limpa, soluções genômicas, bioinsumos e análise de dados climáticos, o campo brasileiro testa em escala real tecnologias que buscam manter produtividade com menor impacto ambiental.
O conjunto de iniciativas vai desde a redução do uso de herbicidas e a proteção de polinizadores até a regeneração de solos e a adaptação a extremos climáticos, num cenário em que a previsibilidade das chuvas e das temperaturas se torna cada vez mais rara.
Nesse contexto, a capacidade de inovar com custo competitivo, somada à pesquisa científica nacional, coloca o Brasil em posição estratégica para desenvolver soluções exportáveis a outras regiões vulneráveis às mudanças do clima.
O desafio é transformar ilhas de excelência em padrão de mercado, encurtando o tempo entre o laboratório, a startup e a adoção massiva nas propriedades.